Judicialização da saúde exige reflexão estruturada

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Foto: Freepik

*Artigo escrito por Eduardo M. Amorim, advogado, professor de Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão Especial de Direito Médico do Conselho Federal da OAB e conselheiro estadual da OAB-ES

A judicialização da saúde, fenômeno cada vez mais presente no cotidiano dos operadores do Direito e dos profissionais da saúde, exige mais do que a análise pontual de demandas individuais.

Ela impõe uma reflexão estruturada, crítica e propositiva sobre a forma como os direitos à saúde estão sendo pleiteados, garantidos ou negados, e quais os impactos sistêmicos desse processo.

Nos últimos anos, assistimos a um crescimento expressivo de ações judiciais, tanto no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na saúde suplementar.

Se por um lado essa realidade evidencia o protagonismo do Poder Judiciário na efetivação de direitos fundamentais, por outro, revela sintomas preocupantes: falhas na comunicação entre usuários e prestadores, baixa previsibilidade das condutas assistenciais e, sobretudo, a crescente perda de confiança nas instituições responsáveis pelo cuidado à saúde.

É urgente qualificar o debate. A judicialização não pode ser tratada como inimiga do sistema, mas como sintoma de suas deficiências.

A solução passa por uma atuação mais estratégica e integrada entre os Poderes da República, com a construção de instrumentos técnicos e a melhoria do diálogo, a fim de evitar litígio desnecessário.

Nesse sentido, a implementação e o fortalecimento dos Centros de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-Jus) devem ser prioridade nacional. Embora já implementados em diversos Tribunais para assessorar magistrados em ações envolvendo o SUS, sua ampliação para a saúde suplementar é medida inadiável.

A presença de pareceres técnicos isentos e especializados, com medicina baseada em evidência, contribui para decisões mais justas, técnicas e equilibradas, reduzindo riscos de desequilíbrios econômico-financeiros e respeitando a ciência médica.

Para além dos NATs, é fundamental investir em mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos, como as câmaras de mediação e conciliação, especialmente com a participação das entidades médicas, operadoras de saúde e órgãos de defesa do consumidor.

A mediação qualificada, com apoio técnico, pode reconstruir o elo de confiança entre usuários e prestadores, minimizando confrontos judiciais.

Por fim, é essencial que as operadoras de saúde reflitam sobre seus próprios processos. A ausência de previsibilidade na cobertura, a negação de tratamentos sem justificativas claras e a dificuldade de acesso à informação reforçam o litígio como única via percebida pelos beneficiários.

A confiança é o alicerce da sustentabilidade da saúde suplementar e precisa ser restaurada com políticas claras, comunicação acessível e canais eficazes de solução de controvérsias.

A judicialização da saúde não se encerra nos tribunais. Pelo contrário, é nos bastidores do sistema que devemos construir soluções duradouras.

Cabe aos juristas, aos gestores e aos profissionais da saúde a responsabilidade de qualificar esse debate, reconhecendo que a saúde não é apenas um direito, mas um pacto social que exige compromisso, técnica e empatia.

Eduardo M. Amorim é advogado e professor de Direito Médico e da Saúde. Foto: Acervo pessoal
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