A Prefeitura de São Paulo cancelou na noite de sexta-feira (1º) o contrato que autorizava Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei) a usar a Praça das Artes para o evento, que acontecerá entre quarta-feira (6) e domingo (10). A organização da Flipei diz que a rescisão às vésperas cláusulas do contrato e vê a decisão da gestão do prefeito Ricardo Nunes como censura.
“Estamos movendo medidas judiciais e políticas para responsabilizar a Fundação Theatro Municipal, sua direção, a Secretaria de Cultura e a Prefeitura de São Paulo por esse ato autoritário absurdo de censura”, diz um comunicado emitido pela Flipei.
Esse mesmo comunicado garante que o evento vai acontecer, independentemente da decisão da prefeitura. Segundo Cauê Ameni, editor e um dos idealizadores do evento, a Flipei deve ser transferida para o Espaço Cultural Elza Soares, nos Campos Elíseos. Alguns eventos da feira também devem ocorrer no Armazém do Campo, no Instituto Luiz Gama e no bar Sol y Sombra da rua Treze de Maio.
“A Flipei 2025 vai acontecer, nos mesmos dias, mesmos horários, em outros espaços da resistência de São Paulo”, reforçou a organização do evento. A Flipei acontece desde 2018, reunindo editoras, autores, movimentos sociais e trabalhadores da cultura. Sempre foi 100% gratuita para o público e para as editoras.
A edição 2025 deve contar com a participação de 220 editoras, realizará mais de 40 debates nacionais e internacionais, shows, bailes, atividades para crianças e lançamentos de livros. Estarão no evento Silvia Cusicanqui, Louisa Yousfi, Cynthia McLeod, Judith Sánchez Ruíz e Ilan Pappé.
A Flipei conta também com as participações de Rincon Sapiência, Leci Brandão, Jamil Chade, Laura Sabino, Jones Manoel, Ediane Maria, Milly Lacombe, Thiago Ávilla, entre outras personalidades do campo progressista.
Toda essa programação chegou a ser divulgada pela própria prefeitura por meio da Fundação Theatro Municipal (FTM). A mesma fundação, contudo, foi quem enviou um ofício à Flipei comunicando a rescisão do contrato da gestão municipal com o evento.
O contrato firmado previa que, em caso de rescisão, isso deveria ser comunicado, no máximo, 15 dias antes do evento. Segundo a Flipei, a rescisão a poucos dias do início da feira “foi feita para prejudicar e impedir uma tomada de providências em tempo hábil.”
“O impacto econômico e social da Flipei 2025 é imenso: já contamos com mais de 100
trabalhadores e trabalhadoras contratados pela organização, somando cerca de R$ 300 mil em compromissos firmados”, diz a organização. “Este ataque não atinge apenas um evento, mas a vida e o sustento de centenas de pessoas que vivem da cultura e literatura.”
Segundo Ameni, o cancelamento do contrato da Flipei é mais um ataque da extrema-direita ao evento. “Em 2023, parte da programação em Paraty foi impedida pela polícia”, lembrou.
As tentativas de atrapalhar o evento sempre consideram os temas abordados na festa. “O ofício da FTM deixa claro o incômodo com os temas abordados pela festa; nas palavras de Abrão Mafra que acusa que o ‘evento possui conteúdo e finalidade de cunho político-ideológico’”, diz o comunicado da Flipei.
A organização aponta que o “lobby sionista” se posicionou contra a discussõa da questão palestina com a presença do historiador judeu Ilan Pappé programada para este ano e do militante Thiago Avilla, que estava na flotilha humanitária interceptada por Israel. “Vale destacar que a mesma FTM e sua direção brigaram, inclusive judicialmente, para premiar a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro no Teatro”, reclamou a Flipei.
A crítica ao “lobby sionista” foi reforçada pelo jornalista Breno Altman, que anunciou que a Fliepei será realizada no Galpão Cultural Elza Soares, do MST. “O fascismo sionista, cúmplice do bolsonarismo, é inimigo da cultura, da democracia e do país”, postou Altman, nas redes sociais.
Em nota, a Fundação Theatro Municipal alega que suspendeu a realização da Flipei em razão do uso político por parte de seus organizadores. “No lugar de um festival para promover a literatura independente, de grande valia, a feira tinha em sua programação conteúdo exclusivamente de apelo ideológico, com indisfarçável viés eleitoral. Por este motivo, a fundação suspendeu o evento por entender que seus organizadores usariam uma estrutura pública para interesses políticos e eleitorais”, diz o texto.
A deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) considerou a justificativa a admissão de que o ato do governo Nunes é um “descarado episódio de censura”.
“A decisão tomada, que suspende contrato firmado há 5 meses, aconteceu às vésperas da Festa. A justificativa de que o evento tem ‘cunho político e ideológico’ deixa evidente a perseguição, já que esta mesma Fundação se empenhou em homenagear Michelle Bolsonaro nas dependências do Theatro em pleno período eleitoral”, afirmou a parlamentar.
O vereador Nabil Bonduki destacou que a justificativa da prefeitura é inadmissível, pois um evento cultural não existe sem debates políticos.
“Discussões políticas são absolutamente normais em eventos artísticos e culturais em países democráticos. Portanto, é inadmissível que a FLIPEI seja tratada com tamanho desrespeito. A prefeitura deveria apoiar o evento, como estava previsto, ao invés de tentar impedir sua realização. Na prática, o que a gestão está tentando fazer é calar vozes. É censura”, afirmou.
O post Flipei denuncia censura do governo Nunes ao cancelar realização do evento na Praça das Artes apareceu primeiro em Brasil de Fato.