“Eu acho que toda a Revolução Nacional hoje na África é uma revolução parcial, porque a Revolução Nacional precisa caminhar para a Revolução Maior, regional ou quiçá continental. E só assim, a autodeterminação, que é a premissa do discurso pan-africanista, pode se realizar no médio e longo prazo”.
A análise é de Muryatan Barbosa, doutor em história e professor da Universidade Federal do ABC. Ele foi um dos debatedores da mesa África Vermelha e a luta Pan-Africanista na tarde desta quinta-feira (7), durante a programação da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei) no Galpão Elza Soares, em São Paulo .
Ao Brasil de Fato, Muryatan fez uma análise sobre as lutas por libertação em curso hoje entre os países do Sahel, que define como “revoluções parciais”. O autor valoriza o movimento revolucionário em curso no Níger, em Burkina Faso, e no Mali, mas pondera a necessidade de maior integração regional para que se atinja uma revolução completa.
“O que nós estamos vendo hoje na África do Oeste é muito forte do ponto de vista da ruptura e da resistência, sobretudo contra a ocupação neocolonial francesa. Mas essas revoluções, essas rupturas, essas insurreições, elas precisam caminhar para esse ponto de vista mais regional”, analisa o autor do livro A razão africana: breve história do pensamento africano contemporâneo, que venceu o Prêmio Jabuti em 2021.
Dentro do pacto colonial implementado pela França no pós-independência na África do Oeste, o país europeu orquestrou a fragmentação entre suas ex-colônias, criando microestados menores e dependentes a partir de 1960.
Essa divisão se sustenta ainda nos dias de hoje. Governos neoliberais como os da Costa do Marfim e do Benin, por exemplo, servem como base econômica, militar e política do que restou do domínio francês na África do Oeste.
Esses países, ao fechar fronteiras e apoiar a desestabilização na região, contribuem para que as lutas por soberania nos países da Aliança dos Estados do Sahel (AES) não se integrem para nações vizinhas.
Muryatan destaca também o papel que a França exerce no enfraquecimento da influência e da cooperação da Nigéria sobre os países francófonos vizinhos. “Esse dilema de como transformar revoluções nacionais em revoluções regionais é o dilema da nossa época em todo o sul global”, completa.
Nova razão do mundo e o apagamento das ideias socialistas
O regionalismo e a unidade africana eram a base para o pan-africanismo de bases socialistas defendido por Kwame Nkrumah, líder da luta pela independência de Gana em 1957, a primeira do continente africano. Com suas ideias, Nkrumah influenciou outros processos de libertação de países africanos nos anos seguintes.
“Naquele momento o pan -africanismo poderia ter se tornado essa utopia concreta na medida em que mobilizava as lideranças africanas no momento da descolonização. E Nkrumah estava certo ao dizer que se o pan -africanismo não se realizasse naquele momento nós teríamos mais dificuldade de realizar ele posteriormente após a formação dos estados, dos vários estados nações na África”, considera.
Douglas Rodrigues Barros, psicanalista e doutor em ética e filosofia política pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), defendeu em sua fala que a era do “capitalismo triunfante”, no inicio da década de 1990, esvaziou a luta pan-africanista de matriz socialista.
“O pan-africanismo de matiz socialista vai ser lido como um delírio para o espírito eurocentrado que guiava as lideranças”, explica o autor dos livros Lugar de negro, lugar de branco? (Hedra) e Hegel e o sentido do político (Lavra).
Durante as lutas pela independência, a União Soviética estreitou laços com vários países africanos oferecendo apoio em suas lutas por libertação a partir da década de 1950. Com o seu fim, a integração da Rússia na economia neoliberal ocasiona, na opinião do autor, a ruptura do modelo de integração centrada no pan-eslavismo.
“A nova razão do mundo, que chamamos hoje de neoliberalismo, é uma nova racionalidade que vai ter um impacto fundamental no modo que a história do século 20 vai ser lida. Todas as experiências socialistas serão lidas, na sua integralidade, como erros, equívocos e tragédias”, argumenta.
“A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se baseava numa noção de integração dos povos soviéticos. Então, é importante também resgatar um pouco dessa unidade, da divergência que produz formas de integração regional com as suas diferenças culturais”, completou.
Muryatan Barbosa expõe os desafios para a implementação de um pan-africanismo que construa de fato esta unidade africana, visto que o conceito hoje acaba agrupando diferentes significados.
O sonho pan-africanista
Ele não vê a União Africana, por exemplo, como um organismo capaz de construir essa unidade continental. Mesmo os blocos regionais, na visão do autor, não potencializam “comunidades políticas” atualmente.
“Conforme a centralização estadunidense, a globalização, o liberalismo, consolidou os grandes blocos regionais, o Sul -Global também tem que se mover para se unir. E isso é muito mais do que o BRICS, embora o BRICS seja muito importante. Isso também é o caminho regionalista e esse caminho regionalista serve muito para a África, como deveria servir também para a América Latina”, aponta o docente.
“O pan-africanismo é um sonho, digamos, por trás de um movimento político que não se constrói, infelizmente. Ele é uma ideia sem o sujeito sócio político que pode realizá-lo. E isso é um problema grande para a África”, finaliza Muryatan.
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