
Obra deve levar esgoto de áreas nobres de Belém para comunidade de palafita sem saneamento
Após muitos anos de espera, uma obra promete levar saneamento básico para a Vila da Barca, comunidade centenária e uma das maiores de palafitas da América Latina. Em paralelo à construção de uma estação elevatória para tratamento do esgoto de áreas nobres, moradores estão à espera de abastecimento de água com qualidade até outubro, antes da COP 30.
“As obras já iniciaram, e até a COP 30 o abastecimento de água na comunidade será uma realidade em todas as casas“, prometeu o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).
As obras começaram no final de julho de 2025, um ano após o cronograma de muitas das obras da COP, incluindo a que deve implantar o sistema de esgoto da sub-bacia do UNA, que prevê estação elevatória na Vila da Barca, para esgoto de outras áreas, incluindo mais ricas.
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Palafitas da Vila da Barca dividem espaço com muito lixo e animais.
Juliana Bessa / g1
‘Há tempo neste sofrimento’
📍 A Vila da Barca tem cerca de 5 mil moradores entre casas de palafitas e alvenaria e fica na margem da Baía do Guajará, no bairro Telégrafo, periferia de Belém. Entre os problemas enfrentados, a falta de saneamento é uma das mais incômodas aos moradores, além de conviverem também com muito lixo, que chega pelas águas do rio ou descartado na área, que não tem coleta em sua totalidade.
A comunidade de palafitas foi formada no início do século XX e em sua existência centenária, nunca possuiu sistema de saneamento completo.
“Há 25 anos que moro aqui e nunca mudou nada. Para trabalhar hoje, por exemplo, tive que comprar barril de água. A gente quer morar em local digno, há tanto tempo neste sofrimento”, diz o trabalhador autônomo Márcio Ferreira.
Moradias da Vila da Barca que não possuem sistema de esgoto.
Juliana Bessa / g1
“Para conseguir água, tem que ter bomba. Quem não tem, é aquele sofrimento, tem que ficar pedindo para o vizinho”, afirma Vilma Sousa,da Associação de Moradores.
💧Além das bombas, muitos moradores compram bombonas de água para uso doméstico por não confiarem na qualidade da água que chega às casas pelos canos, pois muitos estão velhos, possuem fissuras e ficam submersos quando o rio enche.
💧Ao mesmo tempo, os moradores não veem garantias de que a água do rio esteja limpa por conta da falta de coleta de esgoto e existências de ligações irregulares de esgoto, que pode contaminar a água do rio e também a dos encanamentos.
Vila da Barca, no bairro do Telégrafo
TV Liberal
🚧 Em julho de 2025, o governo do Pará assinou um projeto, de R$ 7 milhões, para levar saneamento à comunidade da Vila da Barca por meio do contrato com a empresa Águas do Pará, do grupo Aegea, que venceu uma licitação e deve ser responsável por ampliar o abastecimento de água e implantar coletora de esgoto doméstico no Pará.
A promessa é “ampliar o fornecimento de água potável e implantar sistemas de coleta e tratamento de esgoto sanitário nas moradias de alvenaria e palafitas da região”, segundo o governo.
A previsão é que esse novo sistema de água seja entregue até outubro deste ano, e o esgotamento sanitário até abril de 2026.
Essas obras de saneamento começaram na última semana de julho e para o governo do Pará “marca o novo modelo de gestão do saneamento básico” no estado. Antes do início das obras, funcionário da empresa percorreram a comunidade conversando com algumas famílias (relembre no vídeo abaixo).
“Todo o trabalho desse tipo a gente começa com um diálogo social com a comunidade. É um desafio porque tem áreas que são de palafitas, mas a gente vai utilizar uma tecnologia que já utilizamos em Manaus”, segundo André Facó, diretor presidente da Águas do Pará.
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Obra de estação elevatória na Vila da Barca
Há outra obra na comunidade, apesar de ser contra a vontade dos moradores que é a construção de uma estação elevatória para tratamento do esgoto de áreas nobres da capital e que integra uma das obras para a COP 30.
A estação na Vila da Barca é essencial para outra obra da COP 30. Trata-se do sistema de esgoto da sub-bacia do Una. O projeto para despoluir canais da cidade custa R$ 25 milhões. Um dos canais é o da avenida Visconde de Souza Franco, a Doca, que também está em obras.
💧 O esgoto da Doca, entre os bairros centrais Reduto e Umarizal, vai passar por tubulações até a estação de tratamento do Una (ETE-Una). O trajeto tem cerca de 4 km. O caminho é subterrâneo, mas inclui a estação elevatória da Vila da Barca, que bombeará o fluxo de um ponto mais baixo para outro mais alto, para que o esgoto tenha fluxo e siga até a ETE-Una, conforme documentos do governo do Pará.
🚧 Os moradores alegam que a obra da estação elevatória não trará benefício à comunidade, temem o mau cheiro e possíveis vazamentos. Já o governo diz que não há “risco sanitário ou ambiental à comunidade local”.
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Local em que ocorre a obra da estação elevatória.
Juliana Bessa / g1
Palafitas ficam à beira da Baía do Guajará, em Belém, e apresentam risco de desabamento.
Juliana Bessa / g1
Mais vulneráveis às mudanças climáticas
As movimentações governamentais para a COP 30 prometem transformar Belém em uma vitrine mundial da sustentabilidade, mas a carência nas condições básicas em áreas periféricas ou até mesmo em comunidades próximas ao centro da capital, como a Vila da Barca, revelam um cenário contraditório, de maior vulnerabilidade aos efeitos da crise climática.
O aumento do nível das águas e as chuvas intensas ampliam os riscos de alagamentos, desabamentos e espalhamento de esgoto e lixo em áreas sem planejamento, o que pode, também, agravar problemas de saúde pública, por meio da proliferação de vetores, como mosquitos e roedores, por exemplo.
“A realidade que a gente vive hoje é reflexo da forma como a comunidade se constitui, mas é, principalmente, reflexo da forma como a o poder público pensa as periferias. […] Somos uma comunidade que se intensifica por meio dos laços comunitários”, diz o historiador e morador Kelvin Gomes.
A comunidade pede há anos ao poder público obras que vão além do saneamento básico – que agora começou a sair do papel. Por meio da associação de moradores, já tinham solicitado o uso dos terrenos para construção de creches, escolas e até mesmo uma Usina da Paz — complexos públicos de cidadania lotados, principalmente, em periferias do Pará. Segundo ela, todas as respostas foram negativas.
Perfuratriz dentro do canteiro de obras da estação elevatória, na Vila da Barca.
Juliana Bessa / g1
Vila da Barca, periferia de Belém
Helena Palmquist/Ascom/MPF-PA/Divulgação