
Entenda a polêmica ao redor do leilão do maior terminal de contêineres do Brasil
O leilão do maior terminal de contêineres do Brasil gera expectativa em todo o setor portuário. Com investimento estimado em R$ 6,45 bilhões e um contrato com prazo inicial de 25 anos, podendo chegar a 70 anos com renovações futuras, o Tecon Santos 10 tem uma área estratégica de 621,9 mil m² no cais do Saboó, no Porto de Santos, no litoral de São Paulo.
O certame, que ainda não tem data marcada, já movimenta os bastidores do setor e promete atrair gigantes da logística nacional e internacional. No entanto, o ponto central em discussão é uma restrição imposta pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq): empresas que já operam terminais de contêineres no cais santista estão impedidas de participar do leilão.
De um lado, tais companhias apresentam diversos argumentos, entre eles que a restrição reduz o potencial do projeto. Do outro, a Antaq defende que a medida evita concentrações de mercado e promove a concorrência.
O Tribunal de Contas da União (TCU), responsável por validar todo o processo e autorizar o lançamento do edital, deve validar ou não a restrição da Antaq. Até o momento, não há um prazo definido para a conclusão dessa análise.
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Nesta reportagem, você vai entender a importância do Tecon Santos 10, as discussões que rondam a realização do leilão e o que dizem especialistas, empresas e também os órgãos envolvidos no certame:
Área do megaterminal
Importância do Tecon Santos 10
Linha do tempo
O que dizem os especialistas?
Gigantes do setor
Antaq alega promoção de concorrência
Ética no leilão
Ministério aguarda TCU
Prefeitura se preocupa com restrições
Futuro do porto
1 – Área do megaterminal
Área do Tecon Santos 10
Divulgação/APS
A área hoje denominada Tecon Santos 10 está localizada na região do Saboó, na margem direita do Porto de Santos, sob jurisdição da Autoridade Portuária Santista (APS), vinculada ao Ministério de Portos e Aeroportos (MPor).
A área do Saboó foi tradicionalmente ocupada por diferentes arrendatários [empresas que possuem a cessão para uso da área por tempo determinado] que movimentam ou já movimentaram contêineres, veículos, cargas gerais fertilizantes e até suco de laranja.
Atualmente, parte do espaço é ocupada de forma transitória por três empresas, sendo que a ocupação poderá ser encerrada quando a área final for disponibilizada ao vencedor do leilão:
Ecoporto, do Grupo Ecorodovias, que firmou um contrato de transição com a APS até 31 de maio de 2026;
Termares, também do Grupo Ecorodovias, com prazo até 13 de setembro deste ano;
COMPORTCE OPERADOR PORTUÁRIO LTDA., do Grupo Cesari, com prazo até 27 de junho de 2026.
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Onde fica o megaterminal que vai a leilão em Santos, SP
g1
2 – Importância do Tecon Santos 10
Ao g1, o presidente da APS, Anderson Pomini, afirmou que o Tecon Santos 10 colocará o Porto de Santos entre os 20 maiores e mais importantes do mundo, permitindo que o cais chegue aos 10 milhões de contêineres movimentados por ano.
“Trará reflexos positivos para toda a economia do Brasil”, disse Pomini.
Segundo ele, tais reflexos estão baseados no aumento da corrente comercial a partir da maior capacidade de movimentação de cargas do porto. De acordo com Pomini, em consequência do Tecon Santos 10, o porto deve movimentar mais 3,6 milhões de contêineres por ano. “Poderemos atender melhor a crescente demanda tanto para exportação como para importação”, afirmou.
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3 – Linha do tempo:
2013 – Mudança na lei e inclusão no Bloco I do PAP
Sancionada à época, a Lei nº 12.815, também conhecida como a nova “Lei dos Portos”, centralizou no governo federal a responsabilidade pela concessão e arrendamento de terminais portuários. O objetivo era atrair investimentos privados, modernizar a infraestrutura e aumentar a competitividade do setor.
A partir disso, o modelo de gestão dos portos passou a priorizar licitações públicas para o uso de áreas dentro dos portos organizados. Em outras palavras, empresas interessadas em operar terminais passaram a disputar contratos que garantem o direito de exploração por prazos definidos.
Em seguida, houve a inclusão do projeto do STS10 no Bloco I do Programa de Arrendamentos Portuários (PAP), com a área do Saboó sendo considerada estratégica para novos arrendamentos no Porto de Santos.
2019 – Novo EVTEA
Mais de uma década depois, o Ministério da Infraestrutura solicitou à INFRA S/A. a elaboração de um novo Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) para a área do STS10.
Conforme definido pelo próprio governo federal, o EVTEA é um conjunto de estudos desenvolvidos para avaliação dos benefícios diretos e indiretos decorrentes dos investimentos em implantação de novas infraestruturas de transportes ou melhoramentos das já existentes.
2022 – Audiência Pública e avanço técnico
Foi realizada a 1ª Audiência Pública sobre o projeto, organizada pela Antaq. Em seguida, o estudo passou por análise concorrencial por parte da agência e também do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Em outubro, o então Ministério da Infraestrutura (MInfra) definiu que o STS10 seria um ativo da concessão global do Porto de Santos, ou seja, incluído oficialmente dentro da concessão pública que seria concedida para a iniciativa privada operar, administrar e explorar economicamente todo o cais santista, e não só mais áreas de arrendamento.
2024 – Retomada e novas diretrizes
O Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), que veio após a extinção do MInfra, retomou o projeto de arrendamento e emitiu novas diretrizes de revisão à Empresa de Planejamento e Logística S.A. (INFRA S.A.). Veja as principais abaixo:
Alteração do nome do projeto para Tecon Santos 10;
Passa a integrar toda a área do Saboo;
Expansão da infraestrutura de atracação: cais linear de 4 berços (local onde navios atracam para carga, descarga, embarque ou desembarque de passageiros);
Terminal de passageiros: o projeto ganhou a ‘responsabilidade adicional’ de prover recursos financeiros para parte da obra no Valongo;
Tráfego de caminhões: implementar um pátio regulador de fluxo viário.
Megaterminal do Porto de Santos
Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal
2025 – 2ª Audiência Pública e parecer final
A Antaq realizou a 2ª Audiência Pública, com novas consultas à sociedade e ao setor privado. Em seguida, foi emitida a Nota Técnica GRP nº 51/2025, responsável por revisar a análise concorrencial do projeto.
Por fim, em maio, a Antaq publicou a Deliberação DG nº 38/2025, consolidando a viabilidade do projeto e permitindo o envio ao TCU para a liberação final do edital de licitação.
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4 – O que dizem os especialistas?
O especialista em Engenharia de Transportes, Luis Montenegro, ressaltou a importância do Tecon Santos 10 diante do tempo de espera na fila de navios, que segundo ele passou de uma média entre 8 e 9 horas, em 2019, para 53 horas, em dezembro de 2024.
Montenegro ressaltou que o custo para o setor produtivo que depende do Porto de Santos é imenso e exige uma solução urgente. “Vivemos hoje um momento de grande expectativa, à espera das análises do TCU que possam corrigir equívocos metodológicos relevantes presentes na decisão da Antaq, que propôs restringir a participação dos atuais operadores do Porto de Santos no leilão”, finalizou.
Megaterminal do Porto de Santos
Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal
O consultor portuário Ivam Jardim, por sua vez, comentou sobre pontos “pacificados” e outros que seguem “em discussão” após uma agenda promovida pelo TCU no último dia 29, em Brasília, na qual foi realizado um painel de três horas com participação de representantes do poder público e da iniciativa privada.
“Soou como um replay da audiência pública da Antaq: os temas permaneceram praticamente os mesmos, com a questão concorrencial novamente no centro e, como disse o ministro [Silvio Costa Filho], diversas manifestações enviesadas defendendo um ou o outro lado”, comentou Jardim.
O consultor considerou que a única novidade relevante, embora pouco explorada, foi a “indicação da Autoridade Portuária de Santos de que o pátio regulador a cargo do futuro arrendatário não se faria necessário, já que a própria APS está tratando do assunto com a implantação de um pátio compartilhado em um ou mais condomínios logísticos, apto a atender o Tecon Santos 10 e outros terminais da região”, disse Jardim.
Como ponto positivo, ele destacou que foi aceita “a obrigação de o futuro arrendatário implantar a laje, berços e dragagem para que o futuro terminal de passageiros possa ser construído”.
Por fim, Jardim afirmou que “há o entendimento de que o poder público precisa fazer a sua parte, com os acessos rodoviários prontos desde o início de operação dos dois ativos no Valongo, passageiro e contêiner”.
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5 – Gigantes do setor
As restrições impostas pela Antaq desagradaram companhias que já operam terminais de contêineres no Porto de Santos.
Veja, abaixo, os posicionamentos da A.P. Moller – Maersk e de Patricio Junior, diretor de investimento em terminais da Terminal Investment Limited (TiL), que pertence ao grupo MSC.
A.P. Moller – Maersk
Em nota, a empresa declarou que defende “regras claras no edital do Tecon Santos 10, que garantam a livre concorrência e estejam à altura da competitividade desse ativo estratégico para o país”.
A companhia considerou que “vetar a participação de empresas com ampla experiência internacional, responsáveis pela gestão de alguns dos portos mais eficientes do mundo, sem estudos aprofundados que respaldem essa decisão, reduz significativamente o potencial do projeto” no cais santista.
Por fim, a A.P. Moller – Maersk afirmou que exalta a importância da transparência e publicidade na condução de todos os processos relacionados ao leilão do Tecon Santos 10.
“A decisão proferida neste momento se refere apenas ao pedido de uma nova consulta pública e não analisou o mérito da restrição sugerida no edital. A empresa seguirá o curso natural do processo, avaliando a interposição de recurso e buscando as medidas cabíveis para fazer valer o direito a uma concorrência ampla, isonômica e alinhada ao interesse público”, concluiu.
Patricio Junior – TiL:
Também por meio de nota, o diretor de investimento afirmou que a livre concorrência é um pilar essencial para atrair novos investimentos, gerar postos de trabalho e desenvolver a infraestrutura do Brasil. “Infelizmente, no momento, temos visto que a licitação do terminal Tecon Santos 10, no maior porto da América do Sul, vai na contramão de toda lógica”, declarou.
“Entendo que quem já investe no Brasil com responsabilidade, cumpre todas as obrigações contratuais, gera milhares de empregos, diretos e indiretos, não pode ser tratado como secundário. Muito pelo contrário. Deve ser visto como parceiro e prioritário. Como se diz na linguagem do comércio exterior, canal azul. No mínimo, deve ser avaliado com respeito pelo histórico de compromisso e lealdade”, complementou Patricio Junior.
Patricio Junior reforçou que o grupo está presente no Brasil há 25 anos e nunca deixou de cumprir todos os compromissos do setor portuário. “Nunca fomos acusados de quaisquer práticas desleais ou desrespeito às regras. Nunca. Tenho certeza que temos e merecemos todos os créditos para participar da concorrência no leilão do STS 10”.
“No Brasil, deveríamos seguir os exemplos de terminais como Roterdã, Antuérpia, Algeciras e Singapura, onde os operadores estabelecidos e comprometidos com o desenvolvimento desses portos são estimulados a expandir, modernizar e investir ali. Não são excluídos, mas chamados para estarem em toda competição que existir”, complementou o diretor de investimento.
Ele acrescentou que o pedido é por “uma competição de livre concorrência e respeito a quem cumpre com a transparência as obrigações com o Brasil”.
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6 – Antaq alega promoção de concorrência
Em nota, a Antaq afirmou que, com o objetivo de promover e ampliar a concorrência no complexo portuário, foram definidas restrições à participação, na primeira fase do leilão, de empresas controladas, total ou parcialmente, por operadores que já atuam naquele mercado.
“[A Antaq] é uma defensora da competitividade e entende que concentrações de mercado devem ser evitadas. Este é um dos papéis primordiais da Regulação”, declarou. “Esta decisão foi tomada, entre outros aspectos, pelas contribuições apresentadas durante a participação social, visando assegurar maior competição no porto, em benefício da eficiência logística e do interesse público”.
Segundo a agência, na primeira fase do certame, tais empresas não poderão ser declaradas vencedoras. “Caso não haja propostas válidas, operadores já atuantes no mercado de contêineres em Santos poderão participar, desde que apresentem compromisso de saírem das participações que atualmente ocupem em terminal localizado no complexo”, acrescentou.
Ainda de acordo com a Antaq, a decisão foi embasada em critérios técnicos. “Foram considerados dois indicadores principais: (i) a concentração de mercado, que ultrapassaria o limite de 30% se um mesmo operador acumulasse o Tecon Santos 10 com outro terminal no porto; e (ii) o Índice Herfindahl-Hirschman (HHI), que também indicou níveis de concentração superiores aos aceitáveis para garantir ambiente concorrencial adequado”.
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Tecon Santos 10
Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal
7 – Ética no leilão
O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), Edson Vismona, afirmou que o leilão deve ser conduzido com foco em ampliar a oferta portuária e garantir competição no cais durante toda a vigência do contrato.
“A proposta da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), ao priorizar novos entrantes e promover a pluralidade na operação portuária, representa um avanço relevante na proteção do interesse público. Isso porque ambientes excessivamente concentrados tendem a elevar custos e comprometer a competitividade brasileira”, declarou Vismona.
O presidente do ETCO acrescentou que “mitigar o risco da concentração de mercado é um consenso, portanto, permitir que os mesmos grupos ampliem ainda mais seus domínios seria um erro estratégico”.
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8 – Ministério aguarda TCU
Também em nota, o MPor afirmou que o processo para construção do edital passou por “consulta pública e minuciosa análise técnica da Antaq, que avaliou, entre outros, os eventuais riscos de uma concentração de mercado sobre a economia nacional”.
De acordo com o ministério, a movimentação portuária em Santos é estratégica para o desenvolvimento socioeconômico do país, exigindo “medidas adequadas para o leilão” que foram utilizadas em situações semelhantes em processos aprovados pelo TCU.
“O MPor aguarda o posicionamento do TCU para dar prosseguimento ao processo de arrendamento”, finalizou.
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9 – Prefeitura se preocupa com restrições
A Prefeitura de Santos reiterou os termos já manifestados oficialmente à Antaq sobre o edital do leilão Tecon Santos 10, destacando cinco pontos “considerados inegociáveis para garantir o equilíbrio entre os interesses nacionais e os impactos locais decorrentes da operação” do porto. Veja abaixo:
Melhorias viárias: é fundamental que o processo contemple soluções estruturais para a circulação de veículos pesados, em especial a construção do novo viaduto já pactuado entre Autoridade Portuária, Governo de São Paulo e Ferrovia Interna do Porto de Santos (FIPS).
Transferência do terminal de passageiros: a realocação do atual terminal de cruzeiros do Outeirinhos para o Valongo deve ser mantida como contrapartida à cidade, com a responsabilidade do futuro concessionário de executar a nova estrutura.
Preservação e valorização do Cais Público: a área do antigo terminal de passageiros deve ser destinada ao Cais Público, garantindo espaço para operações do Porto-Indústria, suporte a pequenos e médios empresários, transportadores autônomos, trabalhadores portuários avulsos e à agricultura familiar.
Defesa do trabalhador portuário avulso: o modelo de operação deve preservar o direito histórico e cultural da atuação do trabalhador avulso no Porto de Santos, respeitando a importância social e econômica dessa categoria.
Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV): o EIV deve permanecer como exigência obrigatória, conforme previsto no Estatuto da Cidade, como forma de garantir que os efeitos da nova operação portuária sobre o território urbano sejam mensurados e mitigados.
“Além disso, a prefeitura manifesta preocupação com a possibilidade de restrições excessivas à concorrência, que podem aumentar o risco de judicialização do processo, comprometendo sua viabilidade e os efeitos positivos esperados para o setor portuário, o município e a economia nacional”, declarou.
A administração municipal reafirmou o compromisso com o desenvolvimento do porto, mas defendeu que os avanços nacionais “sejam acompanhados de compensações e garantias locais, assegurando qualidade de vida à população e eficiência logística ao país”.
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10 – Futuro do porto
O presidente da APS, Anderson Pomini, acrescentou que, para que todos ganhem com o investimento no terminal, o Porto de Santos já se prepara com as obras de aprofundamento para 16 metros do canal de navegação e, na sequência, a concessão para chegar aos 17 metros.
Segundo Pomini, estão em andamento melhorias nos acessos à margem direita, com dois novos viadutos para agilizar operações e reduzir congestionamentos, além da implantação de Internet 5G e do sistema de tráfego de embarcações Vessel Traffic Management Information System (VTMIS). As ações – parte de um investimento do governo federal de R$ 12,5 bilhões – integram o projeto de expansão da Poligonal, que ampliará a área legal do porto para 20 milhões m².
“O Tecon Santos 10 chega num contexto de preparação do Porto de Santos para os próximos 40 anos, que trará ainda mais protagonismo ao Brasil no comércio internacional”, concluiu Pomini.
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Megaterminal do Porto de Santos
Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal
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