O batuque gaúcho, tradição religiosa de matriz africana com origens no século XIX, voltará a ocupar as ruas de Porto Alegre neste sábado (16). Na data, a Capital receberá a 2ª Marcha dos Quimbandeiros e a 18ª edição do Encontro Internacional de Quimbandeiros, dois eventos que reúnem praticantes, lideranças e apoiadores para celebrar a ancestralidade, fortalecer a organização comunitária e denunciar o racismo religioso.
Considerada a vertente afro-brasileira mais antiga do Rio Grande do Sul, a prática preserva fundamentos estabelecidos antes da abolição da escravidão e mantém-se fora da lógica do sincretismo religioso. Sua história no estado está ligada a Custódio Joaquim de Almeida, liderança espiritual de origem africana que chegou ao Brasil escravizado e fundou, em Porto Alegre, a nação Oyó. Os princípios estabelecidos por ele seguem presentes nos terreiros gaúchos.
Na Capital, o batuque é praticado em diferentes nações, como Oyó, Jeje, Cabinda, Ijexá, Nagô e Angola, com terreiros especialmente localizados nas periferias urbanas. De acordo com o Censo 2022, o Rio Grande do Sul é a unidade da federação com a maior proporção de adeptos de religiões de matriz africana.

A marcha como “grito de resistência”
Pai Ricardo de Oxum, liderança com mais de três décadas dedicadas ao batuque e articulador de uma rede de casas de fé no Brasil, Uruguai e Argentina, é o organizador dos dois eventos. Ele explica que “a Marcha dos Quimbandeiros foi criada como um grito de resistência”.
Segundo ele, apesar do grande número de praticantes no estado, os terreiros ainda enfrentam casos de preconceito e violência. “O Rio Grande do Sul sofre muita intolerância religiosa, muito racismo religioso, muito preconceito. A polícia ainda manda baixar o som. A polícia ainda não tem esse entendimento do que pode e do que não pode”, afirma.
Para Pai Ricardo, a marcha é um ato público de afirmação: “É esse grito de que ‘estamos aqui e vamos continuar aqui’, porque a religião de matriz africana e Exu, que tomou essa proporção tão grande, fazem parte da construção cultural do nosso Brasil”.

Visibilidade e fortalecimento
Além da denúncia contra o racismo religioso, o evento busca ampliar o reconhecimento do batuque como parte fundamental da história afro-brasileira. “Fortalecer a visibilidade e mostrar que estamos vivos e que somos resistentes, mostrar que estamos honrando a nossa ancestralidade, mostrar que a gente continua mantendo todo o legado que nos foi deixado dentro da cultura afro”, ressalta Pai Ricardo.
Ele destaca que o objetivo é também dialogar com as autoridades. “Mostrando para o poder público a força da religião de matriz africana, no que diz respeito somente a professar a fé, e nada mais”, afirma. Apesar de estar em sua segunda edição, ele acredita que a marcha tende a crescer. “Ainda está engatinhando, mas tenho certeza que vai tomar futuramente grandes proporções em todo o estado.”
Programação e homenagem
A programação do dia 16 será dividida em dois momentos: a 2ª Marcha dos Quimbandeiros acontece das 14h às 16h, com saída da Usina do Gasômetro e chegada no Largo Zumbi dos Palmares. À noite, a partir das 20h, ocorre o 18º Encontro Internacional de Quimbandeiros, na Rótula da Quimbanda, na Avenida Dante Angelo Pilla, bairro Rubem Berta.
Este ano, a mobilização presta homenagem a Pai Paulinho de Xoroquê, liderança da Quimbanda, Umbanda e Candomblé, falecido em junho. “Pai Paulinho Xoroquê foi quem desbravou as fronteiras aqui no Sul nos anos 1980. Foi um dos primeiros a ‘dar a cara a tapa’ pelo nosso povo, um dos primeiros a dar visibilidade à nossa religião, um dos primeiros a levar a religião do Sul para outros estados”, relembra Pai Ricardo.
Ele acrescenta que a trajetória de Paulinho teve papel decisivo na expansão da fé no estado. “Quem é do Rio Grande do Sul e faz parte do culto de Exu deve muito a Pai Paulinho Xoroquê, deve muito à sua história, porque foi ele que ‘limpou o caminho’ para que a gente pudesse hoje estar trilhando com um pouco mais de segurança.”
A homenagem será realizada às 19h na Rótula da Quimbanda. “Estão sendo esperadas mais de 30, 40 caravanas de todo o estado, além da Argentina e Paraguai, para prestar homenagem a Pai Paulinho Xoroquê”, informa o organizador.

Apoio e projeção nacional
A Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre apoia a realização dos eventos. A pasta é comandada por Liliana Cardoso, primeira mulher negra e primeira representante do movimento tradicionalista a assumir o cargo.
O evento também atrai atenção nacional. O diretor artístico da escola de samba Portela participará da programação para conhecer a marcha e reunir referências para o desfile de 2026, que terá o batuque gaúcho como tema.
Para os organizadores, a mobilização é um passo para que o batuque seja reconhecido não apenas como tradição regional, mas como parte estruturante da história e da identidade afro-brasileira no país.
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