A Câmara Municipal de São Paulo deve, na próxima semana, votar em segundo turno o projeto de lei que prevê mudanças no Plano de Intervenção Urbana (PIU) Arco Pinheiros, que abrange bairros como Vila Leopoldina, Jaguaré e Butantã.
O objetivo do projeto de lei 691/2025 é permitir a ampliação do Instituto Butantan para o aumento da capacidade produtiva de vacinas como contra o HPV e dTpa (que previne difteria, tétano e coqueluche). Para isso, o projeto de autoria do prefeito Ricardo Nunes (MDB) muda o coeficiente de aproveitamento máximo, que é a relação entre a área construída e o espaço total do terreno, e aumenta o limite de altura máxima para novos prédios para 48 metros, o que equivale a aproximadamente 15 andares.
Uma das queixas dos contrários ao projeto é que a ampliação deve resultar na derrubada de árvores. A mata local está protegida pelo decreto estadual 30.433/1989, que considera imunes de corte, em razão de sua localização, todas as árvores existentes no Instituto Butantã. Ainda assim, o projeto inicial previa a supressão de 6,6 mil pés. No dia 6 de agosto, o Butantan apresentou mudanças e se comprometeu a reduzir para 1,7 mil, sendo 150 nativas e 1,550 espécies invasoras, como a palmeira australiana, que impedem o desenvolvimento de outras.
No dia 5 de agosto, no entanto, a liderança do governo apresentou um substitutivo ao projeto, considerado “pior” do que o projeto original pela oposição. Se o substitutivo for aprovado, o projeto original é automaticamente descartado e não será avaliado. Caso o substitutivo seja rejeitado, passa-se à votação do texto original. O novo texto foi publicado no Diário Oficial do Município na última terça-feira (11), um dia antes da última audiência pública.
O substitutivo permite a derrubada das 6,6 mil árvores inicialmente previstas e libera o loteamento de todo o terreno, alterando o mapa discutido na audiência pública, além de abrir espaço para atividades industriais de alta incomodidade. O texto também autoriza a realização de eventos no local, com níveis de ruído acima de 65 decibéis, patamar equivalente ao de áreas industriais, e autoriza a ampliação em 50% de empreendimentos já considerados problemáticos, como o atual biotério, uma instalação destinada a animais usados para fins científicos.
De acordo com a vereadora Renata Falzoni (PSB), o substitutivo é “muito mais permissivo” do que o projeto original. Além de aumentar o tamanho máximo das construções, a parlamentar explica que a proposta permite diversos usos dos espaços, incluindo o uso industrial gerador de impacto urbanístico e ambiental. “O que está sendo proposto está completamente fora do bom senso da sustentabilidade, da preservação das nossas florestas, da permeabilidade e por aí vai. É um contrassenso, um tremendo retrocesso”, diz a vereadora.
Falzoni também questiona o uso do solo, que seria mais abrangente do que o espaço ocupado pelo Instituto Butantan atualmente. “O que que que está por trás disso? Uma especulação imobiliária? É algo que a gente precisa entender: qual é o motivo de ser mais abrangente do que a área de ocupação de uma possível futura fábrica de vacinas?”, questiona a vereadora.
Na mesma linha, a vereadora Marina Bragante (Rede), afirma que “o substitutivo piora a sugestão do que vai acontecer com o projeto com o Instituto Butantan da perspectiva de cuidado e preservação ambiental. Mas não só isso, de cuidado com as pessoas que moram, do impacto na vizinhança”. Em suas palavras, o projeto “transforma uma região de preservação ambiental e majoritariamente residencial para uma zona industrial e que libera, entre algumas aspas, a construção de indústria, o que dificulta a vida de quem está lá há muito tempo”.
Bragante critica ainda a “guinada” dada em relação ao que vinha sendo construído entre os vereadores, a sociedade civil e o Instituto Butantan, apagado do texto mais atualizado. “O que há de pior é a quebra de confiança de um processo que vinha sendo construído a muitas mãos, tanto de vereadores e vereadoras que não necessariamente são da base, quanto os da base, quanto a sociedade. Isso para mim é muito ruim, porque diz sobre confiança no processo.”
Justificativas
Hoje, a legislação paulistana autoriza construções de até 28 metros de altura na área que contempla a Cidade Universitária, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Butantan, definida como Zona de Ocupação Especial (ZOE). O que o projeto estabelece é dividir a região em três zonas: as áreas da Universidade de São Paulo (USP) e do IPT continuariam com a mesma regra, enquanto a área do instituto passaria a permitir novos prédios com até 48 metros.
Na justificativa, o Executivo afirma que as mudanças são necessárias para a “ampliação do parque produtivo, essenciais à produção de vacinas, soros e medicamentos monoclonais, como as vacinas da dengue, chikungunya e HPV”. O texto também sustenta que a manutenção do gabarito atual “causará a paralisação das obras”.
A proposta foi aprovada em primeiro turno em junho, com 33 votos favoráveis, seis contrários – todos do Psol – e oito abstenções – de PT, PSB e Rede. O tema passou por duas audiências públicas, a última nesta terça-feira (12). O presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente e líder do governo, o vereador Fabio Riva (MDB), descartou convocar novas reuniões.
O que dizem os moradores?
Patrícia Coelho, moradora do Butantã há 25 anos e integrante do SOS Instituto Butantan, manifestou repúdio à proposta durante a segunda audiência pública. “Trata-se de um texto que desrespeita princípios básicos do planejamento urbano, ignora mais uma vez a participação da população e se mostra totalmente contraditório em relação ao que foi apresentado pelos técnicos e pelo próprio diretor do Instituto Butantã”, disse Coelho em relação à diminuição na quantidade de árvores a serem cortadas.
Os pontos do substitutivo “deixam claro que existe uma dinâmica inaceitável entre o discurso e a prática e as ações efetivas”. “A população é afastada das decisões que afetam diretamente a sua saúde física e mental. Quero reforçar que o apelo legítimo da importância das vacinas não pode ser usado como justificativa para atropelar direitos fundamentais e processos. Somos a favor da vacina, mas em local adequado e de forma sustentável. No Butantã, o que é urgente é a preservação e a recuperação ambiental do crime que já foi cometido”, concluiu a moradora.
No último dia 2 de junho, uma comissão do movimento foi recebida pelo diretor do Butantan, Esper Kallás e pelo vereador Nabil Bonduki (PT). Na ocasião, os moradores entregaram uma carta na qual deixam claro que não são contrários à produção de vacinas, mas defendem que a ampliação da capacidade produtiva deve ser feita em outras áreas da cidade, como a Fazenda São Joaquim, propriedade do instituto em Araçariguama, utilizada para a produção de soros.
“Reconhecemos a importância da ciência e o papel do Butantan na produção de vacinas e soros para melhoria do bem-estar humano”, afirmam os moradores. Por isso, classificam como “estranho” que o Instituto, “que se destaca pela pesquisa científica e uso da ciência, não parece prezar o conhecimento técnico-científico na tomada de decisão relativa à expansão de suas instalações, negligenciando os impactos ambientais, à saúde e urbanísticos, sobretudo considerando a emergência climática que vivemos”, diz o texto.
O movimento alerta que a construção de novos edifícios no parque, somada ao aumento de funcionários, agravaria problemas já gerados pela especulação imobiliária, como tráfego intenso, sobrecarga do transporte público e maior demanda por infraestrutura. A expansão do complexo industrial também implicaria grande circulação de veículos pesados para transporte de materiais, entrega de produtos e descarte de resíduos.
Mesmo com as críticas, a expansão do Instituto já foi aprovada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). O investimento é de R$ 1,2 bilhões a serem financiados com recursos do Ministério da Saúde, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo estadual.
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