A 7ª Conferência Estadual de Direitos Humanos, agendada para os dias 3 e 4 de outubro de 2025, na capital gaúcha, emerge como um evento crucial no cenário atual do Rio Grande do Sul. Integrando o processo da 13ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, que ocorrerá no mês de dezembro, em Brasília, o encontro busca mobilizar a sociedade civil, movimentos sociais e o poder público para debater políticas e estratégias de fortalecimento da democracia e da dignidade humana no estado.
Com o lema “Desafios para a promoção e garantia dos direitos humanos no Rio Grande do Sul: consolidar a democracia, resistir aos retrocessos e avançar na garantia de direitos para todas as pessoas”, a conferência terá como eixos temáticos o enfrentamento das violações e retrocessos em direitos humanos; democracia e participação popular; igualdade e justiça social; justiça climática, meio ambiente e direitos humanos no contexto internacional.
Segundo o relatório da Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Redesca) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas pelas enchentes, resultando em aproximadamente 200 mortes e mais de 500 mil deslocados. Conforme aponta o documento a tragédia expôs novas formas de vulnerabilidade, agravando desigualdades preexistentes, especialmente entre comunidades indígenas, quilombolas e populações em situação de vulnerabilidade social. Além disso, houve falhas nos sistemas de alerta e em abrigos temporários, com relatos de violência sexual e problemas de saúde mental.

Na mesma linha, o relatório “Quando a água toma tudo”, da Anistia Internacional, lançado em 28 de maio de 2025, destacou os impactos das enchentes no estado. Conclui que, apesar de investimentos em infraestrutura (rodovias, dragagem, direito empresarial, Defesa Civil), faltaram ações em adaptação climática, moradia e inclusão social, aprofundando desigualdades e racismo ambiental. Comunidades vulneráveis, como quilombolas, povos indígenas e terreiros afro, foram negligenciadas nas políticas de reconstrução, destaca a Anistia Internacional.
Integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e uma das fundadoras do colegiado, Beatriz Rosane Lang enfatiza a importância do evento diante das recentes catástrofes. “É importante porque os executivos municipais e o Estadual nunca pensaram que poderia ocorrer isso. O CEDH-RS se envolveu intensamente, e percebeu as falhas que esses responsáveis deveriam ter previstos. Por isso, a conferência deverá apontar para uma política pública que preveja esse tipo de calamidade que vitimou muitas pessoas.”
Etapas preparatórias e o papel do conselho
As etapas municipais da conferência estão em andamento, e seguem abertas para realização até o dia 12 de setembro. Representando o Instituto de Assessoria das Comunidades Remanescentes de Quilombos (Iacoreq) no colegiado, Ubirajara Toledo (Bira), ressalta o papel fundamental dessas fases preparatórias na construção de uma sociedade mais justa. “É, sem dúvida, imprescindível para a sociedade que nós almejamos, uma sociedade mais humanitária, mais igualitária, que haja efetiva participação do conjunto da sociedade na Conferência Estadual de Direitos Humanos”, afirmou Toledo.
Ele complementa que é responsabilidade de todos reforçar a centralidade dos direitos humanos em uma sociedade democrática e diversa. “É imprescindível que nós possamos fortalecer esses espaços de participação para termos uma sociedade mais justa e mais equitativa, onde todos os cidadãos são respeitados e têm em si a perspectiva da dignidade da pessoa humana.”

Toledo também destacou a atuação do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS) como uma “trincheira na defesa da pluralidade dos setores da sociedade”, acolhendo e representando grupos historicamente marginalizados. “Hoje, mais do que nunca, o Conselho Estadual de Direitos Humanos é o local onde ciganos, indígenas, quilombolas, moradores em situação de rua, sentem-se à vontade e participam, levando as suas demandas e a necessidade de que sejam respeitados como cidadãos.”
Ele conclui que o conselho “cumpre com esse papel histórico, na defesa daqueles que são os excluídos históricos da sociedade”, amplificando vozes que muitas vezes são ignoradas pelos agentes públicos.
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Crise climática e direitos humanos: Um debate inadiável
Um dos temas centrais da sétima conferência é a relação entre crise climática e direitos humanos, um debate considerado inadiável pela vice-presidenta do CEDH-RS e integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Alexania Rossato. A dirigente afirma que os eventos extremos se tornaram parte do cotidiano, afetando desigualmente territórios periféricos e vulnerabilizados. “Onde há desastre, há desigualdade e violação de direitos”, pontua.
Dados do Atlas Digital de Desastres revelam que 83% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum tipo de desastre entre 2014 e 2023, impactando cerca de 117 milhões de pessoas. O Rio Grande do Sul, um dos estados mais afetados, vivenciou em 2024 enchentes classificadas como a maior catástrofe hidrogeoclimática e socioambiental já registrada em uma região metropolitana do Hemisfério Sul.
Rossato salienta que a população trabalhadora e pobre, especialmente mulheres, crianças, povos indígenas, população negra, comunidades rurais e trabalhadores informais, são os mais atingidos pela crise climática, apesar de serem os que menos contribuíram para o aquecimento global. “São essas populações que vivem nas áreas de risco, não por escolha, mas por falta de alternativa. E quando o risco se materializa em desastre, são também elas que têm mais dificuldade em acessar políticas de assistência e reconstrução. A crise climática, portanto, revela e agrava as desigualdades históricas do país”, diz.
Ela lembra que 87% das famílias atingidas pelas enchentes no RS em 2024 têm renda de até dois salários mínimos, e 67% menos que um salário mínimo. Rossato critica o receituário neoliberal, que, com cortes no orçamento público e precarização dos serviços, agrava a situação ao impedir uma resposta estatal adequada.

Nesse contexto, a dirigente defende que a 7ª Conferência Estadual de Direitos Humanos seja um espaço de denúncia e mobilização por justiça climática. “Nossa conferência pode dar luz a todas essas questões e cobrar que o Estado brasileiro cumpra as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, reconstruindo com prioridade para quem mais necessita”, conclui. Ela enfatiza a urgência de investir recursos públicos na garantia de direitos e na reparação dos territórios atingidos, combatendo as desigualdades agravadas pela crise climática.
Contribuições para a Conferência Nacional
O presidente do CEDH-RS, Júlio Alt, destacou que a Conferência Estadual do Rio Grande do Sul, assim como as conferências livres, regionais e municipais que estão ocorrendo, poderá trazer subsídios valiosos para a Conferência Nacional de Direitos Humanos. “Nós somos em um estado que passa por uma crise climática que, até o momento, ainda não foi revertida, com zonas de risco e parte da população ainda empobrecida em decorrência dessa situação. Também observamos injustiças ambientais e má gestão dos recursos”, afirmou.
Segundo o presidente, o Rio Grande do Sul pode evidenciar de forma clara os impactos da crise climática no território. “Embora não sejamos o único estado do país atingido por uma crise climática, passamos recentemente por episódios graves que tornam nossa experiência relevante. Temos experiências em políticas públicas, algumas exitosas e outras que servem de aprendizado e que serão compartilhadas na Conferência Nacional, para verificar como outros estados estão enfrentando essas questões e discutir como, em todo o país, é possível respeitar os direitos humanos e fortalecer as políticas públicas relacionadas a eles”, completou.
“O evento é um momento importante para discutir políticas públicas de direitos humanos, diagnosticar a situação atual no RS e mobilizar a sociedade em torno de direitos fundamentais. Também é o espaço para eleger a delegação que representará o estado na conferência nacional, levando nossas propostas”, explica Alt.
O post Conferência de Direitos Humanos no RS: mobilização pós-enchentes por justiça e políticas públicas apareceu primeiro em Brasil de Fato.