
Construção do estádio do Parque do Peão de Barretos durou 81 dias em 1989
Quando entrou pela primeira vez no escritório de Oscar Niemeyer (1907-2012) em dezembro de 1984 no Rio de Janeiro (RJ), o presidente do clube Os Independentes, fundador da Festa do Peão de Barretos, tinha um sonho: convencer um dos maiores arquitetos do país a elaborar o projeto da construção de um novo recinto grandioso para o rodeio.
A apresentação de Mussa Calil Neto a Niemeyer caminhava bem até que eles chegaram a uma parte decisiva da conversa: o preço.
“Doutor, mas só que a gente não tem condições de pagar o senhor. Eu sei da genialidade do senhor pra fazer as coisas, fazer os seus traços, mas não temos condições. Ele disse: ‘Você vai querer que eu faça um trabalho e eu não vou receber?’”, lembra Mussa.
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Niemeyer ficou de avaliar. Dois meses depois, o presidente da festa recebeu um telefonema do escritório carioca. O projeto estava pronto, contemplava um estádio de rodeios, o museu, a esplanada do futuro Parque do Peão.
“Aí eu falei: Doutor, e agora, quanto que ficou? ‘Mas você falou que não tinha, você tem, agora?’. Eu falei: ‘Não tem’. Então ele falou: ‘Vai lá fazer sua obra’. Aí começamos a fazer o Parque do Peão”.
Estádio de rodeios do Parque do Peão nos anos 1990 e o projeto de Oscar Niemeyer para a Festa do Peão de Barretos
Acervo Os Independentes/Jornal O Diário
Este conteúdo integra a série especial do g1 ‘Barretão na Raiz’, sobre os 70 anos da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, considerada o primeiro evento do gênero no Brasil e o maior da América Latina. As reportagens voltam no tempo para contar fatos curiosos das primeiras edições.
Fim de uma era
Quando Mussa decidiu transferir a Festa do Peão de Barretos para uma área afastada do Centro, onde só havia mato às margens da Rodovia Brigadeiro Faria Lima, foi considerado louco. Houve um racha no clube Os Independentes e na sociedade barrentese.
O evento crescia em fama e público, mas o Recinto Paulo de Lima Correa, que o abrigava desde 1956, já não o comportava mais. As três mil pessoas do início chegaram a 30 mil três décadas depois.
A última festa no espaço foi realizada em 1984, sob a gestão de Mussa, e foi um “desastre”, nas palavras dele.
“Eu fiz a pior festa do peão em termos de clima. Aqui choveu, fez frio, vento, garoa, as tábuas da arquibancada voaram todas, sabe? Não dava mais pra fazer festa nesse espaço. A arquibancada só crescia pra cima, tinha o vento, era muito perigoso ter um desastre até com vítima fatal. Aí nós resolvemos mudar daqui para um espaço que a gente já tinha adquirido, 40 alqueires onde é hoje o Parque do Peão.”
Mussa Calil Neto foi o responsável pela mudança da Festa do Peão de Barretos do Centro para o Parque do Peão, em 1985
Érico Andrade/g1
O clube convocou os melhores arquitetos de Barretos na época em busca de um projeto que estivesse à altura da grandeza da ideia de fazer um parque dedicado à cultura do peão de boiadeiro.
“Aí nós vimos que não houve acerto. Teve um projeto que a gente não gostou, ia prejudicar uma mata lá [no novo terreno]. O arquiteto falou: ‘Melhor que o meu, procure o Niemeyer’. Eu falei assim: ‘Boa ideia’”.
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As ‘cópias’ foram utilizadas em banheiros, até memlanchonetes, bilheteria, acesso do público. O cartão de Roberto Medina com a autorização para a entrada no festival é guardado até hoje no acervo do ex-presidente do rodeio.
‘Chupinhada’ no Rock in Rio
No fim de 1984, Mussa conseguiu falar com Niemeyer por telefone, e o arquiteto concordou em recebê-lo. Pediu a ele para levar ao Rio de Janeiro todos os estudos que tinha para os planos do novo recinto.
Foto da estrutura do Rock in Rio no fim de 1984 para a edição de janeiro de 1985 Festa do Peão de Barretos
Acervo Mussa Calil Neto
Em dezembro, Mussa viajou com outros membros do clube ao Rio e chegou mais cedo do que o combinado. Na mesma época, um evento gigante estava em fase de montagem: o Rock In Rio, marcado para janeiro de 1985. O grupo do interior de SP decidiu ir conhecer as instalações.
“Não deixaram entrar. Falaram que só com ordem lá do escritório. Voltamos lá no escritório. Estava subindo o elevador e uma pessoa gritou: espera aí, espera aí, eu vou subir também. Era o Roberto Medina. Aí ele deu autorização, fomos lá, fotografamos tudo. Muitas coisas que tem no Parque do Peão foram chupadas mesmo lá do Rock in Rio. A gente já tinha alguma coisa pra fazer no parque”, diz Mussa.
As ‘cópias’ foram utilizadas em banheiros, até mesmo a disposição dos vasos sanitários e o sistema de descarga, em lanchonetes, bilheteria, no acesso do público. O cartão de Roberto Medina com a autorização para a entrada no festival é guardado até hoje no acervo do ex-presidente do rodeio.
O arquiteto Oscar Niemeyer e Mussa Calil Neto, responsável pela mudança da Festa do Peão de Barretos para o Parque do Peão
Acervo Mussa Calil Neto
A reunião com Niemeyer
Mussa acredita que tenha convencido Niemeyer a fazer o projeto de graça por um motivo: quando o procurou, explicou que as intenções eram a de preservar a memória do peão de boiadeiro e fazer uma festa para o povo.
“A gente queria um projeto cultural, que era pra preservar a memória do peão na dança, na música, na vestimenta, na culinária. Ele se emocionou muito quando a gente falou que na Festa do Peão a gente queria que tivesse a participação popular, do povo, de todo mundo frequentar a festa. Ele, que era um socialista, entendeu bem a nossa visão e ele criou o Parque do Peão”, afirma.
O estádio de rodeios em formato de ferradura foi pensado por Niemeyer como um símbolo da cultura do peão.
A arena da Festa do Peão de Barretos nos anos 1950, em 1985 e em 2023
Acervo Museu Municipal Ruy Menezes/ Acervo Mussa Calil/André Monteiro
Construção em 81 dias
Em agosto de 1985, o Parque do Peão foi inaugurado e recebeu a 30ª edição da Festa do Peão de Barretos. Mas a arena de rodeios foi montada em estrutura tubular, com arquibancadas de tábua e ferro. O formato ainda durou mais três edições, já que eram necessários recursos vultosos para a obra faraônica.
No dia 1º de junho de 1989, 700 trabalhadores começaram a executar o plano do estádio.
Foram 81 dias e 81 noites, sem intervalo, 160 mil metros cúbicos de terra retirados na escavação para dar forma à ferradura.
Em 21 de agosto, o estádio de rodeios recebeu o público pela primeira vez.
Estádio de rodeios planejado por Oscar Niemeyer lotado na Festa do Peão de Barretos nos anos 1990
Acervo Mussa Calil Neto
Parque quarentão
Niemeyer não chegou a participar do rodeio, mas Mussa conta que quando ele estava a caminho da fazenda que tinha em Juiz de Fora (MG), passava em Barretos para prosear. Ficaram amigos, e os registros são muitos, pendurados com carinho nas paredes da casa do ex-presidente da Festa do Peão.
Hoje, as arquibancadas da arena do Barretão recebem 35 mil pessoas. Com o chão liberado e com os camarotes construídos ao longo do tempo, artistas consagrados da música sertaneja chegam a se apresentar para até 60 mil pessoas.
No ano em que o maior rodeio da América Latina comemora 70 anos de história, o Parque do Peão entra para o time dos quarentões. Ele recebeu o nome de Mussa Calil Neto, seu maior entusiasta.
Na entrada, a estátua de um peão de 27 metros, popularmente chamado de Jeromão, dá as boas-vindas aos visitantes desde 2005.
A festa que marca o início do rodeio no Brasil está hoje em uma área de um milhão de metros quadrados e recebe cerca de um milhão de visitantes durante 11 dias todo mês de agosto.
Conta com camping para 20 mil pessoas, museu, um parque dedicado às crianças, ranchos, hípica, minirrodoviária, heliponto, estacionamento para 15 mil veículos, unidade de pronto-atendimento, postos das polícias civil e militar.
“Ela [Festa do Peão] está lá para fazer as pessoas se divertirem, curtirem a festa, o rodeio, a música, o grande show. Há pessoas que estão trabalhando e dali estão ganhando o sustento para levar alguma coisa de melhor para suas casas. A Festa do Peão é um marco nacional, já passou fronteiras”, diz Mussa.
Não é à toa o apelido de cidade sertaneja.
Vista do alto da arena do Parque do Peão durante a Festa do Peão de Barretos, SP
Alisson Demétrio
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