Coco de Roda: a identidade, o canto e a resistência do povo alagoano


Coco no Quilombo Sítio Lages, em Piranhas
Benita Rodrigues/Na Pegada do Coco
O pisar do pé no chão, as cores, o ritmo e a tradição formam um dos mais importantes pilares do folclore alagoano: o coco de roda. O coco é uma forte expressão artística, cultural e popular de Alagoas, é resistência e sabedoria do povo. É nesse brincar que os folguedos se mantêm vivos na cultura e na memória dos nativos desse estado tão rico em cor, cultura e alegria.
Para celebrar o Dia do Folclore, o g1 AL reuniu a história e o conhecimento de duas brincantes do coco de roda alagoano: Mestra Zeza do Coco, patrimônio vivo do estado, e Juliana Barretto, antropóloga, artista do Coco e realizadora audiovisual.
🔎 O Dia do Folclore é comemorado nacionalmente em 22 de agosto com o objetivo de fomentar a cultura popular e proporcionar ao público uma imersão nas tradições que moldaram a história e a identidade dos estados brasileiros.
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💃A dança do coco
A dança é caracterizada pelo jeito como os pés dos brincantes pisam no chão, normalmente seguindo o ritmo da música cantada por um cantador, que é quem puxa as músicas na roda. Além disso, a dança do coco é realizada em roda e executada em pares, fileiras ou círculos.
Coco de Roda Alagoano
Michelle Farias/G1
O ritmo contagiante do coco tem influências africanas e indígenas. Originalmente, ele teria sido uma dança negro-africana. Há quem diga que o coco carrega em sua história a influência dos povos Bantus, tendo sido criado pelos negros do Quilombo dos Palmares, em União dos Palmares, com fortes influências das cantorias feitas durante as tapagens de casa de pau-a-pique.
Embora essa seja uma versão aceita por muitos pesquisadores, a história do coco já foi muito passada oralmente entre várias gerações, tendo sofrido mudanças ao longo do tempo.
Essa versão explicaria a importância sócio cultural do ritmo para o nosso estado.
“O Coco tem um papel profundo na construção das identidades comunitárias porque nasce da vivência coletiva — do chão batido, da roda, do canto puxado e respondido, dos corpos que dançam em sintonia com a história, o território e a resistência. Além disso, valoriza a cultura popular ao legitimar os saberes do povo como forma de conhecimento, arte e educação”, explica Juliana.
Além disso, a antropóloga fala que ele reúne elementos centrais da identidade alagoana: a oralidade, a musicalidade, o corpo coletivo, o improviso e o saber popular.
“Ele carrega as marcas da resistência negra e indígena, dos trabalhadores da terra, dos mestres e mestras que, muitas vezes sem reconhecimento formal, mantêm vivas essas tradições com sabedoria e dedicação”, diz.
O ritmo também deve ser entendido como forma de resistência porque é produzido para o afeto, para o encontro e para a celebração da vida comunitária. Juliana explica que o Coco alagoano tem uma estrutura de organização que desafia hierarquias tradicionais.
“Ele não precisa necessariamente de palco, podendo acontecer na roda; não há plateia passiva, mas um público que participa com o corpo e com a voz, nas dinâmicas de pergunta e resposta — presente tanto na música quanto na dança. E isso, por si só, já é uma crítica às formas dominantes de produção e consumo de cultura”, afirma.
O papel dos mestres do coco na preservação da cultura popular
Da oralidade à roda, o Coco resiste por aqui. Os mestres e mestras do Coco são os responsáveis por manterem vivos a memória, a tradição e o ensino da dança para o povo. Juliana afirma que o papel deles vai muito além do ensino técnico, eles são educadores populares, líderes comunitários, articuladores sociais e referências vivas da cultura popular.
“Eles mantêm viva a tradição por meio da oralidade, do exemplo e da convivência — transmitindo não apenas o saber fazer, mas também os valores éticos, afetivos e históricos que sustentam o Coco como expressão de resistência e identidade”, explica.
Mestra Rosália Gomes de Arapiraca
Benita Rodrigues/Arquivo Pessoal
O povo alagoano é um povo que sabe muito bem como transformar dores e vivências em cor e ritmos culturais. O Coco tem esse lugar de expressar crenças, vivências, dores e alegrias do povo.
“Por exemplo, quando Mestre Verdelinho (In Memoriam) canta “O Grande Poder”, está transmitindo sabedoria popular sobre a natureza. Quando Mestra Zeza canta sobre o Rio São Francisco, ela transforma o território em poesia, conectando o espaço geográfico à memória afetiva e cultural do povo alagoano”, diz Juliana.
Maria José da Silva, a Mestra Zeza do Coco, é patrimônio vivo do estado de Alagoas. Em entrevista à Tv Gazeta, ela falou que o Coco em Maceió já tem mais de 300 anos e é fruto das construções das casas de pau-a-pique.
Toda a família de Maria José é brincante do Coco. Filha de Mestra Hilda, Zeza também ensina a arte do Coco para seus filhos e netos no tradicional bairro do Bebedouro, em Maceió.
“Eu sou a quarta geração do Coco na minha família, a minha filha é a quinta e os meus netos já é a sexta geração. No interior, eu acho assim, a pessoa que não souber dançar Coco pra mim é uma desfeita. A minha mãe contava que ela grávida de mim, eu dançava na barriga dela quando ela tava dançando Coco”, diz a Mestra.
A juventude não abandonou o Coco. Pelo contrário, assim como os netos da Mestra Zeza, muitos jovens o reconhecem como um espaço potente de expressão, identidade e resistência cultural, como explica a antropóloga Juliana Barreto.
Para ela, a juventude alagoana tem sido essencial na manutenção e renovação do Coco de Roda.
“Eles participam de grupos culturais, oficinas e concursos de Coco de Roda, contribuindo com novas linguagens e perspectivas. Essa presença jovem garante a continuidade, ao mesmo tempo em que a atualiza e a fortalece frente aos desafios do presente”, fala.
*Madu Cardoso sob supervisão de Michelle Farias
Conheça o grupo de Coco de Roda que busca manter viva a cultura em Alagoas
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