
Lesões corporais, ameaças, injúrias, difamações, estelionatos, crimes de natureza psicológica, física, patrimonial e sexual são violências registradas diariamente na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) em Feira de Santana. Segundo levantamento feito pelo Acorda Cidade com a delegada titular da Deam, Lorena Almeida, de 1º de janeiro até a última sexta-feira (15), foram 2.238 ocorrências em contexto de violência doméstica.
A conta deixa fora ainda os feminicídios, quando a mulher é morta pela questão de gênero, que ficam sob responsabilidade da Delegacia de Homicídios. A maioria dos crimes é praticada por ex-companheiros que, por muitas vezes, não aceitam o fim do relacionamento.
Os números trazem um alerta real na campanha Agosto Lilás, mês dedicado ao combate à violência contra a mulher. Para a delegada, entre os crimes, chama a atenção a quantidade relacionada à violência psicológica que pode representar a primeira fase do ciclo de violência.
“O feminicídio é um crime evitável. Evitável porque ele nunca acontece do nada, ele dá sinais antes. E o primeiro sinal são justamente os atos de violência psicológica, então as ameaças, os constrangimentos, as humilhações, as manipulações, os xingamentos”, alertou a delegada em entrevista ao Acorda Cidade.
Relacionamentos violentos diminuem a autoestima das mulheres e criam o imaginário de que, sem o parceiro, elas não serão realizadas e felizes. Para Lorena, essa é a pior corrente, a dependência emocional, que deixa mulheres vulneráveis mais do que a dependência financeira.
A segunda fase é a de explosão. Quando crimes de violência física costumam ocorrer. Logo após vem a “Lua de Mel”. Quando o agressor se diz “arrependido” (nem sempre), mas tenta a reconciliação.

“O feminicídio acontece com a repetição desse ciclo. A gente precisa combater a violência doméstica desde a primeira fase do ciclo. Precisamos levar a sério as ameaças, as injúrias. Os crimes de violência psicológica, propriamente dito, que são os atos de manipulação, humilhação, chantagem, tudo isso precisa ser levado a sério. A mulher precisa entender que esses primeiros atos de violência são, sim, graves, que não podem ser tolerados, que devem ser combatidos para que ela não seja uma vítima de feminicídio no futuro”, alertou.

É importante que, dentro de qualquer relacionamento, mulheres fiquem atentas às frases: “Sem mim você não tem mais ninguém”, “Você só é o que é hoje por minha causa”, “Ninguém nunca vai te amar como eu te amo”, “Você não vai conseguir isso sozinha”, “Isso tudo é coisa da sua cabeça”. São mensagens que podem trazer uma dimensão bem maior da violência.
Como denunciar?
As denúncias podem ser realizadas na Deam ou pelos canais 180 e (61) 9610-0180 (WhatsApp). Segundo a delegada, é importante registrar o Boletim de Ocorrência, pedir medida protetiva para que o agressor seja responsabilizado.

“Sempre que a mulher puder trazer as conversas que tem com ele, se tiver gravações, se tiver testemunhas, vizinhos, familiares, pessoas que ouviram, tudo isso vai nos ajudar a fazer uma investigação mais robusta. O nosso objetivo na Deam é fazer uma repressão qualificada dos agressores, então fazer uma investigação bem feita, para que quando chegar na justiça essa investigação não fique por isso mesmo, que é o que popularmente se fala.”
Crimes sexuais chegam primeiro às unidades de saúde
Crimes de importunação sexual e estupros são muito mais comuns do que os registros pontuam. Segundo a delegada, essa subnotificação está ligada à vergonha que foi criada em torno da vítima, que faz com que a mulher tenha receio de pedir ajuda, de falar sobre o assunto, até mesmo porque são descredibilizadas.
“Muitas vezes, chega até o nosso conhecimento o crime sexual através dos hospitais. Então, o hospital Clériston Andrade, às vezes as UPAs, unidades de saúde, quando chega até uma mulher lesionada ou chega informando que foi vítima de abuso, ela não quer vir até a delegacia, ela vai até o hospital. Mas o hospital, por lei, é obrigado a informar a delegacia.”
Violência Patrimonial
Embora não esteja no Código Penal, o estelionato sentimental — quando o “amor” vira golpe — está enquadrado no artigo 171 da constituição. Recentemente, o Acorda Cidade tem mostrado vários casos em que mulheres sofrem esse tipo de violência patrimonial, quando são enganadas e usurpadas por parceiros que se aproximam da vítima para subtrair bens e valores. (Relembre no final da matéria)
A violência patrimonial é uma das violências previstas na Lei Maria da Penha, que este mês completa 19 anos de combate à violência doméstica e familiar.
“Estelionato, apropriação indébita, furtos. Esses crimes estão previstos no Código Penal como crimes comuns, só que a Lei Maria da Penha dá um tratamento mais gravoso quando é praticado contra a mulher no contexto de violência doméstica. E o que quer dizer a violência patrimonial? Quando o homem subtrai, se apodera ou detém bens da mulher com o objetivo justamente de violentá-la. Então, para levar a mulher a um estado de sofrimento, de despatrimonialização, em que ela fique sem nada, que ela não consiga se erguer, não consiga sair daquele relacionamento.”

A delegada também alerta que, caso você esteja passando por uma situação como essa, onde você investiu o dinheiro com um parceiro e foi enganada, “ele te passou para trás”, roubou o que vocês construíram juntos, é importante reunir as provas e procurar a polícia, porque tem como reverter a situação.
“Quando alguém é induzido ao erro e a pessoa sofre prejuízo em detrimento de outra pessoa que vai ter um enriquecimento ilícito, então se isso tiver demonstrado nos autos através de comprovantes de pagamento, conversas nas quais a pessoa demonstra que realmente está repassando bens, não está tendo acesso a esse dinheiro, não está conseguindo reaver esse patrimônio e a pessoa traz toda essa demonstração para a gente, isso fortalece a investigação e a gente consegue responsabilizar o autor”, explicou Lorena Almeida ao Acorda Cidade.
Medidas Protetivas
Entre 1º de janeiro e 30 de junho deste ano, a Deam de Feira de Santana já emitiu 420 medidas protetivas. Essa é uma ferramenta importante da rede de proteção à mulher que impossibilita que o agressor se aproxime da vítima ou mantenha contato, inclusive, em locais públicos. Após solicitada na Deam, o judiciário avalia caso a caso.
“Tem gente que pensa que a medida protetiva não vai dar em nada, não vai servir.” Mas quando uma mulher pede, a gente caminha ao Poder Judiciário e essa medida é concedida pelo juiz, automaticamente a mulher passa a fazer parte da rede de proteção à mulher. E Feira tem uma rede de proteção muito forte”, pontuou a delegada.
A mulher passa a ser acompanhada por órgãos como a Vara de Violência Doméstica e a Ronda Maria da Penha, da Polícia Militar, que realiza visitas para acompanhar a integridade física, mental e emocional da mulher.
“Todos os órgãos da rede de proteção estão alinhados em conjunto para atuar em favor da mulher que tenha medida protetiva. Por isso que a gente fala, se a mulher está se sentindo ameaçada, se ela está sendo vítima de algum crime, se ela precisa da proteção do Estado, ela pode vir aqui até a Deam, que a gente vai fazer o encaminhamento dessa medida protetiva e assim seria lá na rede.”
Lorena também alertou os homens que descumprem a medida. Atualmente, está previsto em lei como crime pelo artigo 24A. A partir do momento em que o homem se aproxima da mulher — tendo a medida protetiva — ele está automaticamente praticando um crime. Não precisa ameaçar, não precisa xingar, ele não precisa agredir. Se ele descumpre a medida protetiva, ele já está praticando um crime novo.
O que o homem NÃO PODE fazer se há medida protetiva em vigor:
- Não pode se aproximar da mulher, mesmo que não haja ameaça, agressão ou xingamento.
- Não pode fazer contato com a mulher, por nenhum meio (telefone, mensagens, redes sociais, etc.).
- Não pode procurar familiares da vítima, amigos ou outras pessoas próximas.
- Não pode permanecer nos mesmos ambientes que a vítima (casa, trabalho, escola dos filhos, etc.).
- Não pode insistir no relacionamento ou tentar reatar o vínculo.
- Não pode utilizar terceiros para mandar recados ou pressionar a vítima.
- Não pode justificar o contato alegando que a mulher o procurou, mesmo que ela entre em contato, ele deve se afastar.
- Não pode ignorar a medida protetiva achando que “não dá em nada”. O descumprimento é crime (art. 24-A da Lei Maria da Penha).
- Não pode tratar a medida como irrelevante ou simbólica, ela tem força de lei e pode levar à prisão em flagrante ou preventiva.
- Não pode agir com a ideia de posse ou controle sobre a mulher, como tentar impedi-la de seguir sua vida após o fim do relacionamento.
Vale reforçar que descumprir a medida protetiva é um crime, independentemente de qualquer outra agressão ou ameaça. A mulher não precisa esperar uma nova agressão para pedir ajuda — o simples descumprimento já é suficiente para acionar a polícia.
“Na atual gestão foram 24 prisões e vamos continuar cumprindo porque esse é o objetivo da Deam, responsabilizar os agressores, proteger as mulheres e dar cumprimento e efetividade às leis de proteção à mulher”, declarou Lorena Almeida ao Acorda Cidade.
“A gente tem que conscientizar a sociedade de que toda pessoa é livre para viver sua vida e tem direito de não querer mais estar num relacionamento. Ninguém é obrigado a ficar com ninguém. Se uma pessoa não quer mais aquele relacionamento, cada um deve seguir sua vida em paz. Se a mulher colocou o ponto final na relação, só cabe ao homem realmente aceitar e seguir sua vida”, acrescentou.
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
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