
Funk, latinidade e literatura trans: após 5 anos fechada, casa da Hilda Hilst reabre com festival
Reprodução/EPTV
A Casa do Sol, moradia e retiro artístico de Hilda Hilst, uma das escritoras mais reconhecidas da língua portuguesa, reabre neste fim de semana com uma vasta programação que reflete a diversidade da complexa e profunda obra da autora, que morreu em 2004. A retomada das atividades no imóvel, que fica em Campinas (SP), ocorre após cinco anos de restauração e tem entrada gratuita.
A reabertura celebra a edição inaugural do Festival Literário Hilstianas. O evento, que segue até o domingo (24), terá feira de livros, discussões sobre mulheres na literatura latina, além de um baile funk.
O festival conta com intervenções artísticas, espetáculos teatrais e musicais, além de atividades ligadas à literatura, como a aula aberta conduzida pela escritora Amara Moira, que propõe uma leitura sob uma perspectiva transgênera do livro Caderno Rosa, de Hilda Hilst — clique aqui e confira a programação completa.
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Construída há 60 anos, a residência histórica emendou o isolamento social da pandemia de Covid-19, em 2020, com uma interdição para restauro estrutural.
Em entrevista ao g1, o presidente do Instituto Hilda Hilst, Daniel Fuentes, responsável pela gestão do patrimônio e direitos autorais da escritora, explicou que a equipe quer manter a memória da Hilda preservada e viva.
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Antônio Neto
“É uma casa viva. Existe uma pessoa que mora aqui, que é a Olga Bilenk, que mora aqui desde os anos 1970, e é uma grande amiga da Hilda. Então a casa é viva, e é um espaço que funciona de uma forma meio híbrida. Isso é complexo, mas é muito singular. Então a casa, ao mesmo tempo que ela é casa, ela é um espaço de preservação”, explica.
Com a reinauguração, a Casa do Sol passa a abrigar eventos culturais na cidade — além das Hilstianas, que deve ser promovida com recorrência pelo Instituto. O espaço também guarda o acervo pessoal da autora, com uma série de objetos, livros e até roupas da Hilda.
A Casa do Sol
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A Hilda Hilst participou da concepção do local, que serviu como lar, mas também como ferramenta para facilitar o exercício criativo: a Casa do Sol. A residência de 10 mil metros quadrados foi construída dentro da propriedade da mãe da Hilda, em 1965.
A Casa do Sol apresenta uma concepção inspirada em conventos, e foi construída para ser um local isolado para a escritora se dedicar inteiramente a criação artística. O espaço foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) em 2012.
“A casa é muito grande, são 10 mil metros [quadrados] e tem um jardim lindo. Mas, era uma casa velha, uma casa que esse anos está completando 60 anos, e que nunca tinha passado por um restauro. E dessa vez a gente começou. Foi um longo assunto, que começou em 2012, com o tombamento”, explica Daniel.
🏗️ O restauro da residência durou 18 meses. Entretanto, o trabalho e estudos para a obra começou muito antes de fevereiro de 2024. A equipe realizou estudos técnicos e planejou cada mudança por cerca de dois anos. Entenda o que foi mudado:
O sistema elétrico da casa foi refeito. Segundo Daniel, a fiação estava velha e colocava a casa em risco de incêndio.
O telhado e o forro foram substituídos por novos. As madeiras do forro estavam com cupins, e as telhas tinham um problema estrutural. O presidente reiterou que a estética do telhado segue idêntica ao antigo.
O sistema hidráulico também foi reestruturado. Daniel relembra que, antes da reforma, não havia um mapeamento de onde estão os canos.
A edícula da casa estava destelhada. O espaço foi reestruturado e passa a ser parte da rotina de eventos artísticos na casa.
O canil, que antes abrigava 40 cães, foi diminuído e reformado. O espaço onde moram três cachorros está enfeitado com murais de arte, e passou a integrar como infraestrutura para a realização dos eventos.
O piso, as paredes e o jardim também passaram por uma restauração.
A obra custou R$ 2,5 milhões, e foi financiada por leis de incentivo à cultura e pelo programa de Transferência de Potencial Construtivo da Prefeitura de Campinas.
Preservação da memória imaterial
Funk, latinidade e literatura trans: após 5 anos fechada, casa da Hilda Hilst reabre com festival
Reprodução EPTV
As restaurações e reformas não mudaram as características essenciais da casa. A arquitetura do telhado permanece a mesa, assim como as paredes e jardim. Entretanto, a residência não está idêntica a como Hilda a deixou, em 2004.
A casa vive entre o passado e o presente: ao mesmo tempo que guarda a memória física de quem a construiu, preserva e propaga a herança imaterial da artista — muitas vezes, com mudanças na casa que não afetam a preservação como patrimônio tombado.
O quarto da Hilda, por exemplo, foi reformulado para se tornar o coração da residência. Nesse espaço, o Instituto abriga o todo o acervo da artista, com uma série de documentos oficiais, registros, fotos, roupas, além da biblioteca pessoal da escritora.
“A gente nunca escolheu ser esse tipo de museu. Ao mesmo tempo que a gente tem espaços que tem uma musealização num grau maior [preservação do espaço original], a gente tem mesas de altar aqui na sala que precisaram ser desmontadas”, exemplifica Daniel.
Funk, latinidade e literatura trans: após 5 anos fechada, casa da Hilda Hilst reabre com festival
Reprodução/EPTV
Programação
📆 Sábado, 23 de agosto
9h às 13h – Debate “FeMinas – Encuentro Latinoamericano de Gestoras Culturales”
15h às 16h30 – Mesa de conversa “Segredos do Restauro da Casa do Sol”
20h – Festa dançante de funk “No Baile, com Grupo Diladim”
📆 Domingo, 24 de agosto
9h às 13h – Debate “FeMinas – Encuentro Latinoamericano de Gestoras Culturales”
14h – Lançamento da exposição “Borde como quem Luta II”
15h às 16h30 – Aula aberta “Leituras Transviadas do Caderno Rosa”, com Amara Moira
17h – Intervenção artística teatral “Um Café, uma História, com Joaquina Carlos”
18h – Show “Nací Cantando – Encontro de Naná Lewi” com Bruno Cabral
📍Todas as atividades acontecem dentro da Casa no Sol, no endereço Rua João Caetano Monteiro, número 359, no Parque Xangrilá.
Quem foi Hilda Hilst?
Escritora polêmica, Hilda Hilst trata em suas obras de temas existenciais e complexos, mas a vasta produção só foi descoberta pelo grande público nos últimos anos de vida — boa parte deles em Campinas (SP), onde viveu por 35 anos e construiu um retiro artístico, batizado de Casa do Sol.
Autora de poesia, prosa, teatro e crônica, Hilda era também considerada uma figura fascinante – em certa fase da vida, por exemplo, deixava gravadores ligados pela casa porque queria captar vozes de espíritos.
Nascida em Jaú (SP) em 1930, tinha cinco anos quando viu o pai, que era esquizofrênico, ser internado em um sanatório. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e, após uma temporada na Europa, passou a se dedicar à literatura.
Com publicações inicialmente restritas a pequenas editoras, Hilda Hilst demorou a conquistar reconhecimento com obras existencialistas e de experimentalismos linguísticos.
Quando tinha 35, em 1966, passou a morar em Campinas. Morou na casa até o fim da vida, cercada de cachorros. Hilda morreu aos 73 anos, em fevereiro de 2004.
📚 Principais obras da autora:
O Verdugo (1969)
Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão (1974)
A Obscena Senhora D (1982)
De amor tenho vivido – 50 poemas (1950 – 1995)
Pornô Chic – quatro livros obscenos da poeta (1990 – 2002)
Funk, latinidade e literatura trans: após 5 anos fechada, casa da Hilda Hilst reabre com festival
Reprodução/EPTV
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*Estagiária sob supervisão de Arthur Menicucci
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