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Na tarde de 09 de abril de 2025, os agentes da Unidade de Ligação Internacional (UEI, na sigla em espanhol) realizavam uma operação, como tantas outras, na cidade mexicana de Tijuana, que faz fronteira com os Estados Unidos.
À frente do grupo estava Abigail Esparza Reyes, uma experiente agente da UEI — corporação responsável pelas operações de monitoramento e captura de criminosos foragidos — principalmente americanos — que fogem para o México para se esconder.
O alvo da operação era César Hernández, 35 anos, um homem condenado na Califórnia por assassinato, mas que conseguiu fugir durante uma transferência prisional em dezembro de 2024. Ele foi para Tijuana, onde tentou recomeçar a vida.
A UEI, que atua em estreita colaboração com agências federais dos EUA, tinha localizado Hernández. E, por volta das 14h, foi realizada uma operação para prendê-lo.
“Ele estava em um condomínio particular. Tinha a entrada e saída controlada”, explica Eduardo Villa Lugo, jornalista especializado em segurança.
Mas algo deu errado durante a operação.
“Quando os agentes estavam entrando, coordenados por Abigail, começaram a atirar contra eles. Eles revidaram, mas o sujeito conseguiu escapar pelos fundos da casa”, conta o jornalista.
Um dos tiros, disparado do segundo andar da casa, atingiu Abigail. O socorro médico não pôde evitar sua morte, confirmada minutos depois dela dar entrada no hospital.
Hernández fugiu nu, passando pelos telhados de outras casas do condomínio até alcançar uma rua, onde encontrou roupas em um carro estacionado, se vestiu e saiu caminhando calmamente.
“Parecia cena de filme”, conta Villa Lugo.
Abigail Esparza Reyes tinha 33 anos e coordenava a operação quando foi baleada
SSC via BBC
Alguns dias depois, Hernández foi preso em outra área de Tijuana.
Mas o estrago já estava feito: a morte da agente Abigail Esparza foi o golpe mais duro que a UEI sofreu em mais de 20 anos de operações bem-sucedidas.
A corporação já conseguiu prender mais de 1.500 foragidos — quase todos americanos — que tentavam se esconder na área de fronteira do estado da Baixa Califórnia.
Sua eficiência, baseada em análises de inteligência e planos cuidadosamente elaborados e executados, lhe rendeu reconhecimento tanto das autoridades do México quanto dos Estados Unidos.
O trabalho da UEI também chamou atenção da imprensa.
Em 2022, o jornal americano The Washington Post publicou uma reportagem sobre os agentes, a quem chamou de gringo hunters ou “caçadores de gringos”, em português. O apelido foi usado por outros veículos e até mesmo pela Netflix, que lançou uma série de ficção baseada nas atividades de UEI.
Agências dos EUA, como o FBI, a DEA, e os U.S. Marshals mantiveram, ao longo dos anos, uma estreita colaboração com a UEI, algo que não aconteceu com outras corporações de segurança mexicanas, nas quais os americanos não costumam confiar.
“A comandante Abigail Esparza Reyes foi um pilar de caráter excepcional e dedicação ao serviço de sua comunidade. Será lembrada por sua valentia, seu serviço e seu sacrifício supremo”, declarou o escritório do xerife do condado de San Diego, do outro lado da fronteira.
A morte da agente levou a UEI a se afastar da exposição pública.
A BBC Mundo — serviço em espanhol da BBC — solicitou uma entrevista com a unidade, que foi negada.
Autoridades americanas costumam desconfiar das forças policiais mexicanas, o que dificulta cooperação entre elas
Getty Images via BBC
Villa Lugo também conta que, depois do falecimento da agente, os U.S. Marshals organizaram um evento e uma corrida beneficente em apoio à família dela.
No México, houve uma homenagem oficial com a participação de autoridades dos EUA.
“Existe uma irmandade entre a Unidade de Ligação e as corporações americanas.”
O analista de segurança Víctor Sánchez destaca que “o grande mérito da Unidade de Ligação Internacional é que lhe encarregaram missões, conduzidas com sucesso e, com isso, se construiu uma relação de confiança” com as autoridades americanas.
“Normalmente, há certa desconfiança das autoridades dos EUA em relação às mexicanas para compartilhar informações, devido aos níveis de corrupção e às fragilidades institucionais”, explica.
Prisão e entrega rápida
Em nível federal, não existem outras agências ou unidades locais no México que realizam trabalhos de monitoramento e prisão de forma equivalente à UEI da Baixa Califórnia.
O porta-voz da Secretaria de Segurança e Proteção Cidadã (SSPC) federal explicou à BBC Mundo que, embora haja colaboração com os EUA em pedidos de prisão, e que já tenham sido efetuadas dezenas de capturas de foragidos — incluindo um que estava na lista dos 10 mais procurados pelo FBI em março — não existe uma unidade especializada em estrangeiros.
Na Baixa Califórnia, por outro lado, muitos agentes e líderes de equipe recebem treinamento nos EUA em trabalhos de inteligência e táticas.
“Alguns coordenadores têm capacitações até mesmo de caráter militar ou semimilitar em operações e elaboração de estratégias”, destaca Villa Lugo.
Quando as autoridades americanas identificam que um foragido da Justiça cruzou a fronteira para o México, elas podem solicitar a colaboração de equipes como a da UEI para realizar o monitoramento e prisão. É nesse momento que acontece a troca de informações.
“Parte do processo de investigação acontece em instâncias americanas. Eles dizem: ‘localizamos uma conta bancária, ou um sinal de celular, ou um e-mail de determinado IP com tal localização’. E como não tem autoridade no México, pedem apoio”, explica Sánchez.
Os agentes especializados da UEI preparam um plano de monitoramento e, quando o alvo é localizado, elaboram e executam uma operação para prisão.
Como os alvos são pessoas individuais, isso implica o uso de um número menor de agentes, diferente das grandes operações contra o narcotráfico realizadas pelas autoridades estaduais e nacionais.
O monitoramento de alvos, sem levantar suspeitas, é fundamental para o trabalho da UEI
Getty Images via BBC
Isso também lhes permite agir com mais discrição.
Os agentes podem usar veículos e roupas sem as iniciais das corporações de segurança, ou algo que os identifique, durante as tarefas de monitoramento. Assim, não levantam suspeitas.
Mas, quando deflagram uma operação, agem rapidamente: cercam o alvo e o prendem, identificando-se como agentes de segurança.
E, da mesma forma que a prisão é rápida, a entrega às autoridades americanas também é.
“O alvo não é preso para ser processado pela Justiça mexicana e depois ser deportado. O que acontece é uma deportação direta: parte-se do princípio que a pessoa entrou como turista, ultrapassou o tempo permitido (3 meses) e, por isso, é enviada de volta ao seu país”, explica Sánchez.
Os presos são levados até os postos de fronteira com os EUA e entregues para os agentes norte-americanos, que imediatamente assumem a custódia. Essa dinâmica acontece principalmente nos Estados fronteiriços.
Mais ao leste, no Estado mexicano de Chihuahua, existe outra unidade especializada na busca e captura de americanos foragidos, que são devolvidos via o Estado do Texas.
No entanto, eles registram poucos casos de prisão em comparação com a UEI, segundo Sánchez.
“Tijuana (Baixa Califórnia) é, junto com a Ciudad Juaréz (Chihuahua), a fronteira com maior interação com os EUA, com muitos mexicanos e americanos atravessando de um lado para outro, famílias com integrantes nos dois lados. E o poder de captura envolve a entrega rápida dos detidos”, explica o especialista.
Um espaço seguro para ‘gringos’?
Nos últimos anos, o número de estrangeiros no México se diversificou, mas os de nacionalidade norte-americana têm, historicamente, predominado. Atualmente, eles somam quase 2 milhões de pessoas.
Muitos mexicanos tendem a ser receptivos com os estrangeiros, o que faz do país um local relativamente tranquilo para aqueles que fogem da Justiça dos Estados Unidos ou de outro país.
“É muito comum que eles fujam para o México por três motivos: primeiro, pela grande fragilidade institucional, com menos mecanismos para investigar; segundo, por questões culturais — é um país turístico que recebe bem o estrangeiro e não questiona se ele cometeu crimes, então, eles se sentem à vontade; e terceiro, pelo nível de renda. É possível ter uma vida aceitável sem muito dinheiro”, explica Sánchez.
Quase 100.000 pessoas e veículos passam diariamente por Tijuana e San Diego
Getty Images via BBC
Mas a dinâmica social da fronteira é diferente do resto do México ou dos Estados Unidos. A fronteira do noroeste, em especial, é uma das mais movimentadas do mundo.
“Há um modo de vida muito homogêneo. Tijuana tem uma grande dinâmica de trabalho, de economia, de tudo, com San Diego. E muitas pessoas que vivem em San Diego têm familiares em Tijuana. Se alguém comete um crime ali [Califórnia], atravessa a fronteira e se esconde em Tijuana, que é uma cidade muito grande”, explica Villa Lugo.
“É muito fácil se estabelecer dessa forma e também porque há muitas pessoas com dupla nacionalidade”, acrescenta.
O México tem sido considerado um espaço seguro para os americanos não apenas por motivos criminais.
Historicamente, houve outros tipos de migrações, por exemplo, por perseguições religiosas, como os milhares de norte-americanos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias que atravessaram a fronteira no final do século 19.
Um modelo, mas apenas para algumas áreas
Embora existam outros lugares no México com um grande número de americanos, como em San Miguel de Allende (Guanajuato), a região à beira do lago Chapala (Jalisco) ou a Cidade do México, nessas áreas não existem unidades especializadas no monitoramento e captura de foragidos dos EUA.
Segundo Sánchez, isso se dá porque a dinâmica social da fronteira não é igual a de outras partes do país, vistas como destinos mais turísticos ou para aposentadoria.
Os foragidos americanos tendem a permanecer em áreas que consideram “conhecidas”, como as regiões fronteiriças.
Mas a grande capacidade da UEI, baseada em planejamento, inteligência e uma cooperação especial com as agências americanas, poderia servir de modelo em locais com alta presença de americanos.
“Tem muito a ver com a incidência de crimes. Se há algum Estado com um grande número de cidadãos americanos que cometeram crimes, e usam essa região para se esconder, faria sentido ter unidades assim”, considera Sánchez.
Já em outras partes do país, não.
A série da Netflix é uma ficção baseada nos tipos de operações executadas pela UEI
Netflix via BBC
Outro fator que deve ser levado em conta é o tipo de crimes que se vê nos casos acompanhados pela UEI.
A maioria é grave: assassinatos, estupros, violência ou fuga da prisão, mas, no geral, são crimes cometidos por indivíduos que não fazem parte de uma grande organização criminosa ou do narcotráfico.
Os americanos que se envolvem com cartéis de drogas ou outros grupos podem fugir para o México e se beneficiar da “rede de proteção” bem estabelecida que essas organizações oferecem, algumas, inclusive, com ajuda de autoridades corrompidas.
“Se estiver envolvida uma quadrilha de tráfico de drogas, é muito possível que essa quadrilha tenha pessoas infiltradas na polícia e não haja cooperação nos EUA”, destaca.
“Mas quando se trata de um estuprador, que morava no Kansas e que hoje vive na Cidade do México, é pouco provável que a polícia seja corrompida.”
E como os crimes de narcotráfico no México são investigados exclusivamente por autoridades federais, as corporações locais ficam limitadas a atuar, mesmo diante de suspeitos conhecidos por essas atividades.
“Muitos alvos prioritários por narcotráfico não têm nem sequer uma ordem de prisão local. Brincamos que, se quisessem, essas pessoas poderiam tirar uma carteira de motorista sem problemas, porque na Baixa Califórnia não são perseguidas”, diz Villa.
A Netflix lançou em julho a série Caçadores de Gringos, baseada nas operações da Unidade de Ligação Internacional
Netflix via BBC