Lei de Drogas faz 19 anos com encarceramento em massa e viés punitivo em xeque

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*Artigo escrito por Rivelino Amaral, professor de Processo Penal, advogado criminalista desde 1999 e diretor de prerrogativas da OAB-ES

A Lei de Drogas no Brasil aborda a questão do uso e tráfico de drogas, com foco na prevenção, atenção e reinserção social de usuários, além de reprimir a produção e o tráfico ilícito.

O texto legal define drogas, estabelece medidas para combater o uso indevido e especifica crimes relacionados ao tráfico, com penas que variam de acordo com a gravidade da conduta.

Em quase duas décadas desde sua promulgação, no entanto, há poucos motivos para comemorar a existência da atual legislação brasileira antidrogas, com problemas que vão desde a superlotação de presídios até a ineficiência em punir, previnir e ressocializar.

Não se assustem, mas o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Essa população não é multicultural e tem, sistematicamente, seus direitos violados. Em outras palavras, dois em cada três presos neste país são negros.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o tráfico de drogas é o crime com maior número de registros no sistema prisional brasileiro.

No segundo semestre de 2022, das 734 mil ocorrências de crimes registrados, 169 mil eram tráfico de drogas – uma fatia de 23%.

Entre os registros de tráfico, os homens representaram 92% dos casos (156 mil), enquanto as mulheres corresponderam a 8% – em torno de 13 mil registros.

É um tema complexo e controverso, que envolve questões sociais, de saúde pública e de segurança. Mas há caminhos a seguir para minimizar o efeito deletério do fracasso institucional na chamada “guerra às drogas”.

Cito como exemplos analisar o papel do Estado na prevenção e tratamento do uso de drogas, e na repressão ao tráfico, com foco na importância de políticas públicas eficazes e baseadas em evidências; discutir a relação entre o tráfico de drogas e a violência, e propor estratégias para combater o crime organizado; refletir sobre políticas de prevenção eficazes, que vão além do aspecto criminal e abordem as causas do uso de drogas.

Sei que muitos colegas operadores do Direito encararam positivamente a decisão do STF, ainda em 2024, de estabelecer uma quantidade mínima de 40 gramas de maconha para distinguir usuário de traficante, mas lamento informar: sem olhar para os dependentes e adotar políticas de prevenção e tratamento, é precoce flexibilizar as leis atuais de drogas no Brasil.

A descriminalização das drogas pode gerar aumento no consumo que, por sua vez, financia a expansão do tráfico, além de atingir direta ou indiretamente a saúde pública. Logo, não há como ter certeza do sucesso de qualquer nova medida, por isso considero o diálogo como ponto de partida.

A palavra “diálogo” tem origem no grego antigo. Ela deriva da palavra “dialogos” (διάλογος), que é composta por “dia” (através de, por meio de) e “logos” (palavra, discurso, razão). Ou seja, “por meio da palavra”, designando “conversa” ou “conversação”.

Em tempos de muita polarização, onde há mais interessados em falar do que ouvir, é fundamental que consigamos sentar-nos à mesa, propor soluções baseadas em evidências científicas e exemplos internacionais de sucesso, para travar um debate sério sobre o futuro da legislação de drogas no Brasil.

Esqueçam esse papo de esquerda ou direita, devemos direcionar o foco ao que realmente importa: cumprir a lei e salvar pessoas.

A guerra às drogas, como sistema falido de repressão, é ainda por cima bastante caro. Em 2023, o Brasil gastou R$ 7,7 bilhões em apenas seis estados com custos operacionais e institucionais para o controle de movimentações ilícitas de entorpecentes, aponta o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).

Para além do viés excessivamente punitivista, a atual Lei de Drogas também é economicamente inviável.

A sociedade civil virou refém da violência urbana, muitas vezes associada ao tráfico de drogas, através de disputas por território e cobranças oriundas do comércio irregular. Ainda é possível reverter essa triste realidade, mas precisamos nos unir.

Rivelino Amaral é advogado criminalista e professor de Processo Penal. Foto: Arquivo pessoal
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