Liderado pela Ufrgs, projeto oceânico pretende prever calamidades 

No livro Ideias para adiar o fim do mundo, o escritor e acadêmico imortal Ailton Krenak lista uma série de providências que devem ser adotadas para evitar o colapso do planeta Terra. O projeto ProCostaRS poderia fazer parte do catálogo de ações.

Coordenado pela doutora em geologia Maria Luiza Rosa, o Serviço de Monitoramento Costeiro do Rio Grande do Sul (ProCostaRS) é um sistema integrado de observação, modelagem e previsão para enfrentar os desafios da emergência climática na região costeira do estado do Rio Grande do Sul.

O Serviço de Monitoramento Costeiro do Rio Grande do Sul é coordenado pela doutora em geologia Maria Luiza Rosa – Foto: ProCosta RS

Além da liderança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o ProCostaRS conta com a participação de 10 instituições e cerca de 40 profissionais de várias áreas do conhecimento. Com financiamento de R$ 1,5 milhão bancados pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapergs), o projeto iniciou no mês de janeiro de 2025 e deve ser concluído em dezembro de 2026.

O ProCostaRS vai criar um sistema contínuo de monitoramento e alerta de eventos oceanográficos e meteorológicos graças a instalação de equipamentos para a coleta de dados meteorológicos, oceanográficos e fluviais e da ampliação da rede de sensores ambientais. As instituições envolvidas no trabalho pioneiro são do Rio Grande do Sul, da Bahia, de Santa Catarina e da Alemanha, além do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com sede em São Paulo. 

“Os sensores fornecerão informações importantes para alimentar modelos numéricos acoplados e que irão simular a interação entre o oceano, a atmosfera e os rios. A rede poderá ser conectada a outras, globais, integrando uma grande estratégia de monitoramento de todo o planeta”, explica a coordenadora do ProCostaRS. Os modelos meteorológicos também permitirão prever eventos extremos com maior precisão, fornecendo subsídios para ações preventivas e respostas rápidas por parte dos gestores públicos.

Um sistema desse porte é fundamental frente ao cenário de variação climática extrema experimentado pelo Rio Grande do Sul nos últimos anos. Além disso, “o projeto é muito oportuno porque estamos vivendo a Década dos Oceanos, que se estende de 2021 a 2030, estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de recuperar a saúde dos oceanos e promover o uso sustentável dos recursos marinhos”, salienta a geóloga Maria Luiza Rosa.

Eixos de trabalho

O projeto irá monitorar micro contaminantes ambientais, como metais pesados, agroquímicos e fármacos – Foto: ProCosta RS

A ação está organizada em cinco eixos. O primeiro prevê a instalação de um sistema contínuo de monitoramento de eventos meteorológicos e oceanográficos, considerando a interação atmosférica, inédito na costa gaúcha. A geóloga ressalta que essa rede terá uma interface para usuários externos, permitindo o alerta e o planejamento de ações frente a eventos climáticos. O segundo eixo leva em conta a vulnerabilidade costeira à erosão e a inundações, permitindo a geração de mapas de risco e cenários de tendências.

Esse eixo, o segundo, é muito relevante diante da possibilidade de ser construído um porto no Litoral Norte gaúcho, o Meridional, como desejam alguns empresários, mesmo diante dos riscos já alertados por especialistas, como o glaciólogo gaúcho Jefferson Cardia Simões e a bióloga Nance Nardi. Os pesquisadores alertam sobre a erosão da costa, o acúmulo de sedimentos e a interferência no estilo de vida das comunidades tradicionais, entre outros fatores.

Já o terceiro eixo estabelece a avaliação dos impactos climáticos e da tropicalização sobre os recursos marinhos vivos, com a coleta de bioindicadores, como o plâncton e o bento, que são organismos que flutuam na água e organismos que ficam no fundo dos recursos hídricos, respectivamente. 

O quarto eixo monitora micro contaminantes ambientais, como metais pesados, agroquímicos e fármacos por meio da coleta de amostras da água, pescados e aves. Essa é uma ação fundamental. “Imagine a quantidade de contaminantes que foram carreados para dentro dos recursos hídricos, como as lagoas costeiras e o rio Tramandaí, por exemplo, com a enchente de 2024 em todo o estado”, alerta a pesquisadora.

Centenas de indústrias, fábricas, laboratórios e criadouros de animais foram inundados na enchente. Todos utilizam materiais químicos e biológicos, como tintas, medicamentos e metais. “Tudo foi levado pelas águas, há um risco real aqui”, alerta a coordenadora do ProCostaRS.

Por ser uma área com maior densidade populacional e ser mais sensível à erosão, o alvo inicial do ProCostaRS será o município de Tramandaí, que terá um projeto piloto. A existência de uma unidade da Ufrgs na cidade, o Centro de Estudos Costeiros Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), também colabora para isso. E o quinto e último eixo prevê ações de educação ambiental e de comunicação junto às comunidades locais e também a divulgação do trabalho para o público externo.

A geóloga Maria Luiza Rosa explica que a intenção com o ProCostaRS é a de gerar produtos que sejam estratégicos para a Defesa Civil e todos os níveis de gestão. “A partir dos modelos numéricos e dos dados coletados, serão gerados cenários simulando possíveis impactos de desastres na costa gaúcha.” Os cenários levam em conta projeções sobre o nível do mar, inundações costeiras, marés de tempestade e erosão em áreas vulneráveis. A combinação de monitoramento em tempo real e de modelagem numérica permitirá a criação de alertas precoces para as autoridades e a população.

O ProCostaRS também permitirá a criação de uma base de dados contínua e de qualidade formada por inúmeras variáveis. No conjunto, os resultados deverão fortalecer a cultura oceânica nas comunidades costeiras gaúchas e ampliar o nível de resiliência do estado, colaborando para adiar o fim do mundo, como propõe Ailton Krenak.

Década dos oceanos

O oceano está ameaçado pelo aquecimento global, pela acidificação e pela poluição – Foto: ProCosta RS

A Década das Nações Unidas de Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, também chamada de Década do Oceano, foi declarada pelas Nações Unidas (ONU) em 2017 e contempla o período de 2021 a 2030. Nesse tempo deve ser construída uma estrutura global para garantir que a ciência oceânica possa apoiar os países na implementação da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e proporcionar uma interface entre ciência e políticas públicas para fortalecer a gestão dos oceanos e as zonas costeiras em benefício da humanidade.

O Relatório Mundial sobre a Ciência Oceânica identificou que menos de 4% dos gastos mundiais em pesquisa são aplicadas nessa área, apesar do oceano gerar bem-estar para a humanidade armazenando carbono, produzindo oxigênio, estabilizando o clima e fornecendo recursos alimentares, minerais, energéticos, recreativos e culturais. A Década do Oceano foi idealizada para que a humanidade possa continuar usufruindo desses serviços, ao mesmo tempo em que alerta as autoridades globais para que adotem ações de proteção e conservação das riquezas oceânicas.

O oceano está ameaçado pelo aquecimento global, pela acidificação e pela poluição. O branqueamento de corais é um pequeno indício do declínio dos ecossistemas marinhos. As consequências não são apenas ambientais. Cerca de 3 bilhões de pessoas dependem diretamente da biodiversidade marinha e costeira para sua sobrevivência. Até 2050, áreas costeiras que abrigam 300 milhões de pessoas podem ser ameaçadas pela elevação do nível do mar devido à mudança climática.

No Brasil, a Década do Oceano tem o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) como representante científico na Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da ONU/Unesco. Desde 2019, essa instituição promove uma série de atividades para o alcance dos resultados estabelecidos na ação, apoiando um maior engajamento e parcerias entre cientistas, terceiro setor e sociedade civil. 

Mais informações:

Instagram: @procostars

Relatório Mundial sobre a Ciência Oceânica

Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável

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