A Justiça Federal concedeu liminar suspendendo o edital de Parceria Público-Privada (PPP) lançado pela Prefeitura de Porto Alegre para a concessão administrativa da Usina do Gasômetro. A decisão, assinada na quarta-feira (27) pelo juiz federal substituto Bruno Risch Fagundes de Oliveira, atende a pedido da União, representada pela Advocacia-Geral da União (AGU).
A União alegou que o imóvel pertence ao seu patrimônio, conforme matrícula no 5º Registro de Imóveis da Capital. Em 1982, o bem foi cedido ao município a título gratuito e por prazo indeterminado, com a condição expressa de que fosse utilizado “somente como logradouro público”. Segundo a AGU, ao abrir licitação para exploração econômica do espaço por meio de PPP, a prefeitura extrapolou os limites da cessão e violou a Lei nº 9.636/98, que veda a conversão de cessões gratuitas em instrumentos de exploração onerosa.

O juiz destacou que a minuta contratual do edital previa exploração comercial pela concessionária, como publicidade, patrocínios e parcerias exclusivas, o que caracteriza desvio de finalidade. “Tratando-se de bem da União cedido ao Município gratuitamente e para a finalidade específica de ‘utilização somente como logradouro público’, parece-me que a pretendida exploração econômica por terceiro, ainda que eventualmente se mostre como alternativa vantajosa para o município em termos econômicos e possa qualificar a gestão do espaço, exige anuência prévia da Superintendência do Patrimônio da União no Rio Grande do Sul (SPU), ente competente, sob pena de nulidade por uso diverso daquele estabelecido no termo de cessão de uso a título gratuito”, destaca a decisão.
O documento ressalta que, mesmo que a medida liminar eventualmente não seja concedida — hipótese considerada apenas para debate —, a empresa privada vencedora da licitação ficaria em situação extremamente precária. Isso porque, por se tratar de um ato discricionário, a União poderia revogar a cessão gratuita a qualquer momento. Segundo o texto, essa possibilidade representaria um problema maior do que o atual, já que o contrato de PPP tem duração de 20 anos e exige investimentos significativos da contratada.
A liminar suspende imediatamente o Edital de Concorrência Eletrônica nº 20/2025 e todo o processo licitatório, inclusive a abertura das propostas que estava marcada para 28 de agosto. O município também está impedido de realizar qualquer ato de destinação do imóvel até nova decisão judicial.
O edital lançado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre em 23 de julho estabelece uma PPP com repasses que podem chegar a R$ 95 milhões ao longo do contrato, por um período de 20 anos. Está previsto um aporte inicial de R$ 7,5 milhões e valores anuais de até R$ 4,5 milhões a partir do terceiro ano. O encerramento do certame está marcado para 28 de agosto.
Recomendação do MPF e diálogo federativo
O despacho cita ainda a Recomendação nº 129/2025 do Ministério Público Federal (MPF), expedida no mesmo dia, que já havia solicitado a suspensão do edital por considerar que a prefeitura “extravasa seu direito de uso sobre a Usina”. Além disso, o Ministério da Gestão e da Inovação e a Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), atual administradora do imóvel após a privatização da Eletrobrás, havia convidado o prefeito para compor uma mesa de diálogo interfederativo sobre a destinação definitiva do Gasômetro, no âmbito do programa federal Imóvel da Gente.
O juiz ressaltou que, embora o imóvel seja da União, a Usina do Gasômetro é um patrimônio histórico tombado pelo município (1982) e pelo estado (1983), além de ser um símbolo cultural de Porto Alegre. Recentemente, o espaço passou por uma revitalização com investimento de R$ 25,9 milhões.

Diante desse contexto, a decisão encaminha o caso ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos (Cejuscon) para tentativa de conciliação entre União e município. “É razoável a busca por uma solução consensual entre os entes públicos, sob pena de subutilização de um local emblemático na cidade”, apontou o magistrado.
Recomendação do MPF
O Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul (MPF/RS) recomendou que a Prefeitura de Porto Alegre suspenda imediatamente o edital que prevê a concessão da Usina do Gasômetro à iniciativa privada. A medida foi formalizada na Recomendação nº 129/2025. O órgão concluiu que a prefeitura “extravasa seu direito de uso sobre a Usina”, já que a cessão original de 1982 não autoriza exploração privada nem cobrança de ingresso, hipótese prevista no contrato da PPP.
O documento estabelece prazo de 24 horas para que o prefeito Sebastião Melo (MDB) informe se acatará a medida e quais providências adotará. Em caso de descumprimento, o MPF alerta que pode haver responsabilização civil, administrativa e criminal dos gestores municipais.
Os procuradores da República Enrico Rodrigues de Freitas e Flávia Rigo Nobrega ressaltam ainda que a Usina é bem da União, tombado pelo estado e de gestão atual da ENBPar, que sucedeu a Eletrobrás após a privatização. Para eles, a PPP “contraria frontalmente” os termos do convênio que rege a cessão e ameaça a destinação cultural e pública do espaço.
Investigação e mobilização social
A recomendação é parte do procedimento investigatório aberto pelo MPF em 14 de agosto, após representação do movimento Gasômetro do Povo, formado por parlamentares, entidades culturais, sindicatos e apoiado por quatro ex-prefeitos da Capital.
Na manifestação ao MPF, o advogado Gustavo Bernardes, integrante do movimento, disse que a prefeitura ignorou tentativas de diálogo institucional. “Tentamos interlocução pelo Conselho Municipal de Cultura, que rejeitou o edital apresentado pela prefeitura. Mesmo assim, o município insiste em levar adiante essa cessão, que vai tornar o espaço inviável para os grupos culturais da cidade”, afirmou.
O MPF também anexou ao processo manifestações da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e da ENBPar, que pediram a suspensão da licitação e propuseram a criação de uma mesa de diálogo interfederativo no âmbito do programa federal Imóvel da Gente, instituído em 2024. A política busca destinar imóveis públicos considerados “inservíveis” ao setor de origem para projetos de relevância social, cultural, educacional e urbana.
O vereador Aldacir Oliboni (PT), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Cultura em Porto Alegre, disse que recebe “com satisfação a decisão do Ministério Público Federal” de acolher a denúncia e recomendar a suspensão da concessão. “Para mim, fica claro que a Prefeitura de Porto Alegre tentou avançar em um processo irregular, sem a autorização necessária da União, e isso não podemos aceitar”, afirmou ao Brasil de Fato RS.
Conforme o vereador, a Usina do Gasômetro é um patrimônio histórico de Porto Alegre e, como tal, pertence ao povo. “Entregá-la à iniciativa privada seria um erro grave, que coloca em risco a memória e a gestão pública desse espaço tão simbólico para nossa cidade. A recomendação do MPF reforça o que sempre dissemos.”
Patrimônio histórico e símbolo cultural
Inaugurada em 1928 como usina termelétrica, a Usina do Gasômetro foi desativada na década de 1970 e convertida em espaço cultural nos anos 1980. Tombada pelo município (1982) e pelo estado (1983), tornou-se um dos principais cartões-postais de Porto Alegre, marcada pela chaminé de 117 metros e pelo pôr do sol às margens do Guaíba.
Na terça-feira (26), durante a reabertura do espaço à comunidade, o prefeito Sebastião Melo destacou a importância da Usina. “Depois de tantos anos fechada, volta revitalizada à população. Foram investimentos importantes para recuperar esse patrimônio histórico e cultural, que seguirá público e democrático”, afirmou.
Parlamentares e representantes da comunidade cultural de Porto Alegre se reuniram em audiência pública na noite desta segunda-feira (25) para debater a concessão da Usina do Gasômetro à iniciativa privada. Durante o encontro, participantes qualificaram a PPP prevista para o espaço como um “contrato nefasto” para os interesses da sociedade e do setor cultural da cidade. A audiência, realizada pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, foi proposta pela deputada Sofia Cavedon (PT), atualmente em licença médica, e conduzida pelo deputado Leonel Radde (PT).
Em nota a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral do Município (PGM) afirmou que “no momento, o documento com a recomendação do MPF está sendo analisado pelo Município”. A reportagem entrou em contato solicitando o posicionamento do executivo municipal sobre a decisão da Justiça Federal. O espaço segue aberto.
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