No Sertão pernambucano, quadrilha junina adota tema da luta por reforma agrária, homenageando Margarida Alves e o MST

Dança sincronizada, forró acelerado, casamento coreografado e bandeiras do Movimento Sem Terra (MST). O espetáculo que será apresentado em diversos municípios pernambucanos não nasceu num assentamento do movimento social de luta por reforma agrária, mas na zona urbana de Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú, onde ensaia a Quadrilha Junina Andarilhos, fundada em 2018. A escolha do tema para a coreografia de 2025 surgiu enquanto um dos membros assistia a uma novela.

A semente foi plantada pelo personagem Tião Galinha, interpretado pelo ator pernambucano Irandhir Santos na novela Renascer, que foi ao ar na TV Globo em 2024. A cena em que o humilde Tião cita Dom Pedro Casaldáliga – “Malditas sejam todas as cercas! Malditas sejam todas as propriedades privadas que nos privam de viver e amar! Malditas sejam todas as leis amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois, fazerem a terra escrava e escravos os humanos” – mexeu com o jovem Mateus Lopes, em Tabira, município vizinho de Afogados.

O jovem leu e releu aquelas palavras, mergulhou na história de Casaldáliga, sua relação com os movimentos populares, as reivindicações por justiça na zona rural e pelo direito a uma vida digna para os despossuídos da terra. Foram meses de pesquisa sobre a luta por reforma agrária no Brasil, passando por Ligas Camponesas, sindicatos rurais e, claro, o MST. “Fiquei apaixonado e decidi apresentar essa proposta de tema, mas tive medo, porque é político e polêmico, já que há muita desinformação sobre esse assunto”, conta Mateus Lopes em conversa com o Brasil de Fato. “Mas graças a Deus eles adoraram”, comemora.

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Definido o tema na coordenação do grupo cultural, era a vez de apresentar o tema para os demais 40 dançarinos que deram alma à apresentação. A Junina Andarilhos é formada majoritariamente por jovens, com idades entre 15 e 30 anos, quase totalmente das áreas urbanas dos municípios de Afogados da Ingazeira e Tabira. “Alguns não sabiam ou não entendiam, mas outros já haviam estudado reforma agrária na escola. Mas fizemos um vídeo bem bonito e o tema foi bem recebido. E sempre estimulamos que eles estudem o tema, vimos documentários e todos ficamos empolgados”.

Mateus não é militante e nunca teve contato pessoal com o MST, se informando através de noticiários e redes sociais. Ele tem 26 anos e é coordenador e projetista da Andarilhos – além de funcionário público na sua cidade. Mas esta não foi a primeira vez que a quadrilha se arriscou em temas políticos. Em 2024 o grupo escolheu retratar o arraial de Canudos após a guerra que dizimou sua população, em 1897. “Foi um tema muito forte, como o deste ano. Os órfãos de Canudos”, lembra ele. “Quadrilha junina é arte – e arte tem que tratar destas questões”, completa Lopes.

A coreografia de Canudos levou a Andarilhos aos seus melhores resultados em competições na sua jovem trajetória de 7 anos: o 2º lugar no Sertão e a chance de disputar o título pernambucano, em Goiana (PE). “Ganhamos projeção, fomos reconhecidos. Foi maravilhoso”. O sucesso reduziu o medo do grupo de adotar, para 2025, um novo tema relacionado à luta popular. E colegas de outras quadrilhas elogiam a ousadia. “Eles perguntam: ‘como tu teve coragem?’, mas perguntam de um jeito positivo”, diz ele. “Agora seja o que Deus quiser”, brincou.

O espetáculo foi escrito por Mateus Lopes e Ítalo Marques, com coreografia de Amanda Gonçalves e Emerson Cavalcante. “Quisemos mostrar ousadia, coragem e força, mas temos que fazer isso sem sair da brincadeira junina”, explica Lopes. A personagem principal do enredo e noiva do casamento será ninguém menos que Margarida Maria Alves, líder sindical rural paraibana assassinada em 1983 por ordem de fazendeiros.

O esposo no casamento encenado ganhou o nome de Raimundo Nonato, homenagem ao militante apelidado de “Cacheado”, do MST de Tocantins, assassinado em 2022. “O final é trágico, mas é o ponto mais forte, por causa da morte dela. E encerramos o espetáculo com a Marcha das Margaridas”, conta Mateus, citando a caminhada realizada a cada quatro anos, em Brasília (DF), com mulheres camponesas de todo o Brasil.

A trilha sonora também precisou passar por uma adaptação para o espetáculo. “Cio da Terra”, de Milton Nascimento; “Sem Terras (ou Admirável Gado Novo)”, de Zé Ramalho; “Pedras que cantam”, de Fagner; “Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré; “Instante Feliz”, do Fim de Feira; “Minha voz não silencia porque poeta não cala”, de Antônio Nóbrega; foram canções regravadas num ritmo adaptado para a quadrilha.

A primeira apresentação oficial do ciclo junino aconteceu no último dia 14, no município de Floresta, onde o espetáculo conquistou três prêmios: de melhor casamento, melhor trilha sonora e melhor desenvolvimento do tema. A próxima apresentação em competição acontece no município de Terra Nova, no dia 29. É a etapa Sertão da competição Pernambuco Junino, organizada pela Federação de Quadrilhas de Pernambuco. A Andarilhos precisa ficar em 1º ou 2º lugar no Sertão para disputar o título pernambucano, em Goiana.

A agenda de apresentações costuma começar em maio e se estende até julho, com três ou quatro apresentações semanais. “É cansativo, mas vale a pena”, conta Mateus Lopes. Ainda neste mês de junho há exibições não-competitivas previstas em Afogados da Ingazeira (neste sábado, dia 21), Iguaracy (domingo, 22) e Itaíba (sábado, 28). Em julho a Junina Andarilhos se apresenta na abertura da Expoagro (feira do agronegócio de Afogados da Ingazeira), no dia 2 de julho; em seguida o espetáculo vai para Salgueiro (sexta-feira, dia 4) e Sanharó (domingo, dia 6).

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