
Em um trecho do livro, a autora escreve que viveu momentos duros, mas que a literatura e a cultura foram refúgios em uma realidade tão difícil.
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Aos 60 anos, a ex-enfermeira, artista plástica e escritora Jacira Roque Oliveira, que morreu nesta segunda-feira (28), em São Paulo, foi uma referência para as periferias paulistanas, sobretudo na Zona Norte da capital.
Dona Jacira, como era conhecida, usou a escrita como forma de resistência e afirmação de identidade. Ela enfrentava complicações de saúde relacionadas ao lúpus e fazia hemodiálise havia mais de 25 anos.
No livro “Café”, publicado em 2019, ela traz uma autobiografia poderosa sobre a vida de uma mulher preta e periférica que enfrentou violência doméstica, pobreza, preconceitos e exclusão social.
A obra foi publicada pela editora LiteraRUA em parceria com a Laboratório Fantasma, empresa fundada por Emicida e Evandro Fióti que está no centro de uma disputa judicial entre os irmãos.
Em um trecho do livro, a autora escreve que viveu momentos duros, mas que a literatura e a cultura foram refúgios em uma realidade tão difícil.
Capa do livro ‘Café’, publicado pela editora LiteraRUA
Divulgação/LiteraRUA
Nesta segunda, a editora do livro disse nas redes sociais que a obra da escritora é uma “autoetnografia das décadas de 60 e 70 da periferia da Zona Norte de São Paulo”.
“O livro que tivemos a honra de editar e publicar com nosso selo é mais do que a poesia de uma mulher negra, que se recusava a seguir o script destinado para quem nasceu no CEP afastado da Zona Norte de São Paulo, mãe solo de uma família composta, inclusive, por talentosos artistas.”
Nascida e criada no Jardim Ataliba Leonel e no Jardim Cachoeira, periferias da Zona Norte de São Paulo, onde morou por mais de 50 anos, ela foi internada em um convento ainda menina e se casou aos 13 anos.
Na obra, ela relata ainda como enfrentou episódios de violência doméstica, alcoolismo do ex-companheiro e diversas limitações impostas pela condição de saúde.
“Vivi momentos muitos duros. Nos quais não havia espaço para o desenho, a pintura, ou mesmo para a poesia e menos ainda para a prosa. Mas, sempre escrevi! Na minha cabeça, escrevi. A arte sempre foi um refúgio, lugar de busca e de encontro! ”, afirma a autora.
Além disso, Dona Jacira conta em primeira pessoa como foi o processo de se livrar dos desafios para retomar os estudos na fase adulta, se formar em técnica em enfermagem e entrar para movimentos sociais.
Quem foi Dona Jacira
A escritora foi uma figura central na cultura periférica local, atuando como artista plástica, escritora, e agente cultural.
Durante anos, ela ajudou a promover oficinas, rodas de conversa e espaços de trocas culturais para fortalecer a identidade e a resistência da população periférica.
Nesa segunda (28), a família informou que o legado de Dona Jacira “será levado adiante por sua família e todas as pessoas que tiveram suas vidas impactadas e transformadas por sua presença de cuidado, amor, luz e fé neste plano”. A causa da morte não foi divulgada.
Veja a íntegra abaixo:
“É com profunda tristeza que informamos o falecimento de Jacira Roque Oliveira, a Dona Jacira, aos 60 anos de idade.
Mãe, avó, escritora, compositora, poeta, artesã e formada em desenvolvimento humano, como gostava de ser reconhecida. Dona Jacira foi uma mulher detentora de tecnologias ancestrais de sobrevivência e resistência que construíram um legado enorme para as artes e para a cultura afrobrasileira.
Esse legado será levado adiante por sua família e todas as pessoas que tiveram suas vidas impactadas e transformadas por sua presença de cuidado, amor, luz e fé neste plano.
A família agradece por todo amor e carinho e pede que respeitem a sua privacidade nesse momento tão difícil.”
Dona Jacira teve quatro filhos, Emicida, Fióti, Katia e Katiane, que foram criados por ela sozinha, após a separação do marido. Ela foi colunista do portal UOL entre 2021 e 2023.
A mãe dos rappers era reconhecida por seu compromisso com a educação e com o fortalecimento das raízes negras e populares. Na música “Mãe”, Emicida faz uma homenagem a ela.
“Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nós”
Dona Jacira aparece também no clipe dessa música, que é um tributo direto e íntimo à relação de Emicida com sua mãe, valorizando sua trajetória e presença na vida do artista.
Dona Jacira, Fióti e Emicida
Reprodução/Instagram