A Aldeia Guarani Mbyá de Sapukai, da Terra Indígena de Bracuí, realiza novo projeto de reflorestamento. A aldeia fica no município de Angra dos Reis, na Costa Verde, e promove tradicionalmente mutirões de agroecologia e restauração da Mata Atlântica.
A Tekoa Sapukai, como é chamada pelos seus moradores em Tupi, é considerada a maior e mais populosa aldeia do Estado do Rio de Janeiro, e teve sua demarcação oficializada em 1995. Segundo dados do IBGE de 2022, o território teria 2200 hectares de extensão abrigando 339 moradores. O cacique Algemir da Silva, ou Karaí Mirim, como é chamado em Tupi, afirmou ao Brasil de Fato que hoje em dia já vivem 600 pessoas de diferentes faixas de idade.
A região montanhosa e de mata densa é desafiadora para a agricultura de subsistência, mas os guaranis encontram abundância nos recursos naturais da região. “Alguns moradores plantaram palmitos, e hoje animais e aves se aproximam muito da aldeia, a gente gosta disso. A gente quer plantar mais árvores frutíferas. Aqui em Angra tem pouca árvore que dá fruta na mata. A maioria, não deixam”, explica o cacique.
O projeto “Restaurando a Mata Atlântica pela ancestralidade – Justiça Climática a partir do chão da aldeia” foi selecionado no edital “Mata Atlântica Viva”, do Fundo Casa Socioambiental, organização parceira de ações anteriores no território. O bioma é um dos mais biodiversos do mundo e o mais ameaçado no Brasil, segundo relatório da fundação SOS Mata Atlântica de 2024. Nesse contexto, as Terras Indígenas (TI) são apontadas como essenciais para a conservação das florestas.
Estudo do Instituto Socioambiental divulgado em março de 2025 aponta que mais de 90% do desmatamento nas TIs da Mata Atlântica ocorreu até 2000. A demarcação de mais de um quarto dos territórios se deu na década de 90. Após esse período, 50% das áreas mostraram regeneração da vegetação. O estudo conclui que a posse efetiva através da demarcação das TIs é fator determinante para a garantia da sua integridade socioambiental.
Demarcação da terra
Segundo documentos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), desde a década de 80 a Terra Indígena do Bracuí é reivindicada pelos Guarani que vieram em migração da região sul do país. Apesar disso, o processo pela demarcação iniciou apenas em 91, em meio a disputas com moradores e fazendeiros da região que reclamavam as terras como suas.
Karaí conta que foi um processo conturbado: “Quase no final, o pessoal ia pro mato pra fazer a parte de autodemarcação, e tinha espião de fazendeiro com arma”. Após negociação mediada pela prefeitura de Angra e pela Funai, os fazendeiros vizinhos receberam uma indenização e a demarcação foi aprovada. A homologação foi oficializada em 1995.
Atualmente são 1381 o total de territórios demandados por povos indígenas no Brasil. Destes, 850 (61%) seguem com pendências administrativas em relação à sua regularização, de acordo com levantamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de 2023. O governo Bolsonaro cumpriu a sua promessa de não demarcar nenhuma terra indígena. A presença do Cacique Raoni na posse do presidente Lula e a criação do Ministério dos Povos Indígenas trouxe avanços, e esperanças aos povos. Porém, a morosidade dos processos demarcatórios, a violência contra os povos indígenas e a ameaça do Marco Temporal, que segue em processo de conciliação no STF, estão entre as queixas de lideranças em relação à atuação do governo.
Justiça climática e ancestralidade
O projeto de reflorestamento do território Guarani Mbyá destaca e une os termos “Justiça Climática” e “Ancestralidade”. Para eles, é natural, uma vez que seus “antigos” já se preocupavam e alertavam para a importância da preservação das florestas, da terra e das águas.
A comprovação da eficácia das estratégias indígenas de manejo da terra é ancestral e é endossada por diversos estudos. Um estudo do MapBiomas de 2020 mostra que nos últimos 30 anos, as terras indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%.
Para Karaí Mirim, o desafio é seguir atuando com os recursos disponíveis e dentro da área designada. “Todas as etnias do mundo tem preocupação de plantar mais, cuidar da mata. Infelizmente a gente não tem essas coisas todas que precisa pra fazer. Primeiro que nós só temos as áreas demarcadas, fora disso já não é nosso território”, considera. E logo completa, com um certo humor: “Entre aspas, né”.