Neste sábado, dia 3 de maio, data que marcou um ano do início da enchente em Porto Alegre, uma vigília no Campo da Brasília, no bairro Sarandi, na zona norte, reuniu moradores, lideranças comunitárias e movimentos sociais em um ato marcado por emoção, denúncia e resistência.
A mobilização aconteceu no local onde hoje está o “Mural dos Naufragados”, obra coletiva que eterniza em traços a dor e a força das famílias que perderam tudo com a enchente de 2024. Com o lema “Da memória ninguém apaga”, o encontro foi construído por diversas organizações e reforça a cobrança por justiça social e ações concretas do poder público.

Depois de homenagens e falas, a comunidade saiu em caminhada com velas acesas até o ponto onde houve o rompimento do dique, um dos marcos da tragédia que atingiu duramente o bairro. A atividade terminou com uma missa na Igreja Santa Catarina em memória das vítimas da enchente, que ainda ecoa na vida e nos relatos de quem sobreviveu.

Adalto Domingos Dias da Rosa, morador do Sarandi desde 1990, perdeu tudo. “A água subiu seis metros. Atingiu as duas partes da casa, de baixo e de cima. Não deu pra salvar nada”, relembra. Aos 64 anos, ele diz que ainda não conseguiu reconstruir completamente a vida. “Cada vez que chove forte, a gente não dorme. Fica olhando a rua, pronto pra sair de novo. Eu já perdi três camas de casal, geladeira, móveis… e a gente vai comprando de novo, mas sempre com medo.”

De acordo com o morador, o medo persiste porque, apesar da catástrofe, pouca coisa mudou no sistema de contenção. “Aqui no Sarandi cobriram só a parte que estourou. O resto está largado. Estão esperando sabe-se lá o quê”, desabafa Adalto. Segundo ele, o sentimento de abandono é constante, agravado por promessas não cumpridas. “A gente só escuta que vai fazer. Mas até agora, o que fizeram mesmo?”
Para a vereadora de Porto Alegre Juliana de Souza (PT), que participou da organização do ato, esse cenário é resultado da negligência dos governos estadual e municipal. “O que marca esse um ano é o medo de quem já perdeu tudo. Não temos ainda a comporta 14 no Humaitá, e aqui o projeto do dique está parado nas mãos do governo estadual. O recurso do governo federal chegou em dezembro, mas sequer os estudos técnicos foram licitados”, afirma.

Juliana destaca que o projeto do muro de contenção na Asa Branca, por exemplo, está abaixo da cota recomendada por especialistas. “O previsto são cinco metros, quando todos os estudos indicam a necessidade de sete metros. Isso é brincar com a vida das pessoas.”
A parlamentar também ressalta o protagonismo da comunidade na reconstrução. “Aqui floresceu uma nova forma de organização. As pessoas se tornaram sujeitos políticos, se uniram para cobrar seus direitos. Essa caminhada simboliza essa união, essa fé, e a luta por justiça climática. Não é possível pensar em reconstrução mantendo o modelo que destrói e sempre atinge os mesmos.”

Maribel Cristina Melo Victor, moradora do bairro, também falou sobre a importância de manter viva a memória da tragédia. “A gente resistiu, e resistir também é não esquecer. É vir aqui, acender vela, lembrar de quem perdeu a vida, de quem perdeu a casa. Isso aqui não é só dor, é força também. Se depender da gente, ninguém vai apagar essa história.”
Participaram do ato a deputada estadual Laura Sito (PT) e os vereadores Pedro Ruas (Psol) e Gilvani, o Gringo (Republicanos). Todos reforçaram o compromisso com a luta das famílias atingidas e com a necessidade de garantir políticas públicas efetivas para reconstrução das moradias, proteção contra novas tragédias e reparação histórica.
