Nem só de fumaça: a luta que acende consciências no Ceará

Parece que mil anos se passaram desde que gritávamos: “Hey, usuário! Saia do armário!”.

Hoje, essa frase já não faz tanto sentido. Primeiro, porque é essencial respeitar o tempo e a decisão de cada pessoa sobre se expor ou não — afinal, escolhas e usos pessoais que não afetam terceiros não devem ser pautadas por pressão. Segundo, porque o cenário mudou: portar a planta já não é mais considerado crime em diversos contextos, o acesso está mais facilitado (“mais fácil que pão”, como dizem por aí), e pesquisas apontam que a maconha é uma das substâncias mais populares do país — com milhões de pessoas relatando já terem experimentado ao menos uma vez.

Existe toda uma cultura ao redor da cannabis: uma cena viva, com linguagem própria, hábitos, expressões artísticas, símbolos e afetos que nos conectam.

Em Fortaleza, nosso movimento nasceu de forma orgânica. A gente se reunia na casa daquele amigo que tinha um pouco mais de grana e assinava a Superinteressante. Lembro até hoje da edição com a temida folhinha na capa, chegando pelos Correios e acendendo a fagulha de uma luta coletiva que ganharia uma dimensão que eu, pelo menos, jamais imaginei.

Fazíamos parte da primeira geração de pessoas jovens periferizadas que, graças às políticas públicas dos primeiros governos do PT — como o ProUni, Reuni e as cotas — ingressavam nas universidades públicas. E foi lá que vivemos um choque de realidade: encontrávamos jovens da classe média alta que também fumavam, mas o faziam no conforto de suas casas, com acesso a informações de ponta que traziam de férias em Amsterdã ou na Califórnia, enquanto a gente seguia consumindo prensado e se achando “vida loka”.

Enquanto em outros lugares o debate girava em torno do “direito ao uso individual”, dentro de uma lógica mais liberal, aqui em Fortaleza — muito por conta desse choque e da nossa vivência — a Marcha da Maconha sempre teve, desde o início, um caráter social. A luta pela legalização sempre esteve intrinsecamente ligada à luta por justiça social.

Assim, entre afeto, amizade e rebeldia, fomos nos organizando e nos tornamos referência nacional na defesa da regulamentação das drogas e no fortalecimento do movimento antiproibicionista.

Anos se passaram. A vida adulta nos engoliu. Fomos para o mercado, nos casamos, tivemos filhos. Muitos se afastaram da luta.

E nos reaproximamos. Somos ondas do mar. Somos movimento.

Voltamos com novas perspectivas, horas de sono atrasadas, mais bagagem.

Entendemos nosso novo momento, abraçamos nossas vulnerabilidades, recalculamos a rota e ampliamos os espaços de discussão.

A Marcha da Maconha Fortaleza é um movimento antiproibicionista cearense comprometido com princípios antirracistas, feministas, antifascistas, antimanicomiais e anticapitalistas. Também combatemos a LGBTQIAPN+fobia, a xenofobia e todas as formas de opressão.

Entendemos que a atual política de drogas é falha e que, sob o discurso de proteção à saúde pública, perpetua uma lógica cruel de controle social, criminalizando pessoas pobres, jovens e racializadas — especialmente aquelas historicamente empurradas para as margens da sociedade. Esse cenário se torna ainda mais brutal quando diferentes formas de opressão se sobrepõem.

Além disso, essa política mantém o monopólio de um mercado bilionário nas mãos de organizações criminosas, fortalecendo seu poder econômico e permitindo sua infiltração em diversas esferas do poder público por meio da corrupção.

Entendemos a política de drogas como uma pauta transversal às lutas de classe e por igualdade. Como disse um companheiro de outra marcha, certa vez: “Quando a festa política da Marcha da Maconha tomar as ruas, pensem que, assim como na capoeira, muitas vezes pode parecer que estamos só jogando” — mas tem muita luta.

Quando bradamos que somos “maconheiros e maconheiras com muito orgulho, com muito amor”, não se enganem: é reação. É sobrevivência. E, principalmente, é construção.

Lutamos por um tempo em que não precisemos mais bradar por isso. Assim como esperamos que um dia não precisemos gritar por orgulho LGBTQIAPN+, nem por nossa cor, nem por reparação. Um tempo em que justiça social, igualdade de gênero, respeito e bem viver não sejam pautas de luta, mas realidades.

Este ano, a Marcha da Maconha 2025 acontecerá no dia 25 de maio, concentrando-se a partir das 15h, na Estátua de Iracema, um dos principais cartões-postais da cidade de Fortaleza.

Além da passeata, o coletivo Marcha da Maconha realiza no dia 17 de maio, a Feira Canábica do Ceará, um espaço de promoção da cultura, do empreendedorismo canábico no estado, reunindo associações, profissionais da saúde, associações medicinais, movimentos civis organizados, coletivos de cultura, além de tabacarias e outros serviços, com programação ampla e aberta para a população. Aberto ao público, na Praça da Gentilândia.

*Lígia Duarte é comunicadora, formada em Marketing Digital e militante pela Marcha da Maconha Fortaleza e pela Renfa Antiproibicionista.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

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