Os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por unanimidade, nesta terça-feira (20), acolher parcialmente a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra dez acusados, tornando-os réus pela tentativa de golpe de Estado, em 2022, com objetivo de manter Jair Bolsonaro (PL) no poder. O ministro relator rejeitou a denúncia contra dois acusados do chamado núcleo 3 da trama golpista, por ausência de justa causa.
“Não se verifica na denúncia indícios da prática dos diversos tipos penais relacionados aos acusados Cleverson Ney Magalhães e Nilton Diniz Rodrigues”, avaliou o relator do caso, Alexandre de Moraes, acrescentando que os dois foram apenas citados em conversas de terceiros ou tinham relação com outros envolvidos, sem elementos probatórios do envolvimento direto no plano golpista.
Os outros quatro ministros que fazem parte da Primeira Turma acompanharam o relator e consideraram haver materialidade e indícios suficientemente demonstrados pela PGR contra os outros dez acusados.
A decana da corte, ministra Cármen Lúcia, destacou que a PGR demonstrou, a partir de diálogos entre os acusados, evidências de que havia um plano de golpe, que envolvia ações de crueldade contra autoridades da República. “‘Vamos matar todo mundo, e não vamos parar’. Isso está nos diálogos”, lembrou a magistrada, acompanhando o voto do relator.
No grupo julgado hoje estavam generais, coronéis e tenentes-coronéis das Forças Armadas, além de um policial federal, que teriam sido, segundo a PGR, os responsáveis por ações táticas relacionadas à denominada “Operação Punhal Verde Amarelo”, que incluía o assassinato do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB) e da “neutralização” do ministro do STF e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
Mensagens às Forças Armadas
Durante o julgamento, o ministro relator da ação, Alexandre de Moraes, enviou algumas mensagens às Forças Armadas, referentes aos limites de atuação das instituições castrenses. “O Artigo 142 não tem nada a ver com poder moderador. E quem o interpreta assim não é jurista, é golpista”, disse o magistrado.
Em dado momento, Moraes citou declaração do ex-presidente Jair Bolsonaro, em dezembro de 2022, na qual o ex-presidente afirmava a apoiadores que o país vivia “um momento crucial” e sugeria movimentações para a permanência no poder. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vai a Câmara e o Senado, são vocês também”, declarou o ex-presidente naquele momento.
O ministro do STF voltou a se referir aos limites de atuação das Forças Armadas. “No Estado Democrático de Direito, após o segundo turno, após as eleições, as Forças Armadas não têm que decidir nada. Não tem que decidir para que lugar nenhum o presidente que perdeu a reeleição vai. Quem perde a eleição numa democracia, seja no Brasil, seja na Inglaterra, na França, em Portugal, nos Estados Unidos, quem perde as eleições vai para casa e vira a oposição e tenta voltar 4 anos depois. Esse é o regime democrático”, disse Moraes.
O ministro Flávio Dino também criticou movimentos de “tutela” das Forças Armadas sobre a vida política do país, e defendeu banir da doutrina castrense brasileira a ideia de um inimigo interno a combater.
“Nós vamos encontrar simbolicamente nesta sala a ideia deletéria que deve ser expurgada para sempre do ethos das instituições militares, segundo a qual existem inimigos internos, elementos hostis na pátria que devem, portanto, ser alvo de combate militar”, declarou o ministro. “Isto deve ser definitivamente banido, porque só conduz a desastres na vida brasileira (…) Todos os cidadãos e cidadãs brasileiros são igualmente patriotas, sem distinção, para as Forças Armadas”, completou.
Preliminares das defesas
Antes da análise do recebimento da denúncia, os ministros ouviram da tribuna as alegações das defesas sobre as chamadas preliminares, ou seja, eventuais nulidades do processo, como a suspeição de ministros, a incompetência do foro especial para o julgamento da matéria, cerceamento de defesa ou mesmo a inépcia da peça acusatória.
Os advogados trataram de minorar a participação de seus clientes e de desqualificar a acusação, naturalizando, portanto, as ações realizadas pelos militares e policiais como diligências da rotina militar, sobre as quais a PGR não teria conhecimento.
O advogado do tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, Luciano Pereira Alves de Souza, confrontou diretamente o ministro Alexandre de Moraes, alegando parcialidade do magistrado. E citou oitiva do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro e delator, no dia 21 de novembro de 2024, em que o ministro Alexandre de Moraes teria cobrado de Cid esclarecer pontos contraditórios de sua delação.

“Quando o ministro relator fala que havia uma série de mentiras na delação premiada de Mauro Cid, ele estava demonstrando cabalmente que já havia escolhido uma verdade. Só discerne uma mentira aquele que conhece a verdade”, argumentou Souza. “A defesa entende que Vossa Excelência ultrapassou os limites legais ao conduzir a audiência do colaborador Mauro Cid, porque Vossa Excelência não só analisou os requisitos legais, mas Vossa Excelência determinou que ele sanasse omissões pelo qual o senhor acreditava que era mentira”, afirmou, dirigindo-se a Moraes.
O mesmo advogado iniciou sua intervenção com a leitura de uma passagem bíblica, disse se submeter primeiro ao livro sagrado do cristianismo e, em segundo lugar, à Constituição brasileira, e afirmou que seu cliente é vítima de uma “investigação maquiavélica” movida por vingança.
As alegações foram todas afastadas pelos ministros, por unanimidade, sem entrar nos detalhes das preliminares apresentadas, dando seguimento à análise do recebimento da denúncia.
Quem são os réus?
Com a abertura da ação penal, os 9 militares do Exército e um policial federal se tornaram réus pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. São eles:
- Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército;
- Estevam Theophilo, general;
- Fabrício Moreira de Bastos, coronel;
- Hélio Ferreira, tenente-coronel;
- Márcio Nunes De Resende Júnior, coronel;
- Rafael Martins De Oliveira, tenente-coronel;
- Rodrigo Bezerra De Azevedo, tenente-coronel;
- Ronald Ferreira De Araújo Júnior, tenente-coronel;
- Sérgio Ricardo Cavaliere De Medeiros, tenente-coronel;
- Wladimir Matos Soares, policial federal.
Demais núcleos
Com o julgamento desta terça, soma-se 31 réus na ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado no Brasil, que resultaram deste e de outros três julgamentos anteriores. Veja quem são:
Núcleo 1, considerado pelo Ministério Público como o núcleo central da trama do golpe
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Walter Braga Netto, general de Exército, ex-ministro e vice de Bolsonaro na chapa das eleições de 2022;
- General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal;
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Paulo Sérgio Nogueira, general do Exército e ex-ministro da Defesa;
- Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Núcleo 2, apontado como responsável pelo “gerenciamento de ações” para concretizar o plano golpista
- Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF);
- Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva e ex-assessor de Bolsonaro;
- Marília Ferreira de Alencar, delegada da Polícia Federal e ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça;
- Fernando de Souza Oliveira, delegado da PF e secretário-adjunto da SSP-DF;
- Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência;
- Filipe Garcia Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais do governo Bolsonaro.
Núcleo 4, responsável por espalhar notícias falsas e ataques contra o processo eleitoral, instituições e autoridades.
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, major da reserva;
- Ângelo Martins Denicoli, major da reserva;
- Carlos César Moretzsohn Rocha, engenheiro eletrônico;
- Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente;
- Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel;
- Marcelo Araújo Bormevet, policial federal;
- Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército.
Ainda falta julgar o recebimento da denúncia contra o núcleo 5, composto unicamente pelo empresário Paulo Figueiredo, neto do ditador João Figueiredo. Ele tem mandado de prisão expedido no Brasil, mas está nos Estados Unidos, onde tem residência, e sequer apresentou sua defesa ao STF. “Atenta contra a democracia no Brasil, sem ter coragem de viver no Brasil”, comentou Moraes no julgamento desta terça.