
O julgamento da ação penal resultante da Operação Naufrágio começou na quarta-feira (21), na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A investigação de 2008 revelou o maior escândalo de corrupção no Judiciário do Espírito Santo.
Na sessão, a defesa de 14 dos 15 réus do processo foram ouvidos pelos ministros em aproximadamente 7h. De maneira similar, todos eles contestaram a fundamentação da denúncia do Ministério Público Federal (MPF) e alegaram falta de provas.
Segundo os advogados que se manifestaram, a acusação apenas se baseou na transcrição e “interpretação enviesada” de grampos telefônicos promovidos pela Polícia Federal.
As escutas, para a defesa, foram descontextualizadas e transcritas com o objetivo claro de apontar condutas irregulares dos envolvidos. Por isso, alegam, a denúncia é “frágil” e as provas “insuficientes” para justificar condenações por corrupção.
Uma suposta confissão apresentada pelo MPF de um dos réus também foi alvo de críticas. Os advogados disseram não reconhecer a prova e questionaram a acusação.
Ao todo, 26 pessoas foram denunciadas pelo MPF em 2010 por envolvimento em esquemas de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Estado (TJES), loteamento de cartórios extrajudiciais e interferência em concursos públicos.
Conforme o MPF, o STJ recebeu, em 2021, a denúncia relacionada a cinco eventos. (Confira a denúncia aqui).
Estariam envolvidos nos crimes de corrupção desembargadores, servidores e juízes do TJES, pessoas favorecidas pelas decisões supostamente compradas e seus advogados.
Ao longo de 17 anos, seis dos denunciados tiveram as penas prescritas e outros cinco faleceram. São julgados, então, 15 réus no tribunal.
O presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, lembrou que mais alguns crimes podem prescrever em novembro deste ano.
Defesa dos réus
O advogado Aluisio Lundgren Correa, que representa a ré Roberta Schaider Pimentel – uma das filhas do ex-presidente do TJES já falecido, Frederico Guilherme Pimentel –, não foi ouvido. Os ministros alegaram cansaço.
A sustentação oral em defesa de Roberta se dará na próxima sessão ordinária da corte, marcada para o dia 4 de junho, às 11h.
No mesmo dia, o MPF será ouvido novamente para esclarecer questionamentos levantados pelos advogados e, em seguida, o relator do caso, ministro Francisco Falcão, apresentará seu voto.

Confira a defesa de 14 réus
Jonhny Estefano Ramos Lievori – defendido por Felipe Dezorzi
O defensor público que representa o advogado alega que “a acusação busca imputar ao réu a prática de eventos cuja base e origem foram captadas exclusivamente por meio de interceptações telefônicas que, em verdade, são transcrições e resumos de conteúdo interceptado em formato de relatórios da Polícia Federal decorrente de outras operações que guardam apenas a lógica da narrativa da PF”.
A defesa, então, se baseia no entendimento de que a interceptação é um meio para obter provas, mas não pode ser utilizada como prova isolada e nem sustentar, individualmente, uma condenação.
São utilizados os argumentos de que a interpretação de diálogos grampeados pela PF podem ignorar o contexto e causar erros, visto que “depende da subjetividade”. “Diálogos têm ambiguidade e imprecisão”, alega o defensor público.
Larissa Pignaton Pimentel – defendida por Valter Ferreira Xavier Filho
A defesa da juíza aposentada alega que a vida dela “foi arrastada para o centro de um processo penal com base em suposições frágeis e confusões familiares e, sobretudo, pela ousadia de se chamar Larissa e ser nora do saudoso desembargador Pimentel”.
Argumenta-se que contra ela não há ato de ofício viciado, influência em cartórios, nem notícia de recebimento de vantagem ou testemunha que atribua conduta ilícita.
Também se diz que Larissa pode ter sido incluída no caso pela confusão com o nome, que é o mesmo da filha do presidente do TJES à época.
Mais uma vez, os diálogos interceptados são alvo de contestação. A defesa alega que as conversas grampeadas se deram em ambiente íntimo e que os trechos foram descontextualizados, não sustentando uma acusação por corrupção passiva.
Larissa Schaider Pimentel Cortes – defendida por Eugênio José Guilherme de Aragão
A defesa da analista judiciária especial da 4ª Vara Cível de Vila Velha conta que a servidora já respondeu a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e foi suspensa por 30 dias apenas por saber do envolvimento da família em esquemas corruptos.
O relatório do PAD, argumenta a defesa, conclui que “era do inteiro conhecimento da servidora investigada o conluio de seus irmãos”.
Neste caso, o argumento é que “ela não estava participando disso… Se ela está sendo acusada porque não quis ser ‘X9’ de seus irmãos e de seu pai, é muito curioso. Isso seria um caso de favorecimento pessoal, mas ela não disse porque não foi intimada pelo inquérito”.
Além disso, a alegação é a de que Larissa não poderia ser punida mesmo em caso de favorecimento pessoal, visto que se exclui de pena aquele que é parente consanguíneo ou cônjuge das outras partes.
Para a defesa, a ré “só seria condenada por ser uma Pimentel”.
Felipe Sardenberg Machado – defendido por Cláudio Oraindi Neto
A defesa do advogado questionou a afirmação de que ele teria confessado ser laranja da família Pimentel para exercer a função titular no cartório de Cariacica.
“Não houve confissão do réu e a defesa não aceita esse documento”.
O MPF responderá a todos os questionamentos apenas ao final das sustentações orais.
Pedro Scopel e Adriano Mariano Scopel – defendidos por Marcelo Leal, Marco Antônio Gama e Henrique Zumak
A defesa dos empresários questionou “o contexto em que as interceptações telefônicas que compõem o quadro de provas foram gravadas” e alegou que “não há provas além das interceptações”.
Os advogados também contestaram o uso das gravações para fundamentar a acusação: “Não são as interceptações telefônicas, são as interpretações feitas dos diálogos captados em interceptação telefônica”.
O tempo da sustentação oral foi utilizado, então, para “esclarecer” o contexto dos ocorridos e colocar em xeque a relação de Paulo Guerra Duque com os Scopel.
Argumenta-se que a relação do filho do desembargador Elpídio José Duque era, na verdade, com Otto Andrade, a outra parte envolvida na disputa pelo Terminal Portuário Peiú.
“O acusador sempre escuta com esse viés acusatório”, alegou a defesa apontando que a Polícia Federal tinha interesse em acusar os Scopel após a Operação Titanic – investigação anterior à Naufrágio que indicou a existência de uma organização criminosa que atuava na importação subfaturada de automóveis de luxo.
Adriano Mariano Scopel foi condenado por capitanear a quadrilha que, segundo a PF, utilizava o Terminal Portuário de Peiú como “pátio de negócios”.
A atuação da PF, então, é vista como “enviesada e até dolosa” pela defesa que acusa o MPF de não apresentar provas para nenhuma das acusações baseadas nos grampos.
Bárbara Pignaton Sarcinelli – defendida por Carlos Guilherme Macedo
A defesa alega que a servidora não foi citada na maior parte das acusações e que o único caso sustentado seria que ela teria um conluio para a implantação do cartório em Cariacica.
Mais uma vez citou-se uma “interpretação tendenciosa” das interceptações telefônicas que embasam o relatório do PF.
A servidora também respondeu um PAD e ele concluiu que ela não atuou na questão do cartório cariaciquense. “O TJES a absolveu no PAD”.
Argumenta-se ainda que nenhuma testemunha nunca desabonou sua conduta.
Dione Schaider Pimentel Arruda e Henrique Rocha Martins Arruda – defendidos por Jonatan Ataliba Schaider
A defesa argumenta que Dione estava de licença maternidade na época da implantação do cartório em Cariacica e, por isso, “jamais poderia ter participado de forma ativa ou passiva” no caso.
Também foi apontada a ausência de provas. Não há áudios nem outros documentos para contestar, diz a defesa. “Não existindo acusação, como faz-se a defesa?”.
Sobre o crescimento patrimonial apontado pelo MPF, a defesa alega que não é possível provar a acusação, visto que o sigilo bancário de ambos foi mantido.
Frederico Luís Schaider Pimentel
O próprio ex-juiz se defendeu e disse que não há datas, horários ou locais nos documentos de acusação que comprovem as ocorrências denunciadas.
“Hoje eu tenho certeza que eclodiram as razões pelas quais não se denominam as datas, horários e locais do cometimento” dos atos ilícitos. Segundo ele, o MPF nunca teve condições de precisar os fatos narrados na denúncia.
Ele ainda alega que é inconcebível um inquérito não ouvir os acusados e policiais envolvidos na investigação. “Seria o mínimo para acusar alguém de corrupção”, disse ele referindo-se ao caso do cartório de Cariacica que, argumenta, não tem fraudes comprovadas.
“Eu não consigo delimitar uma forma de me defender. Onde o desembargador Frederico aceitou vantagem indevida de Felipe?”, questiona ao contestar a falta de provas.
O filho do ex-presidente do TJES disse que não contestará “provas nulas”, que se baseiam em “interceptações de diálogos picotados”.
Gilson Letaif Mansur Filho – defendido por Felipe Fernandes de Carvalho
“É uma denúncia bastante complexa, mas com relação a Gilson há uma única imputação baseada em um único trecho de uma única interceptação telefônica que acabou sendo desvirtuada”, alegou a defesa logo no início da sustentação.
Argumenta-se que é impossível que Gilson influenciasse a escolha de desembargadores do TJES por ser jovem no ramo; que a acusação não é factível porque o advogado teria sido demitido após a decisão do caso; e que a oferta de interferência para garantir a escolha do nome de Albanez para compor o TJES nunca teria ocorrido.
“Nessa época (2008) não havia nenhuma eleição em vista para que algum juiz se alçasse ao cargo de candidato a desembargador”, afirma a defesa.
Leandro Sá Fortes – defendido por Maria Patrícia Vanzolini
“A base factual”, mais uma vez relacionada às interceptações telefônicas, foi, novamente, apontada como frágil. “Há uma escassez probatória que salta aos olhos neste processo”.
A defesa alega que o cartório de Cariacica já era uma demanda desde 2006 e que, em 2008, apenas deu-se cumprimento à “necessidade já sentida pela população”.
Alega-se, então, que a implantação da unidade não foi viciada, visto que a unidade funciona até hoje e atendia ao interesse público e à legislação.
A participação do réu conforme apresenta a denúncia também não é, segundo a defesa, confirmada pela “única testemunha ouvida em juízo”. “A instalação do cartório foi regular do início ao fim”, defendem.
Paulo Guerra Duque – defendido por Hércules Pessini
“A denúncia se sustenta, se apoia, única e exclusivamente em interceptações telefônicas descontextualizadas, não transcritas em sua integralidade e a que a defesa não pôde ter acesso à sua integralidade. Isso é muito grave”, afirmou a defesa do advogado.
“Não há nenhuma prova nos autos. O MPF poderia fazer, tentar diversas outras provas, mas não fez nada”, argumentou-se. Também foi citada a apreensão de bens que foram adquiridos de forma lícita, como comprovou-se posteriormente.
Segundo o advogado, as alegações da defesa não resistem. “O desembargador Elpídio merecia desculpas póstumas, porque em nenhum momento foi comprovada a relação dele com qualquer objeto irregular”, finalizou.
Robson Luiz Albanez – defendido por Délio Fortes Lins
A vida na magistratura do desembargador foi primeiro tida como imaculada e íntegra. Em seguida, contestou-se a participação dele no caso e a ilicitude de se pedir votos em uma eleição.
“Isso faz parte do jogo político, que deve ser feito de forma correta. E aí podem afirmar: ‘mas eu nunca ofereci nada ilícito’, o doutor Robson também não. Não existe corrupção se o dr. Robson tinha direito a concorrer por merecimento”.
A denúncia do MPF foi considerada “ridícula”, visto que a suposta prática ilícita não se comprova ou sustenta, conforme o advogado.
“O desembargador Robson é citado em apenas duas interceptações telefônicas. Uma é utilizada para justificar uma absurda e inexistente corrupção passiva e uma segunda que o MPF, de má-fé, escondeu e não levou aos autos”.