Impactantes imagens partilhadas nas redes sociais e telejornais de todo mundo mostraram a ruptura de uma parte da geleira Birch, localizada no Lötschental, zona dos Alpes suíços na última na quarta-feira (28). O aquecimento global que vem causando o aumento no derretimento dos glaciais é uma das prováveis causas do fenômeno ocorrido em Blatten.
Nos últimos anos os glaciologistas suíços têm manifestado as suas preocupações relativamente a um degelo e atribuído em grande parte ao aquecimento global que acelerou o recuo dos glaciares no país.

A vida em Blatten retoma lentamente a normalidade após cinco dias do deslizamento que devastou a vila. O chefe de informação do estado-maior regional, Matthias Ebener, informou nesta segunda-feira (2) a mídia suíça que “apesar dos deslizamentos no Petit Nesthorn continuarem, tudo o que desce para onde antes se encontrava o glacial”. Com uma maior estabilidade na região hoje também foram retomadas as buscas para encontrar o homem desaparecido no cone de sedimentos formado pelo desabamento.
O Ministério Público do cantão do Valais abriu um inquérito buscando esclarecer as circunstâncias do desaparecimento de um cidadão da região de Blatten, na última quarta-feira (28). “Pretendo investigar as circunstâncias deste desaparecimento. A ideia é saber se o desaparecido infringiu alguma ordem ou se encontrava-se ou não numa zona onde tinha o direito de estar”, resumiu a procuradora-geral do Valais, Beatrice Pilloud.
Os geólogos que estão trabalhando no monitoramento da catástrofe ainda não suspenderam o alerta para a região. “Quando o perigo passa de 10 para 9, não podemos ficar aliviados. Só ficamos aliviados quando o perigo é 2 ou 3. Isso ainda vai durar um pouco. A situação está um pouco mais calma, mas os perigos permanecem e devemos estar extremamente vigilantes”, disse o geólogo cantonal do Valais Raphaël Mayoraz.
A catástrofe histórica no país provocou que um enorme pedaço de rocha e gelo com várias dezenas de metros de espessura e cerca de dois quilômetros de comprimento soterrasse em grande parte a vila alpina de Blatten. O volume total de gelo e rochas no fundo do vale chega a dez milhões de metros cúbicos. A vigilância ativa da zona da catástrofe, do comportamento do lago, do rio e da barragem de Ferden vem sendo realizada 24/24 horas.
Suíça tem maior número de glaciares
A Suíça possui o maior número de glaciares entre todos os países europeus. Estes glaciais registraram uma perda de 4% do seu volume total em 2023, sendo considerada a segunda maior diminuição num único ano, após uma redução de 6% em 2022. No país existem 60 geleiras que representam um perigo para zonas habitadas, estradas e linhas ferroviárias.
A tragédia para a população da região só não foi maior porque a Suíça possui uma das mais antigas e desenvolvidas redes de monitoramento do mundo, com monitoramentos por satélites, drones e acompanhamento in loco dos glaciais. Em função deste acompanhamento foi possível detectar uma movimentação anormal na geleira e por precaução foi evacuada a aldeia na última segunda-feira (19), onde 300 habitantes, bem como seus animais foram retirados.
Na sexta-feira (30), a presidente da Confederação Suíça, Keller-Sutter, fez sobrevoo na região do Lötschental e na zona de Blatten, conversou com a população, com autoridades regionais. Em coletiva à imprensa afirmou que foi à região não apenas para ter uma visão geral da situação no local, mas também para dizer ao povo de Lötschental: “Vocês não estão sozinhos”.
Segundo ela, a extensão da catástrofe só pode ser compreendida quando vista com os próprios olhos. “É devastador. As ações prudentes das autoridades ajudaram a quase evitar danos às pessoas. Infelizmente, apenas quase. Coisas piores poderiam ter sido evitadas.” Keller-Sutter também ressaltou que o que foi conquistado e ainda está sendo conquistado pelas autoridades e pela população “é um forte testemunho do nosso senso de comunidade suíço: quando o perigo ameaça, nós permanecemos juntos.”
Face a esta situação e a fim de reagir o mais rapidamente possível foram acionados vários meios de intervenção tais como: Órgão Cantonal de Comando, Proteção Civil e o Exército. Outra atitude adotada foi que o Conselho de Estado declarou a situação como especial. Estas estruturas ainda não foram acionadas para trabalhar em Blatten devido a total instabilidade do terreno que inviabiliza as ações.
Agenda climática global
A Conferência Internacional sobre Preservação de Geleiras que ocorre de 29 de maio a 1º de junho de 2025, em Dushanbe, Tajiquistão, vem destacando a urgência de interromper o recuo glacial e colocar o tema no topo da agenda climática global.
A conferência culminará no lançamento da Declaração das Geleiras de Dushambe que é considerado um documento histórico que delineia compromissos práticos, iniciativas colaborativas e recomendações estratégicas que será apresentada na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), no Brasil.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM), o Banco Asiático de Desenvolvimento e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) são parceiros na organização da conferência, que conta com a presença de líderes governamentais e ministros, bem como da vice-secretária-geral da Organização da Nações Unidas (ONU), Amina Mohammed.
O Relatório sobre o Estado do Clima Global da Organização Meteorológica Mundial destaca que 2021-2024 representa o período de balanço de massa glacial de três anos mais negativo já registrado, e sete dos dez balanços de massa glacial anuais mais negativos desde 1950 ocorreram desde 2016.
Mohammed citou números do Serviço Mundial de Monitoramento de Geleiras que indicam que, desde 1975, as geleiras perderam mais de 9 trilhões de toneladas, o que equivale a um enorme bloco de gelo do tamanho da Alemanha, com 25 metros de espessura. Existem mais de 275 mil geleiras em todo o mundo, cobrindo aproximadamente 700 mil km². Juntamente com as camadas de gelo, as geleiras armazenam cerca de 70% dos recursos globais de água doce.
“Nossas geleiras estão morrendo”, alerta a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo. “O Nepal declarou recentemente a perda da Geleira Yala de Langtang. A Venezuela se tornou o segundo país do mundo, depois da Eslovênia, a perder todas as suas geleiras. A morte de uma geleira significa muito mais do que a perda de gelo. É um golpe mortal para nossos ecossistemas, economias e tecido social”, afirmou.
* Com informações da AP, RTS, OMM, autoridades dos governos estadual e municipal da Suíça e imprensa local da região de Lötschental.
