A encruzilhada ambiental do governo Lula: refém do PIB, governo atrasa agenda ecológica

A economia brasileira voltou a crescer de forma mais vigorosa desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou à Presidência. Foram 3,2% em 2023; outros 3,4% no ano passado; mais 1,4% só no primeiro trimestre deste ano.

Estatisticamente, os resultados são bons – isso é unânime. Analisados com mais profundidade, no entanto, revelam uma contradição entre o discurso que recolocou Lula no Palácio do Planalto, em 2022, e ações práticas de seu governo.

Lula voltou à Presidência numa frente ampla que prometeu transformar o Brasil numa referência mundial de preservação do meio ambiente. Apesar disso, desde então, boa parte do crescimento da economia brasileira manteve-se ligado ao agronegócio e, mais especificamente, à exportação de soja – atividade que está ligada ao desmatamento. Ainda sob Lula, o petróleo – base de combustíveis causadores do aquecimento global – tornou-se o principal item de exportação nacional. 

Enquanto isso ocorreu, a prometida transição ecológica, por ora, praticamente não avançou. Assim, restou ao governo comemorar uma retomada econômica, ainda que baseada em setores que ele mesmo prometeu reavaliar.

“O discurso inicial do governo estava correto. Foi anunciada uma ação intersetorial onde a área ambiental deveria perpassar as diferentes áreas de competência ministerial, o que significa imprimir princípios de sustentabilidade nas diversas pastas do Executivo. Mas isso não ocorreu”, apontou Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). “Pelo contrário, há antagonismo da área ambiental com as pastas da Agricultura, Energia e com a Casa Civil, que seria responsável por essa articulação.”

Resultado disso, segundo Bocuhy, é o aprofundamento de uma modelo econômico que até dá resultados, mas compromete o meio ambiente e até o crescimento futuro.

“As alterações no uso do solo, de florestas e vegetação nativa para plantio e criação de estão levando os ecossistemas amazônicos, Cerrado e Pantanal, para além dos seus limites de suporte. Na verdade, o que nós temos é um grande processo a caminho da insustentabilidade”, acrescentou o ambientalista.

Problema de décadas

Weslley Cantelmo, presidente do Instituto Economias e Planejamento, disse que a insustentabilidade da pauta econômica nacional é um problema antigo, mas que segue se aprofundando mesmo durante o governo Lula. Ele remete a perda de relevância da indústria no Produto Interno Nacional (PIB).

Segundo ele, a desindustrialização do país aconteceu de forma abrupta a partir da década de 1990 como consequência de uma paridade entre a cotação do real e do dólar imposta pelo Plano Real. Para tentar conter a inflação, o governo criou uma moeda inicialmente vinculada ao dólar. Isso, no entanto, tornou a indústria nacional incapaz de competir com produtos importados que chegavam a preços baixos no Brasil.

A paridade real-dólar também dependia do ingresso de capital de fora para dentro do país. Para isso, foram isentas as exportações do agronegócio e da mineração, por exemplo, por meio da Lei Kandir, de 1996. Os dois setores ganharam importância econômica, lembrou Cantelmo. O Brasil aceitou se tornar dependente deles.

“Essa estrutura voltada para exportação de produtos primários foi se cristalizando na economia brasileira, seja na forma de grão, seja na forma de minério ou petróleo”, acrescentou Cantelmo, sobre o atual momento da economia nacional.

Eric Gil Dantas, economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), ressalta que as gestões anteriores de Lula e o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) tentaram romper com essa lógica e dar novo fôlego à indústria. Hoje mesmo, o governo federal tem iniciativas visando à reindustrialização, o que deixaria o país menos dependente da exploração de recursos naturais ou atividades que causam danos ao meio ambiente. Para ele, elas são insuficientes.

“Alguns programas foram colocados em prática. Portanto, acho que o Brasil tem avanços. Mas sinto falta de políticas mais diretas, por exemplo, via Petrobras”, afirmou Eric, apontando para a tal transição energética, que visa substituir o uso dos combustíveis fósseis por outros menos poluentes. “A Petrobras está investindo em pesquisa para energia eólica, mas ainda é tímida e não há novidades. Ela também deveria retomar seus investimentos em biocombustíveis.”

Enquanto esses investimentos não vingam, o governo se vangloria de resultados estatísticos que nem sempre são totalmente benéficos ao país. “Politicamente, há uma pretensão de continuar crescendo hoje, com algumas atividades puxando esse resultado, para que você tenha números positivos para falar”, criticou Cantelmo. “Mesmo que esse crescimento não traga benefícios estruturais para a população.”

“O governo do Brasil tem tempo político econômico baseado na leitura do PIB, que é uma leitura de curtíssimo prazo, diferente do tempo ecossistêmico, do tempo da natureza, que este sim é garantia de sobrevida com segurança”, ratificou Bocuhy. “A consequência é parecida com a de tomar empréstimos com juros altíssimos, pois quem pagará a conta será o futuro, os que virão. Isso é uma prática desonesta, uma vez que as evidências científicas sobre impactos climáticos são irrefutáveis.”

Alternativas

O ambientalista diz que o Brasil deveria seguir exemplos de países como Índia e China, que livraram-se do modelo extrativista e agropecuário diversificando sua economia. “É preciso investimentos em tecnologia e inovação. Repetir a fórmula colonial é um modelo anti-sustentabilidade”, afirmou.

Parte dessa diversificação pode ocorrer com investimentos, inclusive, na adaptação do país às mudanças climáticas. Um estudo divulgado na terça-feira (3) pela organização World Resources Institute (WRI) apontou que cada dólar aportado em projetos desse tipo gera um retorno de dez dólares após dez anos. 

Segundo a WRI, a prevenção de danos causados por eventos climáticos tem “triplo dividendo da resiliência”. Conseguem, além de evitar prejuízos materiais e humanos, impulsionar o desenvolvimento local e gerar empregos.

“Um dos desafios para o financiamento da adaptação é o fato de muitas vezes ser vista como um custo adicional, competindo com outras prioridades nacionais de desenvolvimento. No entanto, a abordagem do triplo dividendo mostra que, na prática, as duas coisas andam juntas”, declarou a WRI, recomendando um deslocamento do investimento público para a adaptação climática também por questões econômicas.

Cantelmo reforça a recomendação e cobra do governo atitudes concretas em defesa do meio ambiente. “Não adianta trabalhar com símbolos, ter Marina Silva no governo, trazer a COP-30 para cá, alçar o Brasil a liderança ambiental do mundo, se isso não se converte em uma política estratégica”, disse ele, ressaltando que o Brasil será sede da próxima conferência das Nações Unidas para sobre mudanças climáticas.

O Ministério da Fazenda tem uma subsecretaria sobre Desenvolvimento Econômico Sustentável (SDES). A SDES trabalha no chamado Plano de Transformação Ecológica, estruturado em seis eixos: finanças sustentáveis, ligados a emissão de títulos para financiar projetos de sustentabilidade; adensamento tecnológico, para fomento de pesquisa; a bioeconomia, cujas atividades estão ligadas à natureza;  a transição Energética; a economia circular, evitando desperdício de recursos; a nova infraestrutura para o país.

O ministério também trabalha na Taxonomia Sustentável Brasileira, um sistema que identifica e classifica quais atividades econômicas são sustentáveis. Esse sistema vai ajudar o Estado a tomar decisões sobre que atividades deve incentivar ou coibir.

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