
A combinação entre geografia acidentada, ruas estreitas e becos sinuosos com a atuação violenta de facções criminosas transforma diversas comunidades da Grande Vitória em zonas que exigem um maior planejamento da Polícia Militar.
Em regiões onde o tráfico impõe suas regras, o acesso das viaturas sofre limitações e a entrada de agentes da segurança pública muitas vezes depende de operações ainda mais estratégicas e reforço tático.
O cenário revela um desafio para o Estado: garantir a presença policial em áreas dominadas pelo crime organizado. O trabalho da polícia para subir nos morros ou entrar em bairros com muitos becos e ruelas exige um alto preparo prévio, que envolve trabalho de inteligência.
“Não existe lugar que a Polícia Militar não consiga entrar no Espírito Santo. Algumas regiões de risco precisam de um mapeamento e existe um trabalho de inteligência muito forte que é feito. Temos destacamento no alto do morro que possui patrulha 24h e é equipado com câmeras que fazem todo o monitoramento da região. Toda a guarnição é comunicada em casos de alguma possível movimentação”, releva o comandante-geral da Polícia Militar do Estado, coronel Douglas Caus.

Mãe de dois filhos pequenos, uma moradora de Vila Garrido, em Vila Velha, declara que convive com o medo diário causado pelos confrontos armados entre policiais e traficantes nas redondezas.
“A gente já se acostumou com o barulho de tiro, mas nunca deixa de dar medo”, conta a moradora que, com receio, prefere não se identificar.
“Tem dia que a gente já acorda com barulhos de tiros. Tenho meus filhos e a gente fica com medo de bala perdida. A situação fica tensa também quando a polícia está subindo. Quando a gente ouve fogos, já sabe que vem alguma coisa por aí”, relata.
Duas facções dominam o tráfico na Grande Vitória
O subsecretário de Inteligência da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), Romualdo Gianordoli, revela que duas facções, denominadas Primeiro Comando de Vitória e Terceiro Comando Puro, dominam os territórios de tráfico na Grande Vitória.
Todos os territórios são loteados entre duas facções. Enquanto antes havia vários grupos rivais de bairros, as facções criminosas trouxeram um incremento a mais, porque elas, sendo como um crime organizado, começaram a adquirir mais fuzis, mais drogas e até explosivos.
Territórios marcados por confrontos com policiais
Dados da Sesp revelam que os municípios de Vitória, Serra, Cariacica e Vila Velha estão no topo de registros de confrontos contra agentes de segurança do Estado de 2021 até 2025.
Infogram
Nossa reportagem acompanhou a Polícia Militar em uma operação no Bairro da Penha, em Vitória, local conhecido pelo domínio do tráfico de drogas.
Para acessar a região é preciso preparo, inteligência e atenção a todo tempo por parte dos militares. Ao todo, 45 policiais participaram da operação.

O comandante Douglas Caus foi quem liderou a ocorrência e ressalta que é preciso muita cautela e estratégia para esse tipo de operação.
“Quanto mais adentramos na região, vamos chegando a áreas de maior atenção. Os fuzis vão na frente, que são armamentos de enfrentamento à longa distância, para em caso de algum criminoso atirar contra a guarnição do alto do morro. Os que vão na frente chamamos de ponta 1 e ponta 2, que são os militares que em cada beco param e visualizam. Tem outro grupo que fica parado até toda a guarnição passar em pontos que podem ocorrer disparos”, explicou o comandante.
A geografia acidentada com becos e vielas geram dificuldades de acesso por parte da polícia, que precisa se mobilizar entre patrulhamento a pé e com veículos.
As viaturas vão até determinado ponto e depois o deslocamento precisa ser feito a pé. São becos e vielas estreitos e a equipe faz uma formação estratégica para evitar sermos surpreendidos por tiros que venham do alto do morro.
Ainda de acordo com o comandante, esse trabalho constante é fundamental para garantir que o controle das ruas fique sob poder do Estado.
“Nessas operações nós vamos aos pontos onde comumente as pessoas traficam drogas, armas… Então esse tipo de operação é fundamental para que o Estado continue garantindo a via pública, com resposta clara às facções que aqui no Espírito Santo eles não conseguirão o domínio da via pública. Nessa operação, por exemplo, entramos e saímos sem nenhum tipo de enfrentamento. Não era assim há cinco anos”, ressaltou.
Mortes em confrontos
Muitas dessas incursões da polícia são para combater diretamente o comando do tráfico. Em março deste ano, uma ação acabou em confronto entre policiais e criminosos no bairro São Benedito, na Capital, e culminou na morte de um dos 10 criminosos mais procurados do Espírito Santo.
Anderson de Andrade Bento, conhecido como Andinho, tinha uma extensa ficha criminal por tráfico de drogas, furto, roubo, porte ilegal de armas. Contra ele, havia um mandado de prisão em aberto por homicídio. Como represália à morte de Andinho, ônibus foram alvos de ataques e um foi incendiado na orla de Camburi, em Vitória.

“O crime mais cruel que ele cometeu foi contra um usuário de drogas, que foi até a boca de fumo, mas sem ter dinheiro. A vítima teve oito dedos arrancados e foi alvejada por 50 disparos. Andinho era um indivíduo frio e psicopata, de altíssima periculosidade. Ele atentou contra a vida dos militares, tentou tirar a arma de um dos policiais, foi alvejado, socorrido e veio a óbito”, explicou o coronel Douglas Caus.
Ocorrências de confronto deste ano
No primeiro quadrimestre de 2025, o Espírito Santo registrou 189 ocorrências de confronto entre forças de segurança e criminosos, uma queda de 14,5% em relação ao mesmo período de 2024, quando foram contabilizadas 221 ocorrências.

Apesar da redução de 32 casos, o número absoluto ainda é expressivo e reforça o desafio permanente da atuação policial em áreas dominadas por facções armadas.
A diminuição nos registros pode ser um reflexo dos efeitos de ações mais estratégicas que o Estado afirma estar priorizando, como o uso da inteligência policial e tecnologias, o fortalecimento do Centro Integrado de Ações Táticas e a realização de operações cirúrgicas em territórios sensíveis.
A união das forças policiais para tentar desarticular o crime teve resultados significativos nos últimos meses.

As prisões de criminosos como Fernando Moraes Pereira Pimenta, o “Marujo” – apontado como chefe do grupo criminoso que comanda o tráfico de drogas no Complexo da Penha e uma das lideranças do Primeiro Comando de Vitória – em março de 2024, e também de Jean Finamore Bento, conhecido como “Boca de Lata“ – apontado como gerente do tráfico de drogas no Bairro da Penha -, em abril deste ano, são resultado do trabalho.
E esse trabalho é feito em conjunto por agentes do Centro de Inteligência e Análise Telemática (Ciat), das Delegacias Especializadas e da Subsecretaria de Inteligência (Sei) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), e também equipes da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) e da Polícia Penal do Espírito Santo (PPES).

Enfrentamos facções no Espírito Santo prendendo lideranças, gerentes, trabalhando integrado com a Polícia Federal, com a Polícia Civil e demais forças de segurança. Além de fazer operações nas áreas de atuação com tropas especializadas e também patrulhamento a pé para contato maior com a população para diminuir o espaço de atuação desses faccionados, disse o comandante Douglas Caus.