Em um cenário delicado de crise social e econômica, a estatal de telecomunicações ETECSA anunciou, na sexta-feira (30), um aumento expressivo e inesperado nas tarifas dos serviços de internet móvel. O anúncio gerou preocupação em diversos setores e desencadeou uma série de críticas públicas, tanto pelo seu alcance quanto pelo momento em que foi feito.
As novas regras estabelecem um limite de até 6 GB de dados móveis subsidiados. Ao atingir esse teto – ao custo de 360 pesos cubanos, o equivalente a 3 dólares no câmbio oficial e cerca de 1,5 no paralelo –, o valor dispara, variando entre 3.360 pesos (por 3 GB) e 11.760 pesos cubanos (por 15 GB), tornando-se inacessível para uma parcela significativa da população.
De imediato, o aumento das tarifas – assim como o caráter repentino do anúncio – provocou fortes críticas. O primeiro grupo a se manifestar publicamente foi o dos estudantes universitários. Em uma carta publicada no dia seguinte ao anúncio, a Federação Estudantil Universitária (FEU) de cinco faculdades expressou sua “inconformidade com a forma como as medidas foram implementadas”, afirmando que elas “limitam significativamente o acesso à internet dos estudantes e da população em geral”.
Desde então, instituições de ensino superior de todo o país passaram a se posicionar contra as medidas, exigindo mesas de diálogo com autoridades da empresa e do governo para “buscar alternativas que permitam solucionar os problemas”. Pouco depois, a empresa anunciou um primeiro pacote de ajustes voltado a facilitar o acesso dos estudantes aos dados móveis.
No entanto, a maioria das faculdades rejeitou as alterações por considerá-las insuficientes, já que não contemplavam soluções para toda a população. Com diferentes perspectivas e ênfases, várias faculdades vêm mantendo rodadas de diálogo com representantes da ETECSA e do governo em busca de alternativas viáveis.
Respostas do governo
Na quinta-feira (5) o presidente cubano Miguel Díaz-Canel abordou o tema em seu podcast semanal, sob o título de Medidas da ETECSA: análise crítica. Ao lado de autoridades do Ministério das Comunicações e da própria ETECSA, ele apresentou uma longa reflexão sobre os motivos da decisão e sua relação com as prioridades nacionais atuais.
Díaz-Canel – ecoando os protestos populares – também criticou a forma como a medida foi tomada e comunicada. Logo no início de sua fala, afirmou que, “por respeito ao povo”, o governo precisa reconhecer “onde errou” ao formular ou anunciar as medidas, comprometendo-se a “informar com total transparência as decisões adotadas e os possíveis ajustes”.
Ele explicou que o sistema nacional de telecomunicações enfrenta uma situação crítica e que, sem ajustes na arrecadação, a sustentabilidade do serviço estaria ameaçada. “Abrir mão dessas medidas seria abrir mão de receitas essenciais, o que aceleraria o colapso iminente do serviço”, declarou.
O aumento das tarifas ocorreu justamente no momento em que Cuba tinha passado a priorizar a ampliação da conectividade. Como parte do processo de informatização do país, o tráfego de dados cresceu exponencialmente nos últimos cinco anos: o país passou de uma conectividade móvel quase nula para um consumo médio de 9 GB por pessoa. Esse crescimento acelerado coincidiu com uma forte queda – em dólares – no preço do serviço desde 2021, em função das diferentes taxas de câmbio vigentes.
O mecanismo de ajuste – alvo principal das críticas – busca conter o consumo de dados e, ao mesmo tempo, atrair divisas estrangeiras, incentivando a compra de pacotes de dados por meio de pagamentos externos.
Díaz-Canel descreveu a medida como um “recuo tático” para “seguir avançando na transformação digital do país”. Informou ainda que as instituições competentes foram orientadas a avaliar propostas alternativas e a permanecer abertas às contribuições da população. O objetivo, segundo ele, é continuar realizando “ajustes” e buscando “soluções” frente às insatisfações, especialmente entre os universitários.
O presidente destacou que os membros do governo socialista devem assumir “a responsabilidade que temos como servidores públicos”. Defendeu que os gestores devem “servir, escutar e ser sensíveis aos problemas do povo”, sublinhando que um dos pilares do poder popular cubano é garantir a “participação cidadã nos processos decisórios”.
Ele reafirmou o compromisso com a transparência na gestão dos recursos arrecadados por meio das novas tarifas e garantiu que haverá prestação de contas clara sobre sua destinação. “Queremos explicar com clareza as decisões e os possíveis ajustes, detalhando onde os recursos estão sendo aplicados e quais benefícios trarão”, acrescentou. Segundo ele, a receita será usada para quitar dívidas em infraestrutura tecnológica e garantir os investimentos necessários para a continuidade dos serviços.
Enquanto isso, a presidente da ETECSA, Tania Velázquez, pediu desculpas publicamente pelos impactos das novas tarifas. Apesar disso, defendeu a necessidade da medida: “Não queríamos adotar essa decisão, mas ela se mostrou inevitável”.
“Sabemos que essas mudanças causaram desconforto e prejuízos, especialmente entre jovens e estudantes. Pedimos desculpas a eles e estamos abertos a escutar suas propostas”, concluiu.
Protestos estudantis
Enquanto os anúncios do presidente ainda eram analisados, na sexta-feira (6), representantes estudantis reuniram-se com o Ministro da Educação e propuseram a criação de um Grupo de Trabalho Multidisciplinar, com o objetivo de buscar saídas para a crise gerada pelas novas tarifas.
Em entrevista ao Brasil de Fato, José Almeida, secretário da coordenação da FEU em Havana, defendeu a participação ativa dos estudantes e o debate público, destacando que a participação popular é um dos pilares da cultura política da Revolução.
“Em Cuba, temos uma institucionalidade construída com base em uma longa tradição de participação popular. Tudo o que conquistamos foi forjado junto ao povo – um povo que, por mais de sessenta anos, tem sido protagonista da própria Revolução. Esse é o nosso legado: uma tradição que garante espaços de diálogo e escuta”, afirmou.
“Sempre é possível melhorar, e cabe a nós – especialmente aos jovens – não nos acomodarmos e trabalharmos para aperfeiçoar o que for necessário. É essa a tradição que defendemos: a tradição da Revolução, que precisa ser preservada e fortalecida.”
As ações dos estudantes – que assumiram um papel de liderança – não se limitaram à discussão sobre os pacotes de dados. O debate abriu espaço para reflexões mais amplas sobre o papel das empresas estatais socialistas, como a ETECSA, sobre o pacto social e os direitos nos quais a Revolução se sustenta, além dos mecanismos de participação e crítica dentro do processo decisório.
Desde o anúncio do reajuste, afirma Almeida, os estudantes mantiveram o compromisso de “buscar soluções”, expressando com clareza suas “divergências e reivindicações”.
“Desde então, vários canais de diálogo e consulta foram abertos, e há disposição para avançar na construção de respostas que atendam às nossas demandas. No entanto, alcançar um consenso não é simples: exige escuta, compreensão e, acima de tudo, tempo”, refletiu.
Ao longo da semana, diferentes posições surgiram entre os estudantes. Por meio de cartas redigidas em diversas instituições, expressaram-se opiniões e propostas de novos espaços de debate sobre como dar continuidade às reivindicações.
“É natural que existam diferentes pontos de vista sobre qual é o melhor caminho a seguir”, afirmou Almeida, destacando que os representantes estudantis devem “ouvir todas as vozes”.
“Estamos trabalhando para construir um consenso entre os estudantes ou, se isso não for possível, para garantir que a decisão da maioria seja respeitada”, finalizou. Ao mesmo tempo, alertou para campanhas de desinformação e manipulação que, segundo ele, tentam distorcer o que acontece em Cuba.