Movimentos sociais, sindicais e juvenis entregaram nesta terça-feira (17), ao Ministério da Fazenda (MF), um conjunto de propostas no âmbito econômico que serão encaminhadas à Cúpula de Líderes do Brics, que será realizada no Rio de Janeiro, nos dias 6 e 7 de julho.
A coordenadora de Cooperação Econômica do Brics, Mariana Davi, explica que foram promovidas diversas iniciativas de escuta com representantes da sociedade civil – intelectuais, pesquisadores, movimentos populares e ONGs – sobre o papel do agrupamento na economia global, além um seminário temático realizado em maio na Universidade de Brasília (UnB), realizado em parceria com o Ministério da Fazenda.
“Os conselhos e fóruns constituem iniciativas organizadas que buscam construir incidência em diversas agendas do Brics, entre elas a agenda econômico-financeira. Assim, os documentos constituem uma síntese de recomendações consensuadas pelos membros dos conselhos e fóruns sobre os temas do pilar financeiro do agrupamento. Trata-se de um diálogo fundamental para ouvir as demandas da sociedade civil sobre os mecanismos do bloco e para a construção de estratégias financeiras inclusivas e eficazes”, destacou a servidora do Ministério da Fazenda.
“Como próximo passo, será elaborado um relatório final, que reunirá os principais temas abordados e sistematizará a agenda discutida nesse encontro inédito entre os Ministérios das Finanças, os Bancos Centrais do Brics e a sociedade civil”, explica.
Conselho Civil Popular
O primeiro texto entregue foi formulado pelo Conselho Civil do Brics, e foca em estratégias financeiras para comércio, investimento e governança, propondo a expansão do uso de moedas nacionais e a reforma de instituições financeiras globais.
Entre as iniciativas propostas está a criação da “unidade de supervisão específica” para monitorar empréstimos realizados pelos países membros com organizações financeiras internacionais e uma reforma do sistema de cotas do Fundo Monetário Internacional (FMI).
As entidades propõem ainda uma resolução imediata e abrangente da dívida para todos os países, o que envolve a atuação em organismos multilaterais e uma “reforma dos mecanismos de análise de sustentabilidade da dívida”, além de aumentar a transparência no compartilhamento de dados.
Marco Fernandes é um dos representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Conselho Civil Popular dos Brics e explica que as propostas foram formuladas por grupos de trabalho (GTs), que se organizaram desde o mês de abril deste ano para discutir cada uma das seis prioridades do governo brasileiro: saúde global, comércio, investimentos e finanças, mudanças climáticas, inteligência artificial, paz e segurança, e o desenvolvimento institucional do Brics.
“No total a gente teve 39 organizações participando desse processo. Então, a gente se dividiu nos GTs e cada um foi construindo suas recomendações para serem entregues à presidência brasileira. E o MST teve uma participação muito importante”, destacou Fernandes.
Embora evite especular sobre o encaminhamento concreto das propostas apresentadas, Fernandes avalia que as discussões estão focadas em temas sobre os quais há “um certo nível de consenso”.
Um exemplo é a criação de um sistema de pagamento alternativo ao swift, que facilite o comércio em moedas locais. É uma reivindicação já de alguns anos de vários países do Brics e do Sul Global. Ou o fortalecimento do NDB [Banco do Brics], que precisa contar com mais recursos, inclusive recursos de fundos públicos dos países do Brics, e não somente captar recursos no mercado de capitais. Então eu acho que há uma há um um certo consenso em várias das propostas que estão aparecendo na sociedade civil”, afirma Fernandes, apontando ainda a relevância do esforço da presidência brasileira à frente do bloco para garantir uma maior participação popular.
“Pela primeira vez na história, uma reunião de Sherpas dos Brics abriu uma sessão para ouvir a sociedade civil e lá estivemos nós, do Conselho Popular Civil dos Brics. Então, é louvável essa iniciativa do Brasil e a gente espera que os outros países também levem isso a sério”, destacou.
Fórum Sindical
O segundo texto, apresentado pelo Fórum Sindical do Brics, enfatiza a proteção social, direitos trabalhistas e trabalho decente em todas as políticas do bloco, incluindo a reforma de instituições financeiras e a transição energética justa.
“Apoiamos a facilitação do comércio e do investimento entre os países do Brics, enfatizando a criação de sistemas de pagamento eficientes e interoperáveis. No entanto, ressaltamos a necessidade de que esse processo seja acompanhado por políticas que garantam proteção social, direitos trabalhistas e trabalho decente, de modo a evitar o aprofundamento das desigualdades”, destaca o texto, que defende a “reforma urgente das instituições de Bretton Woods e da OMC [Organização Mundial do Comércio]” e a importância do fortalecimento do Banco do Brics.
O Fórum Sindical do Brics advoga pela tributação de patrimônios “ultra-altos”, como forma de promover justiça fiscal e tributária, além de garantir os recursos necessários para políticas de “combate à pobreza, redução das desigualdades e promoção do emprego pleno e de qualidade”. “Defendemos que os avanços em cibersegurança e automação sejam acompanhados por políticas de formação profissional e fortalecimento da proteção social”, diz o texto.
O documento propõe uma “governança ética e responsável da inteligência artificial e da proteção de dados no setor financeiro”, e pede que o Fórum Sindical seja institucionalizado como “um mecanismo permanente de diálogo social”, entre as organizações da sociedade civil dos países do bloco.
Lourenço Ferreira do Prado, secretário de relações internacionais da União Geral dos Trabalhadores (UGT), que coordenou as atividades do Fórum Sindical, destaca que o encaminhamento das propostas dependerá de fatores geopolíticos que estão se movimentando neste exato momento.
“Na reunião de hoje, por exemplo, não tivemos participação de representantes do Irã, nem do Ministério do Trabalho, nem do Banco Central, porque eles estão em guerra”, destacou Prado. “No documento que entreguei ao Ministério da Fazenda, fiz questão de destacar que nenhuma justiça social pode existir em condições de guerra, que a construção de uma ordem internacional democrática e multipolar requer um compromisso com a paz e a cooperação baseada na solidariedade”, afirmou o sindicalista.
Adicionalmente, o Fórum Sindical apresenta uma série de recomendações, sobretudo relacionadas ao trabalho decente, à igualdade de oportunidades para mulheres e na construção de uma ordem democrática multipolar.
Juventude nos Brics
Por fim, o terceiro documento, da Juventude Brics, argumenta que o engajamento e o investimento na juventude são cruciais para o futuro do bloco, defendendo políticas que promovam emprego, formação e oportunidades para os jovens. Juntos, os textos demonstram um esforço coordenado para influenciar as diretrizes econômicas, sociais e intergeracionais do Brics.
“Os países do Brics representam 42% da população mundial. E uma parcela significativa dessa população é jovem. Milhões de jovens trazem energia, criatividade e compromisso para um mundo mais equitativo e sustentável. Por isso, é imperativo reconhecer: não há futuro para o Brics sem a juventude”, inicia o documento entregue ao MF.

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
As entidades de juventude defendem que sejam incluídos no debate de alto nível do bloco temas como o emprego juvenil, a formação técnica e política e a geração de oportunidades. “Quando o Brics investe na juventude, ele está investindo em seu próprio futuro: um futuro com mais empregos, mais conhecimento, mais renda, mais sustentabilidade e mais soberania”.
O texto destaca que “os jovens têm um papel decisivo na construção de pontes culturais entre os países membros e seus povos” e defende a ampliação dos programas de intercâmbio, cooperação acadêmica, projetos de voluntariado e ações de diplomacia pública.
“Precisamos de políticas públicas para a juventude em nossos países, financiamento estruturado tanto em nível nacional quanto internacional, dados confiáveis e intercâmbio de melhores práticas. (…) defendemos que estruturas do Brics, como o Novo Banco de Desenvolvimento, contribuam para explorar a expansão do financiamento de projetos juvenis e políticas públicas para jovens”, diz o texto.
Nilson Florentino, diretor de Políticas Públicas Transversais da Secretaria de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência, explica que a agenda da juventude do Brics foi deliberada em 2014, e se reuniu pela primeira vez já em 2015. Já o conselho, foi instaurado em 2023, garantindo, a partir de então, a participação dos jovens nas discussões prioritárias do bloco.
“Nesse diálogo, defendemos a importância da criação de linhas específicas de financiamento, seja a partir das agências de cooperação dos países, seja a partir do próprio Banco do Brics, e que se crie linhas específicas voltadas para a juventude. Hoje a gente vê investimentos nas áreas de infraestrutura, o que é importante, pois consideramos que isso impacta juventudes, mas é muito importante também que nós consigamos construir, no âmbito do bloco, financiamento conjunto de políticas estruturantes que tenham um recorte específico voltado para a juventude”, afirma Florentino.
“Acredito que a realização da atividade pelo Ministério da Fazenda foi muito importante, pois normalmente cada pauta fica no seu quadradinho e a gente não consegue ter contato com exatamente quem auxilia os líderes na orientação sobre para onde vão os financiamentos”, destaca.
O post Participação popular: sociedade civil entrega propostas aos chefes de Estado do Brics apareceu primeiro em Brasil de Fato.