
Mulheres ao redor do mundo descrevem anos de dor devido a uma condição na vulva que os médicos tiveram dificuldade em diagnosticar. Clare teve sintomas por cerca de 38 anos antes de ser diagnosticada com líquen escleroso vulvar
Arquivo Pessoal/BBC
“Eu simplesmente achava que todas as mulheres tinham coceira”, diz Clare Baumhauer.
A inglesa de 52 anos conta que tinha cerca de cinco anos quando sentiu coceira na vulva — a parte externa do órgão genital — pela primeira vez.
“Eu sentia coceira o tempo todo, ficava muito dolorida, tinha bolhas de sangue, fissuras, doía para ir ao banheiro”, ela explica, dizendo que muitas vezes era difícil sentar ou andar.
Ao longo de décadas, ela consultou muitos médicos que disseram que ela tinha cistite ou outras infecções, como candidíase, mas nenhum dos tratamentos indicados funcionou.
Ela também foi examinada por parteiras quando deu à luz seus dois filhos, e foi submetida a exames de colo do útero — também conhecidos como Papanicolau — oito vezes, que nunca revelaram nada de anormal.
Foi somente em 2016, aos 43 anos, quando ela foi ao médico por causa de uma lesão na pele, que uma amostra do seu tecido corporal foi coletada e analisada. O exame revelou que ela tinha líquen escleroso vulvar.
A doença de pele — que os especialistas acreditam ser subnotificada e diagnosticada erroneamente ao redor do mundo — pode causar placas brancas na pele da vulva, coceira, cicatrizes e alterações anatômicas que podem fazer com que a vulva encolha ou enrijeça, causando desconforto ao urinar, evacuar e ter relações sexuais.
A condição afeta mulheres de todas as idades, mas é mais comum acima de 50 anos, e pode aumentar o risco de desenvolver câncer de vulva, embora os médicos afirmem que, em geral, esse risco permanece baixo.
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Clare descobriu que, além do encolhimento dos lábios e da fusão do clitóris com a pele ao redor, ela havia desenvolvido câncer de vulva.
“Fiquei com raiva por causa de todas as oportunidades perdidas de fazer um diagnóstico precoce do líquen escleroso”, diz ela.
‘Tinha vergonha’
Foi somente após o diagnóstico de líquen escleroso e de câncer que ela contou ao marido sobre o que havia passado praticamente a vida inteira.
“Eu não falava nada porque tinha vergonha de sentir coceira e dor, e tinha que inventar desculpas porque o sexo era doloroso. Eu não sabia o que tinha, então não conseguia falar sobre isso”, afirma.
“Ele sabia que eu tinha ido ao médico e que tinha recebido um tratamento para candidíase, então ele simplesmente presumiu que eu tinha candidíase crônica.”
Clare, que agora administra um grupo de apoio online para mulheres do mundo todo, diz que as mulheres com líquen escleroso tendem a não falar sobre seus sintomas.
“É difícil, o tabu ainda existe”, ela afirma. “Não falamos abertamente sobre sexo, nem sobre a vulva ou a vagina. Não há conscientização suficiente sobre isso.”
Debbie Roepe, diretora da International Society for the Study of Vulvovaginal Disease (ISSVD) —- uma organização sem fins lucrativos — diz que o líquen escleroso vulvar é subnotificado em todo o mundo.
Ela acredita que a conscientização melhorou nos últimos anos, mas ainda é preciso fazer mais.
‘Noites em claro’
Assim como Clare, Meenakshi Choksi, de 85 anos, do Estado de Gujarat, no oeste da Índia, ficou envergonhada quando sentiu uma coceira na vulva pela primeira vez em 2000. Ela começou a desenvolver fissuras e a sangrar.
“Eu tinha vergonha de falar sobre isso. Estava passando noites em claro”, diz ela.
Meenakshi contou que no início tinha vergonha de falar sobre seus sintomas
Arquivo Pessoal/BBC
Foram necessários 24 anos e 13 médicos para obter um diagnóstico. Finalmente, no ano passado, um dermatologista disse que ela tinha líquen escleroso vulvar, e receitou um tratamento que aliviou os sintomas em poucos dias.
“Recuperei minha força. Tenho uma vida nova para viver”, diz ela.
Os médicos afirmam que o líquen escleroso não tem cura, mas o uso de uma pomada esteroide geralmente ajuda a aliviar os sintomas.
A causa da doença é desconhecida, e os especialistas acreditam que ela possa ser causada pelo sistema imunológico — a defesa do corpo contra infecções —, que ataca e danifica a pele por engano.
Ela não é causada por uma infecção ou falta de higiene pessoal — e não é contagiosa, o que significa que não pode ser transmitida a outras pessoas por meio de contato próximo ou relações sexuais.
‘Diagnosticada por acaso’
Mas nem todas as mulheres apresentam todos os sintomas.
Lúcia (nome fictício) diz que nunca sentiu coceira na região da vulva, e que só foi diagnosticada com líquen escleroso vulvar “por acaso”.
A brasileira de 50 anos, do Rio de Janeiro, conta que fez consultas de check-up anuais com o mesmo ginecologista por 25 anos consecutivos, e que nenhum problema foi detectado.
Só quando ela foi consultar uma amiga, que é dermatologista, por causa de outro problema na região da virilha, que ela foi informada de que sua vulva parecia diferente.
“Os pequenos lábios estão fundidos com os grandes lábios. A vulva é como se estivesse fundida perto do clitóris”, ela explica.
‘Não saio por aí olhando para a vulva de outras pessoas’
Lúcia diz que esse é o formato da sua vulva desde que consegue se lembrar, mas nunca pensou que isso fosse um problema.
“Eu não saio por aí olhando para a vulva de outras pessoas, então, para mim, era tudo normal”, acrescenta.
A dermatologista imediatamente fez uma biópsia, e os resultados confirmaram que ela tinha líquen escleroso vulvar.
“No começo, fiquei assustada”, diz ela, mas o diagnóstico explicou muita coisa.
Sua pele sempre ficava muito irritada e sensível após as relações sexuais.
“Eu costumava mencionar isso ao ginecologista anterior, mas a resposta dele sempre foi que eu tinha uma vulva muito apertada”, relata. “Mas agora aprendi que ela é apertada por causa da fusão.”
Lúcia afirma que quando contou ao ginecologista sobre o diagnóstico, ele ficou “envergonhado”, e disse que “nunca teria suspeitado”, pois “nunca havia diagnosticado isso em ninguém antes”.
“Acho que esse é o ponto principal: a falta de conhecimento entre a comunidade médica. Como paciente, você não espera isso”, avalia Lúcia.
Falta de conhecimento
Um novo estudo conduzido por especialistas da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, mostrou que a falta de conhecimento está impedindo alguns médicos de diagnosticar a doença.
A principal autora do estudo, Louise Clarke, que também é médica, afirma que isso não significa necessariamente que os médicos não saibam o que é o líquen escleroso vulvar, mas que eles têm dificuldade de identificar a condição.
Quando entrevistados para a pesquisa, alguns clínicos gerais e médicos em formação explicaram que havia uma falta de critérios claros de diagnóstico, e que as pacientes muitas vezes tinham vergonha de falar sobre suas vulvas.
liquen escleroso vulvar
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A pesquisa dela também constatou que 38% dos 122 médicos que responderam à pesquisa relataram que nunca haviam sido ensinados especificamente sobre doenças da pele vulvar.
Ela explica que, embora para outras condições existam calculadoras e critérios claros que ajudam os médicos a fazer um diagnóstico, não há nada disso para o líquen escleroso vulvar.
“Portanto, há sempre um pouco de subjetividade. Você meio que depende da experiência ou da opinião dos médicos para diagnosticar o líquen escleroso vulvar”, afirma.
Clarke e sua equipe estão agora trabalhando para identificar os critérios de diagnóstico, mas ela diz que ainda é difícil estimar a prevalência global da doença, pois não há estudos em grande escala.
“Essa tem sido uma área de pesquisa um pouco negligenciada”, ela observa. “É provável que muitas mulheres andem por aí sem diagnóstico, com coceira na vulva, sem saber o que há de errado com elas.”
Clare, que diz que seu grupo de apoio tem cerca de 13 mil membros, afirma que não há evidência de câncer em seu corpo no momento, mas ela é examinada regularmente.
Enquanto isso, Meenakshi faz um apelo às mulheres para que procurem ajuda.
“Não tenham medo ou receio de compartilhar esse problema”, diz ela. “Não se escondam.”