
Com o avanço da tecnologia e o uso constante de telas, escrever à mão tem se tornado cada vez mais raro. Celulares, tablets e computadores passaram a ser os principais meios de comunicação e produção de texto. Essa mudança de hábito levanta preocupações entre especialistas em saúde mental, desenvolvimento cognitivo e educação.
Como o cérebro responde a essa ausência da prática da escrita manual? Quais os efeitos em crianças em fase de alfabetização, jovens e adultos? Para entender mais sobre os efeitos da falta de escrita à mão, conversamos com a psicóloga Jamille dos Anjos. Ela destaca que as tecnologias trazem muitos benefícios para o nosso dia a dia, mas alerta que elas não devem colocar a escrita à mão em desuso.
“O uso da tecnologia traz muitos benefícios, agiliza os processos, otimiza a qualidade do que a gente tem para fazer no dia a dia. Mas quando a gente para para pensar na função da escrita, ela serve como um grande exercício para o cérebro: de analisar, criticar e absorver do ponto de vista da memória. Então, quando eu escrevo sobre algo, eu reflito sobre aquilo e exercito, do ponto de vista físico, o movimento da escrita, que vai ser um estímulo para o meu cérebro a absorver, memorizar melhor e focar”, afirmou a psicóloga ao Acorda Cidade.

Como consequência, a psicóloga destaca que a sociedade, especialmente os mais jovens, tem tido maior dificuldade para ativar as áreas do cérebro que ajudam a memorizar, resolver problemas e otimizar a capacidade cognitiva.
Impactos do uso das tecnologias na alfabetização
No processo de alfabetização, o impacto da tecnologia tem sido enorme, conforme afirmou Jamille dos Anjos. Segundo ela, já existem estudos voltados para a questão da motricidade, indicando que o formato e o posicionamento dos dedos das crianças já estão sofrendo alterações pela maneira como elas seguram celulares e tablets.
“Desde cedo, as crianças já começam a fazer movimentos apenas de passar o dedo e clicar. Quando vamos para a escrita, acabam perdendo funcionalidades. O movimento da escrita cursiva é um movimento que reproduzimos em outros momentos sem perceber, como amarrar um cadarço, por exemplo. Consequentemente, se não faço o movimento de escrita, absorvo menos a aquisição do aprendizado”, afirmou a psicóloga ao Acorda Cidade.
Desuso da escrita
O desuso da escrita à mão, com o passar dos anos, impacta diretamente na qualidade da própria escrita. A psicóloga Jamille dos Anjos exemplificou com outras atividades, como andar de bicicleta.
“A gente fala que quem aprende a andar de bicicleta nunca esquece, mas se fico muito tempo sem andar de bicicleta, quando volto, não faço com a mesma destreza. A mesma coisa acontece com a escrita. Se a gente apenas digita, e principalmente se copia e cola o tempo inteiro, acabamos não desenvolvendo um discurso próprio, perdendo a capacidade de interligar ideias. Já quando escrevemos à mão, vamos raciocinando, criando, recriando, aprimorando nossa capacidade argumentativa e crítica, que são tão importantes para desenvolver um texto coeso, com sentido e qualidade”, destacou.
Ela acrescentou ainda que a escrita à mão desenvolve a capacidade motora, a atenção, o senso visual e a memória. Desse modo, Jamille analisa que a escrita é um grande exercício para múltiplas áreas e que contribui para o aprimoramento da capacidade cognitiva.
Ansiedade
A psicóloga também analisou a forma como as pessoas lidam com as tecnologias, especialmente as redes sociais e a Inteligência Artificial (IA), e os efeitos da falta da prática de escrever à mão. Ela ressaltou que o imediatismo promovido pelas tecnologias gera ansiedade e frustração.
“Se eu reduzo a escrita e a associo ao imediatismo que as tecnologias trazem para a nossa sociedade, eu deixo de me exercitar e acabo sempre acelerando, o que alimenta a ansiedade. Escrever ajuda a processar emoções; inclusive no contexto clínico, a escrita tem um papel terapêutico, pois leva à reflexão. É o momento de tirar uma ideia de sua mente, colocar no papel, pensar sobre ela e refletir novamente ao relê-la.”
Por fim, Jamille dos Anjos ressaltou que as pessoas podem continuar utilizando as tecnologias e usufruindo dos benefícios que elas trazem, mas devem introduzir no dia a dia momentos dedicados à escrita à mão, nem que seja para refletir ou escrever sobre pelo que é grato no dia a dia.
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