A 17ª Cúpula do Brics chega ao seu último dia nesta segunda-feira (7), no Rio de Janeiro (RJ), com expectativa para o lançamento de uma declaração sobre financiamento climático e a criação da Parceria Brics para Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas. No domingo (6), os chefes de Estado dos países-membros elevaram o tom contra o sistema financeiro global e cobraram uma nova arquitetura internacional mais justa, plural e centrada no Sul Global.
Reunidos pela primeira vez com 11 membros permanentes, os líderes do bloco aprovaram a “Declaração do Rio de Janeiro”, que condena as sanções unilaterais, propõe a reforma das instituições de Bretton Woods e defende a criação de alternativas ao dólar e ao sistema SWIFT.
Em uma de suas falas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que as atuais estruturas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) sustentam “um Plano Marshall às avessas”, no qual os países em desenvolvimento financiam os mais ricos. “O modelo neoliberal aprofunda as desigualdades.”
Para Marta Fernández, coordenadora do Brics Policy Center, a declaração final da cúpula cumpriu o objetivo brasileiro de protagonizar uma agenda propositiva. “Foi uma declaração cautelosa, que buscou não tocar no calcanhar de Aquiles dos Estados Unidos, mas, ao mesmo tempo, muito enfática na defesa da soberania, da integridade territorial do Irã e da solução de dois Estados para a Palestina”, avaliou.
Segundo ela, o texto reconhece o déficit democrático das instituições internacionais e reforça a centralidade da ONU como “organização multilateral por excelência”.
Para Fernández, o Brics buscou um ponto de equilíbrio entre o enfrentamento simbólico ao Norte Global e a construção de consensos. “Os países do bloco estão negociando acordos com os Estados Unidos, então evitaram uma retórica frontal. Mas o texto é contundente ao reivindicar soberania, justiça fiscal e reformas multilaterais”, avaliou.
A situação na Palestina também foi destaque nas falas e documentos do primeiro dia. A declaração final do Brics exige cessar-fogo imediato, incondicional e permanente em Gaza, e denuncia o uso da fome como arma de guerra por parte de Israel. O bloco defende a criação de um Estado palestino soberano, com Jerusalém Oriental como capital, e manifesta apoio à ação em curso na Corte Internacional de Justiça que investiga crimes de genocídio.
Esta edição da cúpula foi marcada por uma novidade histórica: pela primeira vez, movimentos populares tiveram voz em uma plenária oficial do Brics. Representantes do recém-criado Conselho Civil apresentaram aos chefes de Estado um documento com propostas nas áreas de saúde, educação, soberania digital e finanças.
Brics endossa ruptura com ordem financeira e cobra justiça fiscal
O primeiro dia da cúpula aprofundou o diagnóstico de que o sistema financeiro internacional se baseia em desigualdades. Em resposta, os países do bloco formalizaram a Iniciativa de Pagamentos Transfronteiriços do Brics, que visa a criação de uma rede própria de transações, menos dependente do dólar e fora do alcance de sanções unilaterais. O documento final também defende o fortalecimento do uso de moedas locais no comércio entre os países-membros.
A declaração dos líderes reitera o apoio à reforma das cotas de poder no FMI e à ampliação do papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff. O banco é apontado como plataforma estratégica para o financiamento em moeda local e para a oferta de garantias multilaterais em projetos de infraestrutura.
No campo da justiça fiscal, o Brics apoiou a criação de uma convenção tributária global sob a ONU e saudou a proposta brasileira de taxação dos super-ricos. “Três mil bilionários ganharam US$ 6,5 trilhões desde 2015”, apontou Lula ao defender justiça tributária.
Marta Fernández também destaca que a declaração final chamou atenção para a necessidade de redirecionar recursos militares para áreas como saúde, meio ambiente e combate às desigualdades. “O tema da desigualdade aparece com muita força, seja ao tratar das doenças socialmente determinadas, da segurança alimentar ou da exclusão digital. É uma tentativa de responder a problemas concretos, com foco nas populações vulnerabilizadas.”
Inteligência artificial e soberania digital entram na pauta do bloco
Os países também lançaram a Declaração sobre a Governança da Inteligência Artificial, com foco em regulação multilateral, soberania digital e combate à concentração de dados. Lula alertou que o desenvolvimento da IA não pode se tornar “instrumento de manipulação nas mãos de bilionários”, e defendeu que a ONU tenha papel central nas discussões sobre o tema.
A declaração propõe regras internacionais para garantir acesso equitativo às tecnologias e medidas de cibersegurança. O bloco também manifestou apoio à criação de instrumentos próprios de conectividade, como cabos submarinos entre os países-membros, para assegurar soberania no tráfego de dados.
Clima e saúde encerram a cúpula com foco na implementação
A agenda desta segunda-feira (7) terá como foco as mudanças climáticas, a saúde global e os mecanismos de financiamento para países em desenvolvimento. A expectativa é pela adoção de uma declaração conjunta sobre financiamento climático, articulada pelo Brasil, e pela criação de uma parceria voltada à eliminação de doenças socialmente determinadas.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou neste domingo que o Brasil está comprometido com a transição energética, apesar das contradições entre as metas climáticas e os investimentos em petróleo. “Estamos dispostos a superar essas contradições”, disse. Ela também destacou que o país conseguiu reduzir o desmatamento em 46% na Amazônia e reiterou a meta de zerá-lo até 2030.
A presidência brasileira aposta em fazer da COP30, marcada para novembro em Belém (PA), a “COP da implementação”, com compromissos financeiros robustos e metas ambiciosas. Representantes de China, Etiópia, Vietnã e Emirados Árabes já confirmaram presença.
Sociedade civil tem voz inédita na cúpula e propõe ruptura com modelo ocidental
Um dos momentos simbólicos do primeiro dia foi a participação do Conselho Civil do Brics, formado por representantes de movimentos populares, universidades e entidades da sociedade civil. João Pedro Stedile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi um dos porta-vozes do grupo.
“Vivemos uma grave crise de governança ocidental, que exige esforços de todos para criarmos mecanismos novos de cooperação internacional, se quisermos salvar a civilização humana”, afirmou Stedile durante a plenária.
O dirigente também defendeu a ruptura com a dependência do dólar: “Apoiamos a adoção de mecanismos alternativos de pagamento, para deixarmos de ser reféns do uso do dólar”. Em outro trecho, destacou a urgência de enfrentar a desigualdade: “É preciso controlar os capitais especulativos nos paraísos fiscais para combater a pobreza, a fome e a desigualdade social”.
O Conselho também propôs que o NDB crie linhas específicas para financiar projetos sociais apresentados por organizações populares. Além disso, sugeriu que o bloco invista na criação de uma big tech pública, acessível aos países do Sul Global, como alternativa ao domínio das plataformas privadas.
Por fim, Stedile expressou apoio à entrada de novos países no Brics e reforçou a defesa do povo palestino. “Devemos empreender todos os esforços para salvar o povo palestino do genocídio”, concluiu.
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