
Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, foi morto na Estrada Ecoturística de Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, na sexta (4). O PM responde em liberdade. Guilherme Souza Dias, que foi morto por PM após sair do trabalho na Zona Sul de SP
Reprodução/redes sociais
A viúva do jovem de 26 anos morto por engano por um policial militar após sair de mais um dia de trabalho diz que ele foi assassinado a “sangue-frio” e pelas costas por ser negro. Guilherme Dias Santos Ferreira carregava na mochila apenas uma marmita, talheres, um livro e a roupa de trabalho.
O rapaz que trabalhava como marceneiro estava chegando no ponto de ônibus quando foi atingido por um disparo na cabeça na noite de sexta-feira (4). O crime aconteceu em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo.
Só porque é um jovem negro, preto e estava correndo para pegar o ônibus, [ele] atirou. O que é isso? Que mundo é esse? Era o único jovem preto que estava no meio [do ponto] e foi atingido. A gente quer esse policial na cadeia, ele tem que pagar. Está solto, pagou a fiança que para ele não é nada.
Já o PM afirmou que pilotava uma moto pela Estrada Ecoturística de Parelheiros quando foi abordado por suspeitos armados que tentaram roubar sua moto. Ele reagiu com disparos e, durante a confusão, Guilherme foi baleado e morreu no local. (Leia mais abaixo.)
Há três anos Guilherme trabalhava como marceneiro com a fabricação de camas e baús. Ele estava no segundo dia de trabalho após retornar das férias. Segundo a família, ele fazia diariamente o trajeto em que foi assassinado.
Pouco antes do crime, ele avisou a esposa que já estava indo embora. “Deu 22h e eu dormi, e do nada acordei às 2h. Olhei meu WhatsApp e tinha mensagem dele: ‘estou indo embora’ às 22h38. [Era] Duas e meia da manhã e ele não tinha chegado. Ele nunca foi de chegar tarde em casa, sempre chegou no horário. Se ocorresse alguma coisa, ele me avisava”, contou.
Foi o cunhado quem encontrou o corpo de Guilherme na rua. “Ele estava lá jogado, não pudemos chegar perto do corpo dele, corpo ficou até umas 7h. O povo falando que era bandido, estava o pessoal examinando o local, sem entender o que tinha acontecido”, disse a esposa.
‘Um homem de Deus’
Homem de Deus, bom filho, bom esposo e trabalhador. Essa é a memória e o legado deixado por Guilherme, segundo a família.
“Nunca se envolveu com nada, era do serviço para casa, da casa para igreja e da igreja para o serviço. Era sempre assim, estava na casa dos pais ou em casa. Ele não é isso o que o povo está falando”, desabafou a esposa.
Guilherme e Sthephanie estavam juntos há um ano e 11 meses e também tinham o sonho de ter filhos. “O sonho dele era ser pai. A gente estava fazendo tratamento para poder gerar um filho”, contou a mulher.
O casal também tinha como plano reforma a casa e viajar em agosto para comemorar dois anos de casado. “Ele estava pagando o carro dele, tirando a carteira de motorista e ia começar as aulas práticas. Também estava pretendendo um emprego melhor para sair mais cedo e receber melhor.”
Versão da polícia
Na sexta, o policial militar foi preso em flagrante ao matar Guilherme por engano, porém foi solto após o pagamento de uma fiança de R$ 5.600. Ele responde em liberdade por homicídio culposo (quando não há intenção de matar).
Segundo o boletim de ocorrência registrado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), após sofrer a tentativa de assalto, ele atirou em Guilherme, acreditando ser um dos suspeitos.
Uma mulher de 26 anos que passava pelo local também foi atingida por um disparo e socorrida. No boletim, não há informações sobre o estado de saúde dela.
Ainda segundo o BO, três motos foram apreendidas, e outro homem, que trabalha na mesma empresa em que Guilherme e também saía do trabalho, foi detido, mas liberado após prestar depoimento.
Homem morto por PM registra ponto no trabalho após finalizar jornada
Testemunhas e colegas de trabalho afirmam que a vítima saiu do trabalho às 22h28 — cerca de sete minutos antes do crime, ocorrido às 22h35. Um funcionário da empresa onde ele trabalhava apresentou imagens com registro do ponto eletrônico que confirmam o horário de saída (vídeo acima).
O próprio Guilherme havia publicado no Status do WhatsApp foto do relógio de ponto à saída do trabalho (veja abaixo).
Status publicado por Guilherme Souza Dias em seu WhatsApp minutos antes de ser morto por PM
Arquivo pessoal
Na versão atualizada do BO, após contato de amigos de Guilherme com a Polícia Civil apresentarem indícios de que ele estava saindo do trabalho na hora da ocorrência, ele deixou de ser classificado como “envolvido” e passou a ser considerado “vítima”.
A Polícia Civil afirma que, com base nas provas iniciais, “Guilherme não seria um dos criminosos e se aproximava com relativa pressa para se dirigir ao ponto de ônibus, situado cerca de 50 metros do local onde foi atingido”.
O BO informa que o PM “provavelmente acreditou que se tratava de um dos criminosos que o haviam abordado” e que o policial deve ter agido por erro de “percepção”, o que afasta a hipótese de legítima defesa. Por isso, foi autuado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A arma usada — uma pistola Glock calibre .40 pertencente à Polícia Militar — foi apreendida.
A investigação segue com apoio da perícia técnica, que vai analisar os estojos de munição recolhidos no local e demais evidências.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que “um policial militar de 35 anos foi preso em flagrante na noite de sexta-feira (4) após atirar e matar um homem de 26 anos na Estrada Ecoturística de Parelheiros, na zona sul de São Paulo. O PM reagiu a uma tentativa de roubo praticada por um grupo de motociclistas efetuando disparos para dispersar os suspeitos. Na sequência, ainda no local, o policial viu um homem se aproximando e atirou novamente. O homem, no entanto, não tinha relação com a ocorrência”.
Ainda de acordo com o comunicado, “o policial foi autuado por homicídio culposo, pagou fiança estabelecida nos termos do artigo 322 do Código de Processo Penal (CPP), e responderá ao processo em liberdade. O caso é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e a Polícia Militar acompanha o inquérito”.