Flávio Cirilo: “O usuário tem que falar com gente, não com robô”

Flávio Cirilo acredita que as lições do mercado capixaba de planos de saúde ajudam a Qualisaude a ganhar mercado em todo o Brasil. Crédito: Reprodução de TV

Um mercado que tem mais ou menos 1,3 milhão de clientes aqui no Espírito Santo. Segundo a ANS, esse é o número de pessoas com planos de saúde no Estado, um dos que mais tem clientes de planos no Brasil. É muita gente, considerando que a população capixaba não chega a 4 milhões de habitantes.

A taxa de cobertura do Estado é de 33%, a quarta melhor do país. Em 20 anos, aumentou 20%. Vitória tem a maior taxa de cobertura de planos de saúde do país. Nesse sentido, 61% da população da capital têm plano de saúde. O mercado aponta que esse aumento de cobertura se deve principalmente ao advento dos planos coletivos. E é nesses casos que as administradoras de benefícios ganham protagonismo. 

Flávio Cirilo é o CEO da Qualisaude, uma dessas empresas que nasceu aqui no Estado e ganha protagonismo também em outros estados do Brasil. Principalmente com o contrato recém firmado com a Hapvida, o que impulsiona a empresa capixaba para uma presença em 18 estados a partir deste mês de julho.

O Flávio tem mais de 25 anos de experiência em empresas de saúde e administração de benefícios. E a Qualisaude deu uma verdadeira guinada em 2024. Vinha de prejuízo de R$ 2,6 milhões no ano anterior e registrou lucro de R$ 2,4 milhões no ano passado. 

Veja abaixo a entrevista com Flávio Cirilo:

Como foi alcançar esse retorno positivo?

A gente tem muitos anos, são 25 anos nessa área, e você vai aprendendo algumas particularidades do negócio, os atalhos. Nosso negócio é muito específico. A administradora de benefícios nasceu para contornar um problema que a agência tinha com os contratos coletivos. 

Antes, você tinha contratos coletivos abertos, mas sem uma análise do perfil do público. Isso gerava distorções nos reajustes. A ANS criou as administradoras justamente para resolver isso, separando os perfis em “caixinhas”. A gente voltou nossa atenção para o produto e usamos uma métrica simples, mas muito eficaz: os quatro P’s do marketing (produto, preço, praça (ou distribuição) e promoção) e o V de vendedor.

Como isso foi aplicado na prática?

Você tem que focar no consultor, dar melhores condições para ele e criar um produto transparente. Um dos principais pontos é a coparticipação com teto. O cliente precisa saber o valor máximo que pode pagar. 

Se ele sabe que vai pagar, no máximo, R$ 200 ou R$ 300 por mês em coparticipação, isso dá segurança. Além disso, o produto precisa ter uma diferença de preço entre o plano individual e o empresarial, mas que ainda seja atrativo. 

Do mesmo modo é essencial uma boa rede. Aqui na Grande Vitória, a gente moldou um produto junto com a Athena Saúde que atende toda a região metropolitana. Optamos por seguir com a marca São Bernardo por conta de um histórico com a família do Dr. Walter, ex-proprietário da operadora.

E o papel do vendedor do plano de saúde?

Há uma média histórica: um consultor costuma vender cinco “vidas” por mês, principalmente quando ele não se dedica exclusivamente a isso. Já o corretor celetista pode vender até 20 “vidas” por mês. Então, nossa métrica é simples: pega a meta e divide por cinco. Se a meta for 100 vidas, precisamos de 20 pessoas vendendo. 

Investimos R$ 13 milhões na área de vendas em 2023 – em formação, campanhas, marketing, mídia out of home, mas pouca coisa no Instagram, para não concorrer com o corretor.

Qual o resultado para a Qualisaude?

Tivemos uma média de venda de 2.500 vidas por mês. Como a carteira estava crescendo, a taxa de exclusão era baixa. A exclusão começa a aparecer no primeiro reajuste, depois de um ano, por conta de mudanças nas faixas etárias, mas ainda assim gira em torno de 1,5% a 2%. Esse crescimento foi muito baseado na aplicação rigorosa da nossa metodologia.

O ES já é um dos estados com maior cobertura de plano de saúde. Não é um mercado saturado?

Sim. O Espírito Santo disputa com São Paulo e Rio de Janeiro. Estamos empatados com Brasília. Tudo isso proporcionalmente, claro. A capital, Vitória, tem 61% de taxa de cobertura – a maior do Brasil. Isso se deve a características locais, como os planos de convenção coletiva, em que o funcionário adquire um plano mais completo por uma diferença pequena. 

Muitas migrações de operadoras acontecem por causa de reajustes sucessivos. A gente lança um produto novo, mais atrativo, com uma rede melhor e preço mais competitivo. Nesse sentido o usuário migra. 

O mercado aqui é super concorrido, o ecossistema de saúde é muito agitado.

A Qualisaude pretende ficar apenas no ES?

Não. Na administradora de benefícios, não dá para ter só uma praça. É importante diversificar, mas com foco. Em cada praça, preferimos ser mono bandeira, trabalhar com uma só operadora. Aqui no ES, é a São Bernardo/Samp. 

Nosso plano inicial para 2024 era atuar em seis estados. Já abrimos quatro: São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Sergipe. Nessas praças, trabalhamos com operadoras menores ou mais novas, que nos permitiram participar da criação dos produtos.

E como surgiu a chance de atuar em 18 estados?

Foi um contrato concretizado no dia 1º de junho. A Qualisaude passou a atender beneficiários do setor público em parceria com a maior operadora do país hoje: a Hapvida Notre Dame. É um contrato coletivo por adesão. 

Conseguimos isso por conta do trabalho que já tínhamos feito na GEAP, uma operadora de autogestão para servidores públicos. Fomos indicados, participamos de uma espécie de concorrência e vencemos. Para uma administradora 100% capixaba, isso é uma conquista enorme.

Essa expansão significa abrir unidades em todos?

Ainda não neste ano. Fizemos um mapeamento das principais praças. Nessas, vamos lançar primeiro, especialmente onde há mais corretores e servidores públicos. Nas demais, só em 2026. 

Por enquanto, estamos fazendo tudo por telefone e vídeo, com uma equipe dedicada à Hapvida. Porém é essencial estar presente fisicamente. Tanto para os corretores quanto para os beneficiários.

Como fica a estrutura para sustentar essa expansão?

O back-office não cresce na mesma proporção da venda. Você consegue atender o dobro de vidas com pouca variação de estrutura. Porém, precisa estar próximo do corretor, senão a venda não acontece. 

Até 2026, a ideia é ter presença física nos 18 estados. 

Qual a previsão de investimento para 2025?

Inicialmente, R$ 15 milhões. Com o contrato da Hapvida, o cenário mudou. Agora trabalhamos com três cenários. Um conservador em que podemos manter os R$ 15 milhões e crescer devagar. Outro moderado em que podemos utilizar R$ 22 milhões com caixa próprio da companhia. E outro mais agressivo em podemos  investir R$ 40 milhões e captar recursos para acelerar.

Qual cenário vocês vão adotar?

Temos caixa para investir R$ 22 milhões. Vamos fazer campanhas de venda consistentes, sem comprometer o equilíbrio financeiro. Não temos dívidas hoje e não queremos contrair. 

O cenário fiscal do país é incerto. É importante manter um ritmo de crescimento que atenda à operadora, à entidade que nos contratou e aos parceiros atuais como a Athena, Aurora, ECB, entre outras.

O que a operação no ES ensinou à Qualisaude que pode ser aplicado nacionalmente?

O Espírito Santo é um estado extremamente aquecido na área da saúde. A gente está competindo de igual para igual com Rio de Janeiro e São Paulo em termos percentuais. O ambiente aqui é extremamente competitivo e isso nos faz crescer. 

Quando fomos para São Paulo, por exemplo, já estávamos preparados. Em Belo Horizonte, somos hoje a administradora que mais vende para a Aurora Saúde entre as quatro contratadas. Isso tudo é resultado da experiência acumulada no Espírito Santo.

E como a Qualisaude aplica essa experiência?

Tem a metodologia, mas há outros fatores que não posso abrir aqui, senão o concorrente copia. Porém, posso dizer que esse ambiente de concorrência local nos fez entender como analisar bem cada praça. Isso a gente aprendeu aqui. 

Outro dia, um colega de São Paulo me perguntou se nossa sede estava no Espírito Santo por conta de incentivo fiscal. Dei uma aula para ele. Somos o terceiro melhor ambiente de negócios do país em planos de saúde, atrás apenas de SP e RJ. 

E temos, nos três estados, os melhores profissionais para o setor de administradoras de benefícios. Em outras regiões, é difícil encontrar gente qualificada como temos aqui.

Você citou incentivos fiscais. Eles seriam bem-vindos ao setor?

As administradoras até têm um incentivo padronizado de ISS, que é de 2% no Brasil inteiro. Então não é um diferencial competitivo. Ou seja, todo mundo tem. E isso impacta no preço final para o consumidor. Quanto aos incentivos maiores, eu não acho que o setor deva receber. 

Muitas vezes, o incentivo vai para a compra de equipamentos – ressonância, tomógrafo… – e não necessariamente se traduz em alívio para o usuário. O problema é que toda a cadeia da saúde está pressionada: operadoras, hospitais, médicos e, no fim, o próprio beneficiário. 

O reajuste chega para ele, que é o elo mais frágil. Nesse sentido, se houvesse algum tipo de incentivo, ele deveria ser pensado para impactar positivamente o usuário.

E o ambiente institucional no ES? 

No nosso caso, a relação é pequena. Temos contratos com servidores públicos, mas quem se relaciona mais com o poder público são os hospitais, prestadores de serviço, clínicas. O SUS aqui funciona bem na atenção primária. Nesse sentido, somos o 12º melhor do Brasil, com unidades básicas de saúde bem estruturadas. Na parte hospitalar, temos um déficit de leitos. 

A OMS recomenda de 3 a 5 leitos por 10 mil habitantes. Hoje, o Estado tem cerca de 6 mil leitos SUS, o que dá uma média de 1,5 a 1,6, ou seja, abaixo do ideal. No entanto, o governo tem trabalhado para melhorar isso. Nesse sentido entregou um grande hospital em Guarapari, por exemplo.

E como você avalia o ambiente de negócios do ES?

É um dos mais agitados do país. Temos grandes fundos, grandes redes de hospitais, operadoras fortes. Só em Vitória, a Unimed tem mais de 400 mil vidas, a Athena Saúde também. A Medsenior está crescendo muito. 

Porém ainda existe um pilar do setor que não é reconhecido como deveria: o consultor de plano de saúde. Hoje ele não tem uma agência reguladora como a Susep para os corretores de seguros. E isso gera um problema, porque sempre que há um erro ou uma omissão, a culpa recai sobre ele. É uma categoria desamparada.

E o que vocês fazem para mudar isso?

A Qualisaude buscou o Senac e, agora em julho, vamos inaugurar a primeira turma do curso de formação de consultores de plano de saúde do Brasil. É um curso profissionalizante de 36 horas, criado aqui no Espírito Santo. 

Chamamos operadoras e administradoras para apoiar institucionalmente. Do mesmo modo não pedimos dinheiro, só apoio. É mais um exemplo do Estado saindo na frente em inovação no setor. 

A ideia é que isso se espalhe por todo o país, com unidades do Senac oferecendo esse curso em breve.

Onde você quer chegar com a Qualisaude?

Nossa visão inicial era estar em todos os estados brasileiros até 2028, porém vamos antecipar. Com a entrada da Hapvida, já estamos em 18. A empresa é super saudável, tem uma equipe experiente e muito humana. 

A gente acredita que o usuário tem que falar com gente, não com robô. E isso mudou nossa nota no Reclame Aqui. Pela primeira vez, fomos indicados ao prêmio. Então, agora a meta muda: queremos atingir 200 mil vidas até o final de 2028. E sempre crescer com sustentabilidade, com operadoras que queiram estar conosco. Isso porque o produto só é bom para o usuário se houver parceria verdadeira entre administradora e operadora.

Flávio Cirilo é CEO da Qualisaude
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