Projeto coletivo e imagem popular: senador explica como Partido Comunista prepara a campanha de Jeannette Jara no Chile

Jeannette Jara terá um trabalho difícil nas eleições presidenciais do Chile em 2025. Candidata pela coalizão do governo, ela pode quebrar um tabu e ser a primeira presidenta do país filiada ao Partido Comunista. Para isso, Jara terá que superar alguns desafios e conseguir dar coesão a uma base de apoio ampla para reunir 7 milhões de votos em 4 meses. 

Um dos personagens dessa campanha é o senador Daniel Nuñez. Ele faz parte de uma comissão política formada por 8 lideranças escolhidas por Jara para se preparar para a eleição. Em entrevista ao Brasil de Fato, o senador disse que um dos principais trabalhos será somar os esforços de todo o progressismo chileno e unificar a esquerda em torno da figura de Jara.

“Diante da insatisfação dos chilenos com a política institucional, temos o desafio de motivar e transmitir uma mensagem de esperança àqueles que enfrentam dificuldades, um desafio que só pode ser superado com propostas claras e uma presença regional. E devemos unir a vontade de todos os setores progressistas para construir uma maioria que possa confrontar decisivamente a extrema direita”, afirmou.

Daniel Nañez tem 54 anos e foi deputado por dois mandatos antes de se tornar senador. Formado em sociologia pela Universidade do Chile, o congressista integrou desde cedo a juventude do Partido Comunista. E foi nessa militância que ele conheceu Jara. Os dois integraram as fileiras do PC e construíram uma relação de proximidade. Agora, ele trabalha na campanha da candidata para montar, até 16 de novembro, uma estratégia que convença os eleitores chilenos a abraçar o projeto de do partido.

A insatisfação dos chilenos mencionada pelo senador se revela na avaliação do atual presidente Gabriel Boric. O mandatário tem uma aprovação de 33% segundo a última pesquisa do instituto Cadem, tendo uma desaprovação de mais de 66%. A imagem de Jara está diretamente vinculada ao governo, já que a pré-candidata da esquerda foi ministra do Trabalho de Boric. 

De acordo com o senador, a reversão dessa imagem terá dois focos de atuação. O primeiro é destacar as conquistas de Jara durante a gestão. Ela foi responsável por reduzir a jornada trabalhista para 40 horas semanais, aumentar o salário mínimo e promover a reforma previdenciária. Nesse último aspecto, a ministra conseguiu um aumento da Pensão Universal Garantida (PGU) e criou um novo fundo de proteção para as aposentadorias. 

A campanha também vai lembrar da aprovação dos Royalties de Mineração, que foi um imposto criado em 2025 sobre as atividades de mineração de grandes empresas. O objetivo é redistribuir a riqueza gerada neste setor para desenvolver as regiões e municípios mineradores por meio de verbas alocadas aos governos regionais e municipais. 

Mesmo tendo sido ministra de Boric, há também um caminho a percorrer para tentar tornar a figura de Jara conhecida. Nesse processo, o senador avalia que também será importante construir a imagem de uma candidata trabalhadora, com “sensibilidade social” e competente para a gestão.  

Daniel Nañez entende que essa construção não será difícil, já que esse perfil é parte da identidade da candidata como militante e cidadã. 

“Sua trajetória se conecta com a maioria do país. Não precisamos inventar uma imagem: sua autenticidade é seu maior trunfo. Ela se destaca por demonstrar sua coerência, sua capacidade de diálogo e sua firmeza na defesa daqueles que foram negligenciados por décadas. Ela é uma candidata popular porque surgiu de baixo para cima, com o apoio da população, e não de vários tipos de elites”, disse.

O senador afirma que a candidatura faz parte de um “projeto coletivo” que colocará as demandas da população no centro das discussões. 

“Nossa estratégia é clara: colocar as demandas sociais no centro e construir uma alternativa concreta que se conecte com as necessidades urgentes da população. A candidatura de Jeannette Jara expressa um projeto coletivo, capaz de governar e transformar o Chile. Vamos articular uma ampla maioria social e política para disputar não apenas La Moneda, mas também o Congresso. Não estamos fazendo uma campanha simbólica; disputaremos o governo com seriedade, unidade e compromisso com a mudança”, afirmou.

A disputa pelo Congresso é parte fundamental dentro da estratégia do campo da esquerda. O governo hoje tem minoria na Câmara e no Senado e enfrenta dificuldade para aprovar alguns projetos. A campanha entende que é possível formar maioria no Legislativo dependendo do desempenho de Jara. Além disso, o senador entende que é preciso convencer a população de que é preciso impor mudanças não só ao Executivo, mas também entre deputados e senadores.

Nessa disputa, o principal adversário é a extrema direita. José Antonio Kast ficou em segundo lugar nas últimas eleições presidenciais e tentará novamente conquistar o palácio de La Moneda. 

Nuñez entende que o enfrentamento contra esse espectro político deve ser feito com “convicção e coragem, não com ambiguidade”. Para isso, ele entende ser necessário construir um “pacto programático” com as forças progressistas para garantir as transformações necessárias. 

“Não basta apenas fazer críticas gentis a Kast. É preciso confrontar seu projeto autoritário, retrógrado e profundamente antipopular. Jeannette o fará sem hesitação, com propostas claras e uma liderança que se recusa a ceder ao poder econômico. A chave é mobilizar os setores populares, as mulheres, os jovens, aqueles que sabem que, com a extrema direita, não só os direitos são anulados, mas também a democracia está em perigo”, disse.

Kast tem apoio de alguns conglomerados de mídia do Chile. Para Nañez, essas grandes empresas defendem a candidatura liberal e apoiam de maneira clara o candidato de extrema direita. 

A herança de Boric deixou também um ponto solto: a redação de uma nova Constituição. O atual presidente venceu as eleições em 2021 tendo como missão aprovar uma nova Carta Magna. Não foi o que aconteceu. Dois projetos foram reprovados pela população. Por todo esse histórico, Jara descartou tentar uma nova Assembleia Constituinte e disse que isso não está entre as 20 prioridades para sua gestão.

O Partido Comunista Chileno terá um desafio pouco comum ao assumir o protagonismo e ser cabeça de chapa. Essa é a terceira candidatura presidencial da sigla na história do Chile. A primeira foi com Pablo Neruda, em 1969. Quarenta anos depois, foi a vez de Gladys Marín. O grupo compôs governos, mas até agora não teve um presidente próprio.

Para o senador, a vitória do Partido Comunista seria um marco na sociedade chilena e apresentaria a possibilidade de mudanças mais profundas na sociedade.

“Seria um acontecimento histórico, não por orgulho partidário, mas pelo que significa para o Chile. Para o partido, chegar a La Moneda com Jeannette Jara seria a expressão mais clara de que a democracia chilena vem crescendo, de que não é mais governada pelos vetos e preconceitos das oligarquias e de que os setores populares também podem governar. Seria um reconhecimento de mais de 113 anos de luta. Para a sociedade, seria um sinal de que o poder pode estar a serviço do povo, não das elites”, disse.

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