O Governo do Distrito Federal (GDF) promulgou, na semana passada, um decreto que autoriza a atuação de secretarias e administrações regionais no programa Acolhe DF, destinado ao acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade social e dependências químicas. Antes a ação era de competência exclusiva da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes).
Com a decisão, as Secretarias de Estado terão aval para decidir sobre o acolhimento dessas pessoas. O monitoramento e avaliação das ações implementadas também ficarão à cargo das pastas. Antes, o programa seguia as diretrizes da Política de Assistência Social e da Política de Saúde Mental do Sistema Único de Saúde.
Para o deputado distrital, Gabriel Magno (PT-DF), a iniciativa é uma forma de desmontar silenciosamente a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e empurrar pessoas vulneráveis para instituições privadas que não seguem os princípios da reforma psiquiátrica.
“O decreto abre as portas para o avanço das comunidades terapêuticas, que operam, em sua maioria, fora da lógica da rede pública de atenção psicossocial, violam direitos fundamentais, drenam recursos públicos e ignoram completamente os estudos e evidências das áreas de saúde mental e políticas sobre drogas”, explica o parlamentar que é presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Atenção à Saúde Mental Antimanicomial e Integradora.
Além disso, o decreto estabelece que a busca ativa e o acolhimento inicial será realizado por todos os órgãos participantes do programa e devem encaminhar o acolhido para avaliação. Esta busca será feita principalmente em centros urbanos, áreas comerciais, praças, parques, rodoviárias, terminais , feiras livres e em eventos culturais, esportivos ou religioso.
O deputado distrital Fábio Félix (Psol-DF) comunicou que a decisão será judicializada pela oposição. “Ele [decreto] ignora as equipes de saúde e assistência social que já atuam com quem mais precisa, exclui a participação da sociedade civil e ainda dá poder a áreas que não têm preparo pra lidar com vulnerabilidade social. Não dá pra tratar esse tema com autoritarismo e visão higienista. Por isso, estamos entrando com uma representação no Ministério Público pra que o decreto seja suspenso e um novo debate seja feito com quem realmente entende do assunto”, disse o parlamentar em uma rede social.
O decreto aponta que a “Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal deve comunicar à Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, os casos confirmados ou suspeitos de pessoa com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas em situação de vulnerabilidade, para oferta de vagas nas comunidades terapêuticas conveniadas”.
Na prática, segundo o professor Pedro Costa do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), o recolhimento dessas pessoas serve para encaminhá-las para comunidades terapêuticas.
“Esse decreto é uma proposta de enfraquecimento, de deslegitimação, de desrespeito às próprias normativas, intuitos e razões de ser do Sistema Único de Saúde (SUS), do Sistema Único de Assistência Social (Suas). É algo fundamental de se indignar todo esse processo de desmonte das políticas, de transferência de responsabilidade e também de dinheiro para entidades privadas, como é o caso das comunidades terapêuticas”, argumentou.
Em 2024, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) lançou um relatório onde aponta violações de direitos humanos em uma comunidade terapêutica do Distrito Federal. Ao avaliar o cenário, o órgão retrata denúncias de maus-tratos, exploração do trabalho, tortura e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Também foi constatada a falta de treinamento especializado para os profissionais que atuam nas unidades.
As inspeções também revelaram severas restrições à liberdade dos internos, incluindo a utilização de trancas e cadeados, e o controle rígido da comunicação com o mundo externo. Há registros de exploração econômica dos internos, com cobranças de contribuições mensais e apropriação indevida de bens e recursos pessoais, incluindo recursos do Bolsa Família.
De acordo com o professor da UnB, as comunidades terapêuticas não podem ser entendidas como comunidades e nem como terapêuticas.
“São, na verdade instituições de características e lar manicomial, são reatualizações de instituições manicomiais. São instituições de violência. Constatamos nelas violências religiosas, em termos de privação de liberdade, tortura, inclusive alguns casos de morte. Elas também tem um dos seus pilares constitutivos na chamada laborterapia que concretamente tem sido trabalho forçado, em condições degradantes e análogas à escravidão”, destaca Costa.
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O post Novo decreto do GDF sobre acolhimento a pessoas vulneráveis divide opiniões; especialistas apontam retrocesso apareceu primeiro em Brasil de Fato.