Paraná já aplica regras previstas no PL que flexibiliza licenciamento ambiental aprovado pela Câmara, diz especialistas


Placar do projeto que muda regras do licenciamento ambiental
Reprodução/TV Globo
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (17), por 267 votos a 116, o Projeto de Lei (PL) que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental em todo o país. O texto ainda precisa ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode vetar trechos do projeto.
No Paraná, no entanto, os impactos imediatos da nova legislação devem ser limitados. Isso porque, desde abril, o estado já adota regras semelhantes por meio do Decreto Estadual nº 9.541/2025, que regulamenta a Lei Estadual nº 22.252/2024.
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“A legislação paranaense foi construída em sintonia com esse projeto federal. Se você for avaliar, muitas das medidas previstas no PL já estavam em vigor no estado”, afirma Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da organização Terra de Direitos.
Para o advogado ambientalista e conselheiro estadual de meio ambiente, Rogério Rossi Horochovski, o PL dá amparo legal à legislação estadual.
“O novo PL aumenta enormemente o leque de atividades que deixam de passar por licenciamento tradicional e passam a contar com a possibilidade de autodeclarar seu impacto ambiental”, explica.
Ele afirma que os estados têm competência para legislar sobre meio ambiente, mas precisam respeitar a legislação nacional. “Antes, isso era um entrave para o Paraná. Agora, o estado ganha guarida jurídica.”
Para Carla Beck, técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), a nova legislação trará mais agilidade na análise da concessão de licenças no estado.
“Vai diminuir a complexidade do processo de licenciamento. Teremos uma desburocratização de alguns processos, isso trará mais segurança técnica e jurídica para o pequeno e médio produtor”, afirma.
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Congresso aprova projeto que enfraquece licenciamento ambiental
Alterações no processo de licenciamento
Com a nova proposta, foram criadas novas modalidades de licença e simplificados os prazos de análise. Entre as principais mudanças está a Licença Ambiental Especial (LAE), que poderá ser concedida mesmo a empreendimentos com potencial de causar significativa degradação ambiental, desde que considerados estratégicos pelo governo federal.
Outra medida é a prática da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), já utilizada no Paraná, que agora será nacionalizada. Nesse modelo, o empreendedor envia a documentação pela internet e recebe autorização praticamente automática, desde que a atividade tenha baixo impacto e não envolva desmatamento de vegetação nativa.
De acordo com Horochovski, essa flexibilização pode dificultar a fiscalização.
“Aterros sanitários, por exemplo, são altamente poluentes. Com a nova legislação, ficou mais fácil renovar licenças automaticamente, inclusive para operações que estejam acima do que foi originalmente licenciado.”
Segundo Horochovski, obras de infraestrutura como a Ferroeste também são afetadas pela nova legislação. O projeto de ferrovia quer ligar o litoral do Paraná ao Mato Grosso do Sul, para transporte de grãos e insumos.
“Toda a Ferroeste não será possível licenciar dessa forma, por se tratar de um empreendimento muito grande. Mas há vários terminais portuários menores que poderão se autolicenciar”, afirma Rogério.
Ele também cita portos paranaenses que estão com obras paradas por falta de licenciamento prévio. “Esses terminais privados poderão passar a operar com licenças automáticas, mesmo com alto impacto ambiental, e se tratando de uma obra que não traz, necessariamente, benefício real à população.”
Impacto a comunidades tradicionais
Integrantes da Comunidade Quilombola Paiol de Telha
Divulgação/Comunidade Quilombola Paiol de Telha
Além dos impactos ambientais, o projeto também preocupa ambientalistas e organizações sociais por fragilizar a proteção de comunidades tradicionais.
No texto, áreas tradicionalmente ocupadas por comunidades tradicionais estarão sujeitas a sofrer modificações sem passar pelo processo de licenciamento.
Com isso, áreas ocupadas por povos indígenas, quilombolas e outras comunidades podem sofrer intervenções mesmo sem consulta prévia.
Para Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, isso tem potencial de intensificar o cenário violência nas comunidades tradicionais paranaenses, uma vez que muitas dessas comunidades ainda não têm a posse e titulação de seus territórios.
“A legislação facilita intervenção nesses territórios. Além de sofrerem violência, à medida que esses empreendimentos se instalam, essas comunidades também vão empobrecendo, porque impacta diretamente nos seus modos de vida tradicionais”, explica Barbieri.
A Terra de Direitos acompanha a comunidade quilombola Paiol de Telha, localizada no município de Reserva do Iguaçu, no centro-sul do Paraná, que tem dois requerimentos de construção de pequena central hidrelétrica. Segundo a organização, essa comunidade será diretamente impactada com a sanção do PL.
A organização diz ainda que, em Adrianópolis, no Vale do Ribeira, há pedidos de atividade de mineração. Segundo eles, cerca de 10 comunidades quilombolas serão afetadas.
Além disso, Barbieri relembra dos conflitos fundiários existentes em territórios de retomada de povos indígenas no Parana, como os Avá-Guarani, no oeste do estado, que enfrentam um contexto histórico de conflitos por terra.
“Essa lei com certeza vai aumentar a violência com as quais esses povos e territórios convivem”, diz ela.
Governo estadual prevê adaptações
Ivonete Coelho da Silva Chaves, diretora de Licenciamento e Outorga do Instituto Água e Terra (IAT), afirma que o órgão vai revisar a legislação estadual após a sanção do PL.
“Não podemos, por exemplo, dispensar o licenciamento de uma estrada que passa por dentro de uma Unidade de Conservação (UC). Também não vamos poder liberar uma indústria com maior potencial poluidor, embora o PL federal permita essas dispensas em casos de utilidade pública”, afirma.
Lei estadual adiantou mudanças
No Paraná, a Lei nº 22.252/2024, já havia estabelecido diferentes modalidades de licenciamento adaptadas ao potencial de impacto de cada atividade. A LAC e a Declaração de Dispensa de Licenciamento Ambiental (DLAM) já estão em vigor desde abril. A DLAM vale para empreendimentos de baixo impacto e baixa emissão de poluentes.
Para Gisele Barbieri, a aprovação da lei estadual foi estratégica. “Pode-se considerar que a lei paranaense foi uma forma de antecipar a implementação do PL que tramitava no Congresso há mais de 20 anos.”
Carla Beck, do Sistema FAEP, avalia que o novo modelo traz ganhos ao setor produtivo. “Com esse novo PL, teremos mais agilidade na análise da concessão de licenças. Isso representa um marco histórico. O Brasil vai avançar com uma legislação mais moderna e transparente”, afirma.
Apesar das promessas de modernização, o Ministério do Meio Ambiente, liderado por Marina Silva, é contrário ao projeto, assim como diversas organizações da sociedade civil. A rede Observatório do Clima classificou o texto como “o maior retrocesso ambiental desde a ditadura militar”.
Rogério Horochovski acredita que, caso o presidente vete trechos do projeto, o tema ainda deve ser judicializado. “Se for sancionado, ou mesmo se houver vetos, é provável que o PL seja objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade.”
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