‘Lei da Ditadura’, diz artista que teve obra censurada pela Guarda Civil por fazer releitura da bandeira

A obra do artista carioca Matheus Ribs foi retirada pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) de Petrópolis (RJ), neste sábado (26), durante o Festival de Inverno do Sesc Quitandinha, na zona serrana fluminense.

O trabalho faz uma releitura da bandeira nacional, substituindo os dizeres “ordem e progresso” por “Kilombo Aldeya” e estava exposta em um painel montado no Parque de Exposições de Itaipava.

Segundo o artista, no sábado, dia de abertura da exposição, ele foi comunicado por um funcionário do Sesc de que a GCM esteve no local com um “suposto alvará, alegando que a obra descaracterizava o patrimônio nacional, uma lei da Ditadura Militar que impede a alteração de símbolos nacionais”, explica Ribs ao Brasil de Fato.

Nascido no morro da Rocinha, o artista conta que foi convidado pelo Sesc a compor a exposição que foi aberta neste sábado (26) e que confeccionou a obra sob medida para a mostra.

“Eu estou perto do local do evento, mas não fui chamado. O Sesc não acionou advogados, não prestou assistência jurídica, só avisou que a obra foi retirada. O que é uma violação porque é uma obra de arte”.

Ribs alega que a instituição não prestou amparo jurídico ou apoio para publicação de uma nota conjunta sobre o ocorrido.

O Sesc publicou uma resposta lamentando a situação e prestando solidariedade ao artista. Escreveu ainda que defende “a liberdade de expressão e considera que a diversidade de manifestações artísticas é fundamental para estimular o diálogo e a reflexão sobre temas relevantes para a sociedade”.

Procurada, a Guarda Civil de Petrópolis não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem, no entanto, o espaço segue aberto para uma eventual manifestação.

Segundo Ribs, “a obra pretende fazer uma demarcação dos territórios e discutir a memória do Brasil, repensar a ideia do país a partir desses territórios, não da história colonial. A obra faz um contraponto, revela um outro projeto de Brasil”.

“Essa ação não combina com o Estado democrático de direito, é uma censura à liberdade de expressão, isso revela muito do histórico do nosso país e dessa cidade que é uma cidade colonial, fincada no escravismo, no latifúndio”, finaliza.

Nascido em 1994, Ribs é um artista conhecido por usar símbolos nacionais ou do poder institucional para criticar os efeitos da colonização portuguesa ainda presentes no país. Segundo o artista, a intenção dele é “reconstruir o imaginário social e político brasileiro, com abordagens sobre decolonialidade e ancestralidade diaspórica”.

O que diz a lei?

Durante a ditadura militar, foi criada a Lei nº 5.700/71 que dispõe sobre o uso e respeito aos símbolos nacionais. Pelo texto original é vedado mudar as cores, as formas ou gerar outras inscrições.

No entanto, o texto foi sendo alterado com o passar dos anos e, segundo o jurista Marcelo Neves, foi superado pelo que diz a Constituição de 1988, que garante a liberdade de expressão.

“Não tem nenhum sentido”, resume o especialista sobre a ação da Guarda Civil de Petrópolis.

“No sentido artístico, isso não tem nenhuma ofensa à Constituição. É um ato artístico que possibilita a criatividade. Esse entendimento já está superado até mesmo antes da Constituição, nas Diretas as pessoas já usavam de outras formas os símbolos nacionais, por exemplo”, explica Neves, que é especialista em direito constitucional com pós-doutorado na Faculdade de Ciência Jurídica da Universidade de Frankfurt.

Segundo ele, a lei de 1971 segue em vigor em situações “de ofensa proposital, de rasgar a bandeira no local que ela está hasteada, por exemplo. Tem situações que, talvez, ela possa ser aplicada”.

No entanto, políticos da extrema direita vêm tentando resgatar o texto original para que possa ser usado em casos como a obra de Matheus Ribs. É o caso do senador Eduardo Girão (Novo-CE) que apresentou, em 2022, um projeto para tornar crime o desrespeito aos símbolos nacionais, como a bandeira do Brasil. 

Uma outra proposta resgata a lei original, de 1971, para retomar artigos da ditadura. No ano passado, foi aprovado na Comissão de Defesa da Democracia do Senado o PL  5.150/2023, que criminaliza confecção, distribuição, comercialização e uso da Bandeira Nacional com cores e formas alteradas e associações a símbolos de partido político, grupos e movimentos sociais.

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