Fundação Theatro Municipal, que vetou Flipei por ‘viés político’, desobedeceu Justiça por homenagem a Michelle Bolsonaro

A organização da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei) acusou a Prefeitura de São Paulo e a Fundação Theatro Municipal (FTM) de censura após a rescisão, a poucos dias do início do evento, do contrato que permitiria a realização da feira na Praça das Artes, no centro da capital paulista.

A suspensão partiu da própria fundação, que alegou “conteúdo e finalidade de cunho político-ideológico” por parte da programação. A justificativa contrasta com a conduta da mesma fundação quando, em março de 2024, descumpriu uma decisão judicial para manter uma homenagem à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro no Theatro Municipal.

A cerimônia de entrega do título de cidadã paulistana a Michelle ocorreu mesmo após decisão da Justiça de São Paulo que proibia o uso do espaço para o evento. O vereador Rinaldi Digilio (União Brasil), autor do projeto, declarou ter tomado um empréstimo bancário de R$ 100 mil para viabilizar a cerimônia. O evento, com forte tom político, contou com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), da própria Michelle e do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que era candidato à reeleição com apoio do bolsonarismo.

A deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) anunciou, na época, que ingressaria com ação criminal contra o prefeito, o vereador e o diretor da FTM por desobediência judicial e improbidade administrativa. Segundo ela, o caso expôs o uso político do Theatro Municipal e o desrespeito às próprias normas da casa, que exige inscrição prévia mínima para eventos.

Já no caso da Flipei, a Fundação rescindiu o acordo firmado há cinco meses com os organizadores da feira, cinco dias antes da abertura do evento. A decisão foi comunicada por meio de ofício assinado pelo diretor Abrão Mafra, sem diálogo prévio, e violando cláusula contratual que exigia notificação com ao menos 15 dias de antecedência e comum acordo por escrito.

Contradições e pressões políticas

Para os organizadores da Flipei, a postura da gestão Nunes escancara censura ideológica. Em nota oficial e em entrevistas, eles apontam o cancelamento do evento como parte de um processo articulado: a prefeitura derrubou emendas parlamentares que garantiriam infraestrutura, apagou postagens da programação e recuou de apoios institucionais previamente confirmados.

“Eles alegam que não podemos fazer um evento político, mas eles mesmos organizaram um ato político explícito, com presença do Bolsonaro, da Michelle, com discurso contra a esquerda e até oração no palco”, afirmou ao Brasil de Fato Cauê Seignemartin Ameni, editor e um dos idealizadores da Flipei. “É censura, com uso autoritário de um argumento hipócrita”, completou.

Segundo ele, o incômodo maior da gestão está relacionado ao debate sobre Palestina previsto na programação da feira. A mesa contaria com a participação do historiador judeu Ilan Pappé e do ativista Thiago Ávila, ambos críticos da ocupação israelense e defensores do povo palestino. “Eles se incomodam com o termo união sionista, Palestina, resistência. Nos bastidores, isso é dito com todas as letras”, afirmou Ameni.

Programação da Flipei foi ‘apagada’ de todas as redes e dos letreiros do Theatro Municipal e Praça das Artes (Foto: Reprodução/Flipei)

Evento será mantido em novos espaços

Mesmo com a rescisão, a organização da Flipei afirmou que o evento será mantido entre os dias 6 e 10 de agosto, agora em diferentes espaços da cidade. A nova programação está sendo finalizada e deve ocorrer em locais como o Galpão Cultural Elza Soares, o Armazém do Campo e o Instituto Luiz Gama. A programação está disponível neste link.

Por conta do bloqueio de três emendas parlamentares que ajudariam a custear o evento, a organização também reforça o pedido de participação do público no clube de financiamento coletivo da feira.

Criada em 2018, a Flipei reúne editoras, autores, movimentos populares e trabalhadores da cultura. A edição de 2025, a primeira realizada fora de Paraty, deve contar com mais de 220 editoras, 40 debates nacionais e internacionais, além de shows, bailes, atividades infantis e lançamentos de livros. A feira é inteiramente gratuita, tanto para o público quanto para as editoras participantes.

Fundação diz que havia “viés eleitoral”

Em nota enviada ao G1, a Fundação Theatro Municipal afirmou que suspendeu a realização do evento “em razão do uso político por parte de seus organizadores”. Em nota, declarou que “no lugar de um festival para promover a literatura independente, de grande valia, a feira tinha em sua programação conteúdo exclusivamente de apelo ideológico, com indisfarçável viés eleitoral”.

A FTM também alegou que a responsabilidade formal pelo contrato seria da organização social Sustenidos, que desde 2021 administra a Praça das Artes. Segundo a Procuradoria Geral do Município, o termo de parceria foi assinado diretamente com a Sustenidos. Dessa forma, caso haja multa ou sanção, ela não seria responsabilidade da fundação, mas da entidade gestora.

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