Diagnóstico sobre as 62 aldeias Mbyá Guarani no RS é apresentado na Assembleia Legislativa

A versão impressa do Diagnóstico das Comunidades Guarani no Rio Grande do Sul foi apresentada nesta terça-feira (5), em cerimônia na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. Produzido pela Assistência Técnica e Extensão Rural e Social (Aters) da Emater/RS-Ascar, em parceria com a Secretaria Estadual do Desenvolvimento Rural (SDR), o documento reúne dados detalhados sobre 62 aldeias Mbyá Guarani distribuídas em 36 municípios. O estudo visa embasar políticas públicas sensíveis às especificidades socioculturais dessas comunidades.

O diagnóstico foi elaborado com base em uma metodologia de escuta ativa, priorizando o diálogo direto com lideranças, mulheres e jovens Guarani. Durante o evento, a coordenadora estadual da Aters, antropóloga Mariana de Andrade Soares, destacou a concretização de um trabalho conjunto. “Aqui eu sou somente a porta-voz, concretizando o que os Guarani chamam, na língua Guarani, quachá, que é o papel. É a forma que nós, juruá, não indígenas, lidamos, enquanto sociedade, aquilo que aprisiona nesse papel. Esse documento, que hoje se materializa, esse quachá, ele é a renovação de uma luta política das comunidades na garantia e na defesa dos seus direitos.”

O estudo foi elaborado com base em uma metodologia de escuta ativa, priorizando o diálogo direto com lideranças, mulheres e jovens Guarani – Foto: Clara Aguiar

Conforme Soares, consta no documento a resistência, a resiliência e as potencialidades que o povo Guarani. A antropóloga destacou que quase 100% das comunidades desenvolvem algum tipo de atividade agropecuária.

“O povo Guarani é um povo do cotidiano que, apesar de todo esse processo histórico colonial de 525 anos, consegue reproduzir suas sementes tradicionais e produzir seu alimento tradicional, o tembiú. Produzem cultivares como milho, mandioca, feijão, não só para subsistência, mas com excedentes para comercialização. Pouco mais de 75% das comunidades conseguem reproduzir essas sementes, o que também se converte em fonte de renda. Além disso, há comunidades com produção processada, como erva-mate e polpa de açaí, que são legados culturais importantes”, detalha.

Conforme Soares, consta no documento a resistência, a resiliência e as potencialidades que o povo Guarani – Clara Aguiar

Soares também ressaltou o papel do artesanato:“A principal fonte de renda das famílias Guarani, assim como de muitas etnias, é o artesanato tradicional, que é um patrimônio cultural material. Cada peça carrega um modo de saber-fazer que se transmite entre gerações e que precisa ser valorizado. Também há pessoas empregadas em escolas indígenas, na saúde e em programas sociais, mas o artesanato continua sendo uma base importante da economia”.

Nesse sentido, o diretor técnico da Emater, Claudinei Baldissera, reforçou o compromisso da instituição com os povos originários. “Essa ação se conecta com aquele momento vivido em Viamão, com a presença de diversos caciques representando todas as comunidades do estado. O diagnóstico mostra as fortalezas do povo Guarani, mas também as necessidades fundamentais ainda não atendidas. A Emater reafirma seu compromisso com essa caminhada, que tem íntima relação com sua atuação como entidade beneficente de assistência social”, disse.

Diretor técnico da Emater, Claudinei Baldissera, reforçou o compromisso da instituição com os povos originários – Clara Aguiar

O deputado estadual Adão Pretto Filho (PT), presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, enfatizou a urgência de políticas públicas efetivas. “A demarcação dos territórios indígenas é uma dívida histórica. Como deputado estadual, sou grande defensor dessa causa. É importante reconhecer que o governo federal, com o presidente Lula, criou pela primeira vez o Ministério dos Povos Indígenas, um avanço significativo. Mas precisamos mais, orçamento, investimento técnico e políticas públicas que valorizem a potencialidade desses territórios.”

“A demarcação dos territórios indígenas é uma dívida histórica”, enfatizou o deputado estadual Adão Pretto Filho, presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa – Foto: Clara Aguiar

Representando o seu povo, o cacique Eloir de Oliveira M’bya Guarani, da aldeia Tekoá Nhe’engatu, de Viamão (RS), destacou a relevância do diagnóstico como “muito importante para a história do povo Guarani no estado”. Para ele, é uma ferramenta que pode abrir caminhos para que secretarias e instâncias governamentais atuem com mais eficácia.

“Os dados são preocupantes, mas mostram que temos chance de melhorar. Precisamos de políticas públicas que garantam segurança ambiental, segurança física, educação escolar, saneamento e sustentabilidade para nossas famílias. Somos um povo de coleta e agricultura, mas hoje também dependemos de maquinário, como tratores, para preparar o solo. E como fazer com que esses solos produzam nossas sementes com qualidade? Só com apoio técnico e políticas públicas adequadas”, pontuou.

“É uma ferramenta que pode abrir caminhos para que secretarias e instâncias governamentais atuem com mais eficácia”, comentou o o cacique Eloir de Oliveira M’bya Guarani, da aldeia Tekoá Nhe’engatu, de Viamão (RS).

Dados revelados pelo diagnóstico

O diagnóstico está estruturado em sete eixos temáticos principais: 1) Território Guarani, gestão territorial e ambiental das terras Guarani e ameaças no entorno dos territórios Guarani; 2) Infraestrutura básica (habitação, água, energia elétrica, coleta de resíduos sólidos e transporte público); 3) Educação; 4) Saúde; 5) Organização econômica e produtiva (soberania alimentar, rendas e artesanato; 6) Organização, espaços de discussão e de deliberação; e 7) Presenças institucionais, organizativas ou parceiras.

O estudo visa embasar políticas públicas sensíveis às especificidades socioculturais dessas comunidades – Foto: Clara Aguiar

De acordo com o documento, a partir da autodeclaração das 62 comunidades Guarani no Rio Grande do Sul, foram identificadas 1.077 famílias e 4.020 pessoas, com presença em 36 municípios. No município de Barra do Ribeiro está o maior número de comunidades Guarani no estado: são seis, que totalizam 90 famílias e 321 pessoas. Na aldeia Nhe’engatu, no município de Viamão, há 53 famílias e 200 pessoas, representando a comunidade Guarani com a maior população no estado. Já as aldeias com menor população Guarani, no que tange ao número de famílias e de pessoas, respectivamente, são Jataí Mirim (três famílias) e Pekuruty (10 pessoas), ambas localizadas no município de Eldorado do Sul.

Acerca da situação fundiária dos territórios, o maior número de comunidades Guarani, representando 27% delas, vive em áreas escolhidas pelos próprios Guarani a partir de seus referenciais culturais, com títulos privados indenizados. Já 21% das comunidades estão em nove terras tradicionais reconhecidas oficialmente pelo Estado brasileiro — em duas delas, as famílias Guarani coabitam com a etnia Kaingang.

No total, os Guarani têm somente sete de suas terras tradicionais demarcadas pela União, conforme o artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Outros 21% vivem em terras públicas do estado, em situação de insegurança por falta de regularização fundiária — responsabilidade da Secretaria Estadual de Habitação e Regularização Fundiária.

A situação é ainda mais grave em áreas pertencentes a entes da administração indireta, como a Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa) e a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), recentemente privatizada. As demais comunidades vivem: 10% em áreas públicas municipais; 8% em áreas em situação de acampamento às margens de rodovias; 5% em áreas concedidas por terceiros (particulares); 3% em áreas privadas e sem registro de propriedade; 2% em abrigos temporários.

De acordo com o documento, a partir da autodeclaração das 62 comunidades Guarani no Rio Grande do Sul, foram identificadas 1.077 famílias e 4.020 pessoas, com presença em 36 municípios – Foto: Clara Aguiar

O diagnóstico também avaliou a estrutura das moradias. Apesar da disponibilidade de casas nas comunidades, apenas 8% das comunidades classificaram suas condições habitacionais como “boas”; 35% como “regulares”; e 57% como “péssimas” — ou seja, 92% apresentam problemas em suas habitações.

Quanto à saúde, 74,19% das comunidades consideram o atendimento como “regular” ou “ruim”. Entre os problemas mais citados estão: Baixa frequência da equipe de saúde nas aldeias; Falta de médicos, atendimento odontológico e medicamentos; Dificuldades no atendimento de emergência; Falta de apoio no transporte para serviços específicos; Estrutura física precária para atendimento de saúde; Baixa disponibilidade de consultas de média e alta complexidade; Condições precárias de trabalho dos profissionais da saúde.

Conforme trecho do documento, o diagnóstico tem como objetivo contibuir para a “renovação da luta das comunidades Guarani e para a convergência de ações emergenciais e estruturantes entre União, estado e municípios para a Garantia de seus direitos”.

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