
As otites médias agudas, comumente conhecidas como infecções de ouvido, são uma das doenças mais frequentes na infância, responsáveis por milhões de consultas médicas e prescrições de antibióticos anualmente.
Embora diversos fatores contribuam para o desenvolvimento dessas infecções, como a imaturidade do sistema imunológico e a exposição a agentes infecciosos, a forma como as crianças são alimentadas e, em particular, o uso de mamadeiras, tem sido amplamente estudado como um fator de risco significativo.
A relação entre mamadeiras e otites é direta, envolvendo aspectos anatômicos, fisiológicos e comportamentais que merecem uma análise para que pais e cuidadores possam tomar decisões informadas em prol da saúde auditiva de seus filhos.
A tuba auditiva em crianças
Para compreender a conexão entre mamadeiras e otites, é necessário entender que a orelha média é uma cavidade preenchida por ar, localizada atrás do tímpano, que contém os ossículos responsáveis pela transmissão do som.
Essa cavidade se conecta à parte posterior da cavidade nasal por meio de um pequeno canal chamado tuba auditiva. A principal função da tuba auditiva é ventilar a orelha média, equalizar a pressão do ar entre ela e o ambiente externo, e drenar quaisquer fluidos ou secreções que possam se acumular.
Em bebês e crianças pequenas, a tuba auditiva é mais curta, mais horizontal e mais larga do que em adultos. Essa conformação facilita a entrada de secreções e micro-organismos da nasofaringe para a orelha média. Além disso, a musculatura responsável pela abertura e fechamento da tuba auditiva ainda está em desenvolvimento, o que compromete sua eficácia na drenagem e ventilação.
A relação entre otite e uso de mamadeira
O uso de mamadeiras, especialmente em certas posições, pode exacerbar a disfunção da tuba auditiva e provocar refluxo de secreções contaminadas para a orelha média, aumentando o risco de otites.
Quando um bebê é alimentado com mamadeira na posição deitada (horizontal), o líquido (leite ou fórmula) pode escorrer para a parte posterior da garganta e, devido à imaturidade e à inclinação da tuba auditiva, pode ser forçado para dentro da orelha média.
Esse refluxo de líquido, que pode conter bactérias ou vírus presentes na boca e na garganta do bebê, cria um ambiente propício para a proliferação de micro-organismos e o desenvolvimento de infecções. O leite é um excelente meio de cultura para bactérias, e sua presença na orelha média pode levar rapidamente a uma infecção.
Outro mecanismo é a sucção vigorosa no bico da mamadeira, que pode criar uma pressão negativa na nasofaringe. Essa pressão negativa pode, por sua vez, ser transmitida para a orelha média através da tuba auditiva, levando ao colabamento ou à disfunção da mesma. A tuba auditiva disfuncional não consegue ventilar adequadamente a orelha média, o que leva ao acúmulo de líquido e secreções, um caldo de cultura ideal para bactérias e vírus.
Diferença entre a amamentação e uso de mamadeira
Bebês amamentados no peito recebem anticorpos e fatores imunológicos importantes do leite materno que os protegem contra diversas infecções, incluindo as otites. O colostro e o leite maduro contêm imunoglobulinas, leucócitos e citocinas que fortalecem o sistema imunológico do bebê e reduzem a incidência e a gravidade das infecções.
O uso exclusivo de mamadeiras, especialmente com fórmulas infantis, priva o bebê desses benefícios imunológicos protetores, tornando-o mais vulnerável às infecções de ouvido.
Posição durante a amamentação
A posição em que o bebê é alimentado é crucial. Enquanto a amamentação no peito naturalmente posiciona o bebê de forma mais vertical, o que minimiza o refluxo, a alimentação com mamadeira frequentemente ocorre com o bebê deitado. Essa posição facilita o escoamento de líquidos para a tuba auditiva.
Mesmo com mamadeira, é recomendado que o bebê seja mantido em uma posição semi-vertical ou sentada durante e após a alimentação para evitar o refluxo.
O uso de mamadeiras para adormecer o bebê ou de forma prolongada é particularmente prejudicial. Bebês que adormecem com a mamadeira na boca ficam com o líquido estagnado na cavidade oral e faringe, aumentando ainda mais o risco de refluxo para a orelha média. Além disso, a diminuição da deglutição durante o sono reduz a capacidade da tuba auditiva de se abrir e se ventilar.
Impacto das otites médias na saúde
Otites médias agudas recorrentes podem ter um impacto significativo na saúde e no desenvolvimento da criança. Além do desconforto e da dor associados à infecção, a recorrência pode trazer vários impactos negativos na vida da criança, como por exemplo:
- Perda auditiva temporária, pois o acúmulo de líquido na orelha média pode causar uma perda auditiva condutiva, afetando a capacidade da criança de ouvir claramente. Isso pode ter consequências negativas no desenvolvimento da fala e da linguagem.
- A dificuldade em ouvir sons da fala de forma consistente pode levar a atrasos na aquisição da linguagem, vocabulário limitado e dificuldades de articulação.
- Crianças com perda auditiva podem apresentar dificuldades de concentração na escola e problemas de comportamento devido à frustração e à dificuldade de comunicação.
- Complicações mais graves, embora menos comuns atualmente, devido ao tratamento com antibióticos, otites podem levar a complicações sérias como perfuração do tímpano, mastoidite e, em casos raros, meningite.
Medidas preventivas
Reconhecer a relação entre mamadeiras e otites permite a adoção de medidas preventivas eficazes, como por exemplo:
- Priorizar a amamentação materna exclusiva nos primeiros seis meses de vida, e continuado por mais tempo, é a medida mais eficaz para reduzir a incidência de otites.
- Alimentar o bebê em posição vertical, se o uso da mamadeira for necessário, certificando-se de que a cabeça do bebê esteja mais elevada que o resto do corpo.
- Evitar mamadeiras na hora de dormir. Retire a mamadeira assim que a criança terminar de beber.
- Controlar o uso da chupeta, pois é associado a um aumento do risco de otites, embora em menor grau que a mamadeira em posição horizontal. Recomenda-se limitar o uso da chupeta após os 6 meses de idade, quando o risco de otite começa a diminuir.
- Manter as mamadeiras e bicos sempre limpos e esterilizados para evitar a proliferação de bactérias.
- Manter o calendário de vacinação da criança em dia, especialmente a vacina pneumocócica, que protege contra algumas das bactérias mais comuns que causam otites.
- Evita tabagismo passivo, pois a exposição à fumaça do cigarro aumenta significativamente o risco de infecções respiratórias e otites em crianças.
Esteja sempre atento
Portanto, é crucial estar ciente dos riscos que o uso inadequado da mamadeira pode representar para a saúde auditiva das crianças.
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Ao adotar práticas seguras e priorizar a amamentação sempre que possível, pais e cuidadores podem desempenhar um papel fundamental na prevenção das otites e na promoção do bem-estar geral de seus filhos.
A educação e a conscientização são as chaves para mitigar esses riscos e garantir um desenvolvimento auditivo saudável desde a primeira infância.