Regulação das redes sociais, instalação de data centers estadunidenses no Brasil, controle da comunicação, dependência do algoritmo, organização política, espaços além da internet. Esses foram alguns dos temas tratados na mesa Sugados pelo algoritmo: a luta de classes nas redes sociais nesta quinta-feira (7), segundo dia da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), que está acontecendo em São Paulo (SP).
O influenciador e historiador Jones Manoel abriu a conversa e trouxe assuntos bastante caros aos brasileiros, do tarifaço de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, à dependência das big techs nos meios de comunicação online. Manoel, inclusive, teve sua conta no Facebook e no Instagram derrubadas pela Meta na última quarta-feira (6), sem qualquer tipo de notificação.
O historiador falou pouco sobre o ocorrido com suas redes, que voltaram ao ar na manhã desta sexta-feira (8) — o que ele considera uma vitória da grande movimentação política feita nos últimos dias —, mas foi categórico ao afirmar que o Brasil precisa enfrentar sua dependência das big tecs.
“O problema da soberania brasileira se resolve com o enfrentamento da dependência. Se o nosso país for verdadeiramente autônomo, aí sim, a gente consegue resolver o problema das big techs. E resolver o problema das big techs é colocá-las para fora do Brasil”, declarou, reforçando os perigos da dominação das big techs nas redes sociais: “Milhões de brasileiros estão, todos os dias, produzindo dados que estão sob controle das empresas imperialistas dos Estados Unidos, e isso tem implicações econômicas, ideológicas, culturais, políticas e geopolíticas”.
Para Manoel, o Projeto de Lei (PL) das Fake News é importante e deve ser aprovado, mas isso é pouco, e o mesmo vale para a regulação das redes sociais. “Está muito claro que regular é fundamental, mas regular é pouco. A gente não pode depender da Meta, da NVidia, do Google, da Microsoft. A gente não pode fazer com que a comunicação brasileira seja controlada por monopólios estrangeiros, que, inclusive, estimulam discursos racistas, machistas, fascistas, e autodepreciação do povo brasileiro.”
A expressão usada pelo historiador para definir a relação brasileira com a internet é “colonialismo digital” e ele defende que é preciso avançar no debate, “entendendo que o aspecto central é o da produção, enquanto a regulação jurídica atua sobre a circulação”. Para Manoel, é muito mais sobre quem produz e armazena os dados do que sobre quem o distribui. O historiador ainda emenda uma crítica ao projeto do governo Lula de incentivo fiscal às big techs para a instalação de data centers no Brasil, sem política pública de soberania digital.
Ambiente ideológico e altamente controlado
A estudante de história e influenciadora Laura Sabino, também presente na mesa, demonstrou sua decepção com o resultado da promessa do que seria a internet. Ela conta que a expectativa era de um espaço de debate, onde temas que não circulavam em certos lugares fossem pautados, e que haveria liberdade.
Mas o que se vê em 2025 são contas derrubadas sem argumentos, algoritmo lutando contra e apoio a discursos extremistas. “A gente estava errado. A internet não só não é esse espaço livre, um território em que a gente pode fazer política de forma neutra, como ele é altamente ideológico e altamente controlado. As redes sociais, que são nossos espaços de trabalho, são empresas privadas de bilionários.”
Sabino ainda lembrou que as redes sociais são “um espaço de acumulação de dinheiro por atenção, por algoritmos que mantêm a gente preso, acreditando que está sendo bem informado, mas que alimentam determinados grupos, fomentando uma política pautada por um grupo ideológico que pode, a qualquer momento, pegar o trabalho de anos de influenciadores de esquerda e apagar, bloquear, destruir”.
É por isso que a internacionalista Duda Bolche, que também participou da conversa, reforçou a necessidade de entender a internet como um instrumento e não como fim, pois a guerra contra o algoritmo é uma guerra perdida: “A gente precisa usar a internet como meio de radicalização e de organização da classe trabalhadora”.
“É importante a gente criar espaços seguros dentro da internet também, criar as nossas redes de comunicação, tentar ter o controle, em certa medida, mas é importante também a gente entender que a internet é um instrumento do qual a gente tem que se apropriar, sempre tendo como objetivo estar para além dela, e se organizar politicamente.”
Um evento de resistência
Todos os participantes da mesa, que também contou com o comediante Tiago Santineli e o moderador Márcio Prado, celebraram a realização da Flipei. Menos de uma semana antes do início das atividades, a Prefeitura de São Paulo cancelou o contrato que autorizava o uso da Praça das Artes para o evento.
A Fundação Theatro Municipal (FTM), vinculada à gestão Ricardo Nunes (MDB), alegou “viés político-ideológico” por parte da organização do evento como motivo para o cancelamento, mas a organização da Flipei manteve a programação entre os dias 6 e 10 de agosto em diversos espaços culturais da capital.
Jones Manoel comemorou a participação em mais uma Flipei, que classificou como “um evento de resistência”. “Todo ano, a extrema direita brasileira tenta censurar a Flipei, atacar a Flipei, mas ela só cresce e vai continuar crescendo. É um prazer estar aqui.”
Laura Sabino agradeceu a todos os presentes no Galpão Elza Soares, que estava lotado, por terem saído de suas casas e feito o evento acontecer. “Eu acho que o debate que a gente está abordando hoje sobre rede social tem que passar a comunicação das ruas, das estradas, dos becos, do trabalho social e dos espaços que a gente vai fazer para além da internet”, afirmou.
A programação da Flipei segue até domingo (10), espalhada por diversos espaços de resistência da cidade, com dezenas de mesas, shows, lançamentos de livros e atividades voltadas à cultura crítica e popular.
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