A frase ficou ressoando entre os presentes, como um eco, enquanto eles anotavam cada palavra. “Sempre pensei que as ideias não giram em torno dos homens públicos; são eles que devem girar em torno das ideias”, destacou Fidel Castro, com voz pausada, naquele 5 de dezembro de 2004.
Diante do olhar atento de dezenas de jovens que participavam do VIII Congresso da União dos Jovens Comunistas, o líder cubano insistia em uma ideia que repetia constantemente: “A Revolução pôde resistir porque semeou ideias”.
Guerreiro de mil e uma batalhas, suas palavras convidavam à reflexão sobre o que talvez tenha sido uma de suas últimas grandes heresias: a batalha de ideias. Uma luta intensa contra todo “formalismo e conformismo” e contra toda “rotina e esquematismo”, com a convicção de que são os esforços anônimos do povo os únicos capazes de construir os horizontes da emancipação revolucionária.
“Trabalhou-se durante todo esse tempo aprofundando a visão crítica e não autocomplacente de nossa obra e de nossos objetivos históricos”, resumiu Fidel naquela ocasião.
É difícil exagerar a importância de sua figura: desde sua solidariedade internacional precoce, ainda estudante, quando se vinculou às lutas populares da América Latina — como a resistência contra a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo na República Dominicana — até seus primeiros anos como advogado, defendendo causas de trabalhadores e pessoas humildes. Desde sua militância contra a ditadura do general Fulgencio Batista, instaurada após o golpe militar de 10 de março de 1952, até se tornar um dos principais líderes da primeira revolução socialista triunfante do continente.
Do seu incansável esforço para materializar os “sonhos de justiça para Cuba e para o mundo” até sua participação nas causas de libertação em diversos lugares do planeta, Fidel foi uma das figuras mais relevantes do século XX e, acima de tudo, uma das mais importantes na luta dos povos contra a opressão.
Cuba se prepara para celebrar o centenário de seu líder revolucionário nascido em 13 de agosto de 1926. Em um contexto no qual a Revolução enfrenta desafios históricos — como a persistente agressividade imperialista — assim como impasses inéditos, o Brasil de Fato conversou com diversas ativistas e intelectuais sobre as ideias que foram semeadas e aquelas que ainda estão por ser.
Uma lembrança do futuro
Para o historiador e pesquisador cubano Frank Josué Solar, Fidel “deve ser considerado mais como um homem do futuro do que do passado”. Ele afirma que se aproximar de seu pensamento não é “um mero exercício de nostalgia histórica nem um passatempo erudito, mas sim um ato consciente capaz de transformar suas ideias em ferramentas vivas para as lutas atuais”.
Frank ressalta a necessidade de manter Fidel distante de “rituais e locais de adoração” para preservar intacto o potencial subversivo de seu legado revolucionário. Lembra que “seus sonhos e projetos continuam pendentes de realização, tanto em Cuba quanto no restante do mundo” e que, para torná-los realidade, é preciso “mantê-lo combatendo simbolicamente ao nosso lado”.
Ele enfatiza que estudar o pensamento e a obra do líder cubano deve ser um caminho para continuar construindo esse futuro de justiça, liberdade e dignidade que guiou toda a sua vida. Ressalta, ainda, que é fundamental resgatar “seu espírito rebelde, forjado na inconformidade e na luta constante”.
Contra Fidel, sempre tentou-se impor rédeas à sua rebeldia: muitas forças poderosas, múltiplos centros de poder e interesses criados tentaram contê-lo durante toda a sua vida, ao que ele sempre resistiu, aponta Frank. Não apenas enfrentou instituições, poderes ou forças dominantes, mas também as lógicas do que parecia possível ou normal. “Fidel subverteu e lutou para subverter a normalidade, a ordem de exploração, desigualdade e injustiça em que vivia, e procurou sempre empurrar, até o limite, as fronteiras do possível”, acrescenta.
“Uma comunidade de ideias que busque o mundo que devemos construir”
“O centenário de Fidel é uma oportunidade para refletir sobre aqueles temas que são essenciais na disputa de projetos que atravessam hoje Cuba para aprofundar o socialismo”, destaca a militante e educadora popular Llanisca Lugo.
É também uma ocasião para invocar e dialogar com “a tradição de lutas sociais do povo cubano, da qual Fidel foi uma síntese”. Se Fidel conseguiu — junto à Geração do Centenário — resgatar as tradições das guerras de independência, da Revolução de 1930 e do ideário martiano, atualizando esse legado para as batalhas de seu tempo, hoje — afirma Llanisca — essa tradição implica em lutar a partir das carências, demandas e desejos do povo, com o objetivo de conquistar a maior justiça social possível.
Um caminho imprescindível para compreender o sentido das lutas atuais, mas também para aprofundá-las. “Fidel contribuiu enormemente para a reflexão sobre a revolução”, observa.
“Como se amplia, se aprofunda e se defende um projeto revolucionário, com um poder revolucionário frente a um inimigo hostil como o imperialismo e o colonialismo, para se constituir como nação e avançar rumo à soberania?”, questiona Llanisca. “O que significa uma revolução nesses limites?”
Ela ressalta que, a partir dos problemas fundamentais da Revolução, Fidel não apenas impulsionou uma iniciativa como a de Moncada, cujo fracasso militar se tornou o início da Revolução, mas também “incentivou a criação de um pensamento e de um sujeito revolucionário capaz de liderar e protagonizar a concretização desse programa”.
Com a queda da ditadura de Batista, ao chegar a Havana em 8 de janeiro de 1959, Fidel proferiu um discurso inflamado no qual advertia que, apesar dos anos de enormes sacrifícios e lutas, “talvez, doravante, tudo seja mais difícil”. Toda sua vida e obra constituíram uma contribuição extraordinária sobre o significado da Revolução e suas potências coletivas, mas também sobre os perigos — sempre presentes — que a ameaçam, aos quais cada geração deve enfrentar.
“A Revolução deve gerar um pensamento e um sujeito revolucionário que a lidere e a protagonize. Porque, quando o processo político deixa de ter práticas revolucionárias, deixa de se formar e de se pensar como revolucionário; então surgem a conservação, o acomodamento e o individualismo”, adverte, lembrando que essas reflexões nunca ocorrem em condições ideais, mas enquanto se enfrentam problemas urgentes e graves, como a defesa do país.
Llanisca enfatiza a importância de manter princípios e ideais como guia, bem como a necessidade de ancorar os projetos populares nas dores, lutas e clamor dos povos, para sonhar em superar a lógica do sistema capitalista.
Pensar a Revolução como um processo de transformação de todas as estruturas implica em substituir a lógica anterior e reorganizar a ordem social, sempre ancorada no sentir do povo, em seus problemas, desejos e em sua maneira de imaginar o socialismo. Para isso, é necessário buscar na Cuba de hoje as “múltiplas vozes, discussões e conversas abertas que recuperem o pensamento e o ideário de Fidel”.
“Creio que devemos escapar ao máximo de equações dramáticas, da busca de benefícios ou ganhos, quando isso não está solidamente vinculado a princípios e ao orgulho de pertencer a um caminho, a uma comunidade de ideias que busque o mundo que devemos construir, que devemos defender e no qual merecemos viver.”
“Pagar nossas dívidas com a humanidade”
Fidel foi decisivo para que pessoas de todo o mundo pudessem estudar em Cuba. De origem palestina, Watan Jamil Alabed é um dos mais de 30 mil médicos estrangeiros formados na Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM), instituição criada pela Revolução Cubana para formar médicos de diferentes povos do mundo, especialmente dos setores mais vulneráveis.
Ele destaca que, durante sua graduação e especialização em Cuba, pôde compreender profundamente o que significa o internacionalismo, assim como o significado da Revolução: mudar tudo o que deve ser mudado, emancipar-se por si mesmo e comprometer-se com causas justas em qualquer parte do mundo.
“Fidel sempre esteve ao lado das causas justas e, em especial, junto à causa palestina. Um compromisso que, no contexto atual, em que estamos vivendo um genocídio atroz, televisionado e acelerado contra o povo palestino, assume uma importância especial”, observa.
Watan é um dentre as centenas de jovens palestinos que receberam de Cuba bolsas para estudar medicina e se especializar. Citando Fidel, afirma que o internacionalismo é “pagar as dívidas que temos com a humanidade”, e que, nesse caminho, milhares de jovens como ele apostam em se formar para contribuir com suas comunidades e com as lutas de seus povos.
Ele conta que, assim como centenas de outros palestinos formados na ilha, faz parte da “geração do centenário de Fidel”. Se a geração do centenário de José Martí lutou para mudar o mundo e realizou a revolução, a geração do centenário de Fidel tem o dever de continuar essas lutas e construir os sonhos de um mundo melhor.
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