Sem estrelas sertanejas e palcos gigantes: como foi a 1ª Festa do Peão de Barretos 70 anos atrás


O que foi destaque no palco da 1ª Festa do Peão de Barretos 70 anos atrás
Em 2009, um jovem cantor desconhecido esteve na Festa do Peão de Barretos para distribuir CDs de graça ao público que chegava para ver nomes como Daniel, Fernando & Sorocaba e Edson & Hudson. Era Luan Santana.
Aos 18 anos, ele dava os primeiros passos na carreira, mas já sabia onde queria estar: no palco da arena do Barretão, onde todo artista sertanejo encontra sua consagração.
Um ano depois, Luan Santana não só estourou com o disco “Tô de Cara”, como esgotou os ingressos para a noite de seu show em Barretos e foi agraciado com o primeiro título de embaixador da festa. A honraria é concedida pelo clube Os Independentes, organizador do evento, a famosos para representar o rodeio.
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Luan Santana canta para multidão na Festa do Peão de Barretos em 2011
Érico Andrade/g1
Entre os anos 1980 e 1990, o Barretão passou a ser considerado um templo da música sertaneja.
Mas, em 1956, quando a primeira edição da Festa do Peão aconteceu no Recinto Paulo de Lima Correa, os protagonistas do ponto de vista artístico foram outros: concursos da queima do alho e de catira, moda de viola e o berrante. Não havia palcos gigantes ou celebridades.
Este conteúdo integra a série especial do g1 ‘Barretão na Raiz’, sobre os 70 anos da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, considerada o primeiro evento do gênero no Brasil e o maior da América Latina. As reportagens voltam no tempo para contar fatos curiosos das primeiras edições.
Francisco Melo Junior dança catira desde a infância
Érico Andrade/g1
Estilo de vida do peão de boiadeiro virou atração
Esses elementos faziam parte da vida do peão de boiadeiro, que viajava no lombo de cavalos por centenas de quilômetros até Barretos (SP), conduzindo boiadas para serem entregues ao frigorífico Anglo, girando a economia.
“Concurso do berrante que tinha e ainda tem, a queima do alho. Mas não poderia deixar de ter também a catira, porque a catira fazia parte de uma dança que ela vem a ser secular”, diz João Paulo Martins, que há 40 anos cuida do Ponto de Pouso no Parque do Peão.
No espaço de chão batido rodeado de mata, a Festa do Peão preserva as tradições do modo de vida do boiadeiro.
Francisco Melo Junior se encantou pela catira aos 13 anos, ao ver o grupo 25 de Agosto dançando em Barretos.
“Catira é uma dança folclórica, é comprovado que ela existe já há 500 anos e ela é um sapateado e um palmeado que a gente executa na base da viola caipira. Tem que ser a viola caipira. É seis, oito, dez, 12. Tem grupos até de 14 pessoas. Os antigos falavam que tinha 30, 40 grupos de catira que faziam as disputas aqui e era bem legal”, diz o catireiro, de 53 anos.
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Mãe da música sertaneja
A música marcou presença com versos que contavam histórias da vida do peão e dos romances, cantada ao som da melodia dedilhada nas dez cordas da viola.
“Lá nos anos 30, com o surgimento do rádio, veio as primeiras duplas de moda de viola, né? Não poderia deixar também de ter a moda de viola raiz. Moda de viola raiz que fala das nossas tradições daqui do sertão”, afirma João Paulo.
A admiração pela viola foi herdada do pai e do irmão pelo violeiro Marcelo Canela. Nomes como Tião Carreiro e João Mulato inspiraram e são até hoje referência no trabalho dele.
“Aqui é raiz do sertão sertanejo mesmo. A música raiz. Original, de estradão, onde a comitiva parava, tinha uma roda de violão, a sanfona e ali vai. Era isso que animava os peões”, diz.
Marcelo Canela carrega a tradição da viola desde que aprendeu a tocar com o pai e o irmão Festa do Peão de Barretos
Érico Andrade/g1
Em 2004, Canela e o então parceiro Suleiman venceram a Violeira Rose Abrão, um concurso de modas autorais que foi promovido pela Festa do Peão de 1984 até 2023.
Tio Rose foi o apelido dado a Gaze Abrão (1936-1993) por Tião Carreiro (1934-1993), ícone da cultura raiz. Ele era comerciante e nos anos 1980 promovia violadas no Sobrado da Alegria em Barretos.
“Pra mim, a viola representa o marketing dos artistas tudo. A viola que começou com o Tião Carreiro, com essas duplas tudo e foi evoluindo os cantadores, o sertanejo. Tudo foi na viola e é o marco do Brasil inteiro. É uma história da vida de um tropeiro, a vida de uma pessoa que está apaixonada e por aí vai”, diz.

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Comida feita no fogo de chão
Outra atração foi a parte gastronômica: uma disputa entre os cozinheiros das comitivas.
Durante as longas viagens com as boiadas, era ele o responsável por garantir a alimentação dos peões. O prato era feito no fogo de chão, sempre em um lugar com água limpa para o preparo seguro das refeições e também para que o gado pudesse se refrescar.
A Queima do Alho nasceu da combinação reforçada do arroz carreteiro, com o feijão gordo, o churrasco e a paçoca de carne. Historiadores contam que uma versão divertida para o nome surgiu da desconfiança das mulheres sobre homens tendo que lidar sozinhos com as panelas.
Ela virou concurso na 1ª edição da Festa do Peão e permanece até hoje. Vence quem preparar a Queima do Alho mais saborosa e original no menor tempo.
Queima do Alho em Barretos
Erico Andrade/G1
Um instrumento chamado berrante
Há cerca de 50 anos, o pai de Carlos Henrique Borges Laurindo era comissário. Ainda criança ele chegou a acompanhá-lo em viagens mais curtas com a boiada e se apaixonou pelo toque do berrante.
🔎 O instrumento foi criado para fazer a comunicação entre os peões, que se dividiam cercando o rebanho de até mil cabeças. Basicamente, há quatro toques: o de solta, para acordar o gado; o de estradão anima a boiada; o do rebatedor alerta sobre perigos na estrada; e o da boia avisa que a queima do alho está servida.
Foi justamente a forma de tocar o berrante, feito com chifre de boi e couro, que virou concurso na Festa do Peão 70 anos atrás.
“Eles julgam o melhor som, o jeito que a pessoa tocou, se tocou o toque certo, o toque de solta. Tudo tem um tem um jeito de tocar e tem um som, tem um ritmo”, explica Carlos Henrique.
Carlos Henrique Borges Laurindo aprendeu a tocar berrante ainda criança acompanhando as comitivas do pai Festa do Peão de Barretos, SP
Érico Andrade/g1
Tradições preservadas
Na edição que celebra os 70 anos do Barretão, cerca de 100 shows estão programados. Artistas da nova geração, como Ana Castela e Hugo & Guilherme, se juntam a clássicos como Chitãozinho & Xororó e Leonardo, passando ainda por nomes que inovaram no gênero, como Jorge & Mateus e João Bosco & Vinicius.
No Ponto de Pouso, João Paulo Martins mantém a tradição. Ele se prepara para receber cinco comitivas saídas de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, que já estão em viagem pelo estradão a caminho da capital nacional do rodeio.
“Cinco comitivas que ainda estão na ativa e estão vindo aqui para competir. É um marco na nossa história”, diz.
O concurso será feito no domingo (24) e terá como atração a dupla Lourenço & Lourival, uma das mais longevas do país. João Paulo já chegou a servir 3,5 mil refeições na Queima do Alho em um único dia. São quase quatro toneladas de comida servida.
“Aqui é a festa que é a das top. A gente vem bastante animado que a gente gosta de apresentar aqui todo ano. É diferenciado fazer uma apresentação no lugar que tem raiz”, diz o catireiro Junior.
João Paulo Martins é coordenador da Queima do Alho da Festa do Peão de Barretos
Érico Andrade/g1
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