Acordos ambientais para diminuir poluição do ‘pó preto’ da CSN são descumpridos há 30 anos, diz MP

Os ministérios públicos Federal e do Estado do Rio de Janeiro estão tentando interromper o ciclo de prorrogações concedidas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ao longo de três décadas na unidade de Volta Redonda, no sul fluminense.

Em pedido extrajudicial feito em março, o documento realiza um histórico de renovações dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC) desde 1994 e que se estende até hoje. O último foi firmado em 2018, e apesar de ter em seu texto a impossibilidade de renovação, em 2024 ele foi prorrogado até dezembro de 2026.

Além de pedir a interrupção da extensão do prazo concedida, a ação extrajudicial quer a suspensão imediata de uma das unidades de sinterização e de forma gradativa das demais unidades até da  Usina Presidente Vargas ou o cumprimento integral das medidas que impeçam a cidade de manter níveis altos de poluição do ar. A sinterização é um processo de fundição do aço e outros metais e responsável pela produção do pó preto que se vê espalhado na cidade.

Em resposta ao Brasil de Fato, o Ministério Público Federal informa que aguarda   manifestação do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e da CSN para tomar as próximas medidas. À reportagem, o advogado ambientalista Rodrigo Beltrão e fundador do coletivo Democracia Verde explicou que o comunicado extrajudicial é uma tentativa de acordo antes da entrada oficial de um processo.

Procurada pelo Brasil de Fato, a CSN afirmou que a pandemia de covid-19 impossibilitou o cumprimento integral do TAC. Para o documento elaborado pelos ministérios públicos, esse argumento não se justifica uma vez que a existência de imprevistos vem sendo alegada há três décadas.

A empresa afirma também, em respostas enviadas por e-mail via assessoria, que realizou investimentos de R$ 1,2 bilhão, superior aos 300 milhões previstos no TAC firmado em 2018, um montante que deve chegar até 1,5 bilhão até 2026, quando encerra a prorrogação do termo. “Como resultado de um trabalho intensivo realizado nos últimos anos, a qualidade do ar em Volta Redonda apresentou melhora significativa. Dados de monitoramento das estações automáticas de monitoramento indicam que, em 2025, a qualidade do ar esteve classificada como “boa” em 99,75% do tempo e “regular” em apenas 0,25%”, afirmou a empresa por meio da assessoria de imprensa. Dados apresentados também em totens espalhados pela cidade para informar a qualidade do ar. A empresa informou ainda que a instalação de um segundo conjunto de filtros foi concluída no último dia 15 de agosto e a terceira e última será realizada no começo de 2026.

O deputado estadual Jari Oliveira (PSB-RJ) reconhece que há mudanças sendo feitas, mas considera que o ritmo é muito lento. “Os moradores dos bairros São Luiz, Carreira, Porta Grande, Brasileira, sofrem muito com essa questão da poluição”, diz. E foi diante dessa situação que ele propôs a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o “pó preto”, formado por resíduos siderúrgicos que invade as ruas e as casas, ainda em outubro de 2023 para acompanhar, apurar e fiscalizar lizar a negligência do INEA e dos órgãos ambientais junto às indústrias no Rio de Janeiro para que cumpram as medidas de proteção ambiental. Em junho de 2025 ele retomou a urgência do pedido em artigo para o Brasil de Fato. O INEA não retornou o pedido de entrevista da reportagem.

Índices de poluição do ar são contestados

O deputado Jari Oliveira, assim como diversas organizações da sociedade civil, contestam os dados divulgados pela CSN de boa qualidade do ar, com base na quantidade de “pó preto” espalhado pela cidade e pela névoa de poluição que constantemente cobre o céu da cidade. De acordo com dados divulgados pelo Democracia Verde as estimativas para o ano de 2025 é de que a emissão de material particulado de 2,5 micrômetros, invisíveis a olho nu, alcance 22 microgramas por metro cúbico (µg/m3), com picos de 50µg/m3, quando o limite estipulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 5 µg/m3 a partir de dados de medições independentes. “A gente tem tido alguns registros, assim, de muito insalubre, insalubre, cotidianamente, dessas medições feitas”, conta Beltrão.

De acordo com a OMS, o material particulado MP 2.5 é capaz de penetrar profundamente nos pulmões e entrar na corrente sanguínea, causando impactos cardiovasculares e respiratórios.

‘Pó preto’ presente na casa dos moradores representa risco à saúde

O professor de ensino fundamental Leonardo Gonçalves é morador de Volta Grande 4, condomínio localizado próximo a pilha de rejeito siderúrgico que se acumula há quatro décadas às margens do rio Paraíba do Sul. Ele também sofre com o chamado “pó preto” e tem uma larga experiência de mobilizações em favor da tomada de medidas pela CSN como antigo coordenador da Pastoral da Juventude da Igreja Católica na cidade.

Apesar de todo esse histórico de mobilização, o professor está de mudança da cidade e há seis meses é professor em Angra dos Reis, também no sul fluminense. Ele conta que um marco para essa decisão foi a gravação de uma reportagem em sua própria casa em que foi feito o teste do imã. Diante do pó preto que presente do quintal de sua casa, a reportagem testou a existência de componentes metálicos com a utilização de um imã e o material aderiu ao objeto magnético. “E eu sempre via aquele teste na TV. E ele [o repórter] pediu para fazer um teste com papel varrendo no meu quintal, no quintal da minha casa. Na hora que eu vi aquilo tudo mexendo, aquelas partículas metálicas todas, me deu um desgosto gigantesco. O sonho da casa própria se transformou num pesadelo”, conta.

Ele recorda ainda que a CSN chegou a oferecer varredores para cidade, o que ele considera desnecessário. “Volta Redonda não precisa de varredores, precisa de uma responsabilidade social da empresa, uma responsabilidade social e ambiental em relação à cidade”, diz.

A reportagem foi gravada em 23 de julho de 2023. Naquela época, a medição de partículas sedimentáveis, o pó preto, uma medida que ocorria desde 2017. Diante da pressão da sociedade civil, essa medida foi revertida no final daquele ano. Para auxiliar na medição, o deputado Jari Oliveira destinou R$ 900 mil em recursos de medida impositiva para aquisição de medidores da qualidade do ar e da água destinados ao Inea e a instalação de uma estação automática de medição da qualidade do ar para que os moradores não dependam dos medidores da CSN. Ele informa que os equipamentos estão em fase de licitação. Os novos equipamentos refletem uma conquista recente da retomada dessa medição, ou seja o pó preto, no Estado do Rio de Janeiro, suspensa desde 2017 em decreto 48.668 de 1º de setembro de 2023.

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