
Vivemos tempos em que o arbítrio se tornou regra e o devido processo, exceção. A máxima do Estado de Direito — que determina que todos estão submetidos à lei, inclusive os governantes — cede espaço ao personalismo de autoridades que legislam por decretos, aplicam a justiça por preferências e reinterpretam a Constituição Federal conforme os ventos políticos. O problema não é novo, mas seu agravamento ameaça o alicerce que distingue a civilização do despotismo: a soberania da lei.
Para os clássicos liberais, o Estado de Direito é o antídoto contra os abusos do poder. Friedrich Hayek, em “O Caminho da Servidão”, afirma que as leis só são legítimas quando gerais, abstratas e previsíveis, pois somente assim permitem que o indivíduo planeje sua vida com segurança. Ao contrário da ordem arbitrária, que se impõe pela força e pela surpresa, a ordem jurídica baseia-se na previsibilidade. Quando as regras mudam a cada julgamento, a cada caneta ou a cada governo, a liberdade se dissolve silenciosamente.
No Brasil, esse desmanche da segurança jurídica se mostra em diversos níveis. Leis interpretadas conforme a conveniência política, decisões judiciais sem base legal clara, prisões preventivas eternizadas, censuras disfarçadas de moderação. As instituições, que deveriam ser garantidoras da liberdade, tornam-se aparelhos de coerção ideológica. Juízes transformam tribunais em palanques. Legisladores invertem sua função de representar o povo para servir ao partido. E o Executivo, com frequência, extrapola os limites da legalidade, operando como se o fim justificasse os meios.
A Erosão do Estado de Direito e o Futuro da Liberdade
Essa erosão do Estado de Direito não destrói apenas o presente; ela assassina o futuro. Sem leis estáveis e universais, não há ambiente seguro para empreender, inovar ou sequer existir com autonomia. A arbitrariedade jurídica paralisa investimentos, mina a confiança social e abre caminho para o terror legalista, em que qualquer um pode ser punido, bastando que o establishment deseje. Quando o cidadão comum precisa mais de favores que de direitos, não se vive mais em uma república, mas em uma distopia com verniz democrático.
O valor do Estado de Direito reside justamente em sua impessoalidade: pouco importa quem você é, o que pensa ou quem conhece. A lei é a mesma para todos. Essa premissa é o que diferencia justiça de vingança, legalidade de perseguição, civilização de barbárie. Onde não há limites claros ao poder, não há espaço para o indivíduo florescer.
A Defesa da Liberdade Através do Estado de Direito
É por isso que a defesa do Estado de Direito é, antes de tudo, a defesa da liberdade. É ele que impede que a força do Estado se volte contra seus próprios cidadãos; é ele que obriga o governante a prestar contas e o magistrado a se submeter à Constituição. Em seu âmago, está o reconhecimento de que nenhum homem está acima da lei, nem mesmo aquele que a interpreta.
Dizer-se defensor da liberdade sem lutar pelo Estado de Direito é como bradar a música e ignorar o compasso ou clamar por justiça sem admitir o processo. A liberdade verdadeira não é fruto de discursos inflamados, mas de estruturas institucionais que limitam o poder e protegem o indivíduo.
Reafirmação e Resistência em Tempos de Crise
Por isso, em tempos de crise institucional, reafirmar o Estado de Direito não é apenas uma exigência democrática: é um ato de resistência. É declarar, contra a barbárie travestida de progresso, que o Estado de Direito é a última trincheira entre o indivíduo e a tirania. E que, enquanto houver indivíduos dispostos a defendê-lo, ainda há esperança de liberdade.