Vereador recorre de condenação por homofobia e defesa diz que sentença copiou trechos do caso Nikolas Ferreira


Vereador evangélico abandona plenário após se recusar a ler projeto de lei LGBTQIA+
A defesa de Eduardo Pereira (PSD), vereador evangélico que se recusou a ler a apresentação de um projeto de lei voltado ao público LGBTQIA+ durante uma sessão na Câmara de Bertioga (SP), recorreu da condenação por homofobia. Na apelação, o advogado Victor Rufino afirmou que a sentença ignorou as particularidades do caso e se baseou em trechos de uma decisão contra o deputado federal Nikolas Ferreira (PL).
Rufino apontou que a juíza Jade Marguti Cidade utilizou fundamentos da decisão contra Nikolas, que em 2023, no Dia Internacional da Mulher, usou uma peruca loira durante discurso na Câmara e foi condenado por discurso de ódio e transfobia ao pagamento de R$ 200 mil por danos morais coletivos.
O caso envolvendo Eduardo Pereira ocorreu em 21 de maio de 2024, após o presidente da Câmara indicar que o vereador fizesse a leitura do projeto, de autoria da vereadora Renata da Silva Barreiro (PSDB). A denúncia de homofobia foi apresentada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), e acolhida pela Justiça.
Conforme a decisão judicial, o parlamentar foi condenado a 2 anos e 3 meses de prisão, em regime aberto, e a pagar de R$ 25 mil por danos morais.
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Confira o momento em que o parlamentar se negou a fazer a leitura da proposta:
“Ah, não Renata, vou sair fora”.
“Tá louco? Não faz isso comigo. […] dar um projeto LGBT para mim?”
“Não, toma, pega aí”, disse ao entregar o documento e se retirar.
Defesa afirma que sentença é indevida
Na apelação apresentada na última segunda-feira (25), a defesa de Eduardo Pereira argumentou que a sentença não considerou as particularidades do caso e se apoiou em fundamentos de outra ação, de repercussão nacional.
Segundo Rufino, trechos inteiros da decisão contra o vereador foram reproduzidos da sentença proferida contra o deputado federal Nikolas Ferreira de Oliveira, julgada pela 12ª Vara Cível de Brasília.
“Ao fazê-lo, a decisão ora apelada deixou de analisar os fatos peculiares da conduta do ora apelante Eduardo, vereador municipal, e aplicou-lhe fundamentos voltados a um discurso de um parlamentar federal, em contexto, alcance e repercussão incomparavelmente distintos”, disse Rufino.
Para o advogado, o vereador foi julgado com base em um paralelo indevido. Segundo ele, “quando a decisão se limita a repetir o molde de outro processo, sem demonstrar a ocorrência do alegado abuso no presente caso, deixa de fundamentar. E sentença sem fundamentação própria não é sentença: é peça alheia, aplicada indevidamente ao réu que não a gerou”.
Condenação de Nikolas Ferreira
Rufino argumentou que o raciocínio utilizado na condenação de Nikolas Ferreira, envolvendo o uso de peruca e a ridicularização explícita da identidade de pessoas trans, não pode ser aplicado automaticamente ao caso de Eduardo, que, segundo ele, não apresentou conduta semelhante.
A defesa alegou que o texto da sentença proferida no Distrito Federal foi apenas adaptado, com a retirada da descrição dos fatos originais, mas mantendo a mesma conclusão. “Assim, condenou-se Eduardo sem qualquer prova de conduta equivalente, aplicando-lhe a gravidade de atos que jamais praticou.”
O advogado reforçou que “é princípio elementar da Justiça que a pena se aplique ao fato provado, e não à sombra de outro processo. Quando a fundamentação não nasce da prova dos autos, mas da colagem de fatos estranhos, há nulidade insanável: não se julgou o réu, julgou-se a imagem de outrem”.
Diante disso, a defesa solicitou a absolvição do vereador. Caso não seja acatada, pediu que seja afastado o agravamento da pena por crime de ódio, que o valor da indenização seja revisto proporcionalmente e que se reconheça a nulidade do depoimento da testemunha.
“Um homem que jamais incitou o ódio, mas que foi condenado, paradoxalmente, por recusar-se a praticar o mimetismo de uma leitura protocolar”, disse o advogado.
Condenação
Na decisão judicial, a juíza Jade Marguti Cidade afirmou que foram produzidas provas suficientes a demonstrar que o réu praticou a conduta a ele imputada, induzindo a discriminação e preconceito contra a comunidade LGBTQIAPN+ em razão da orientação sexual do aludido grupo.
“Não são necessárias maiores dilações sobre a prática ou não do ato pelo réu, posto que integralmente gravado e constante do vídeo acostado aos autos, cujo áudio é claro”, defendeu a magistrada.
Segundo a juíza, as testemunhas afirmaram não ser comum o réu recusar-se a ler projetos no exercício de suas funções. “Ante todo o exposto, a prova é certa, segura e não deixa dúvidas de que o acusado praticou o delito descrito na denúncia, devendo responder penalmente pelo praticado”.
Ao julgar procedente a ação, a juíza afirmou que o valor da indenização será destinado a fundos ou a ações específicas voltadas ao enfrentamento à discriminação, ou a promoção à igualdade.
À época, Eduardo afirmou que, conforme o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Diante do princípio da presunção de inocência, a defesa dele está elaborando apelação cabível.
Ele disse que as ações foram pautadas na liberdade de expressão e defesa dos princípios, sem intenção de ofensa ou discriminação. “Me manifestarei sobre o mérito da questão exclusivamente nos autos do processo e nas instâncias recursais”.
O vereador disse, ainda, que reafirma o compromisso com o exercício do mandato em defesa dos direitos e interesses de toda população de Bertioga, sem distinção. “Confio na Justiça e acredito que ao final do processo legal prevalecerá a minha inocência”.
Denunciado por homofobia
Vereador evangélico abandonou plenário após se recusar a ler projeto de lei LGBTQIA+ no litoral de SP
Reprodução
Para a promotora Joicy Fernandes Romano, responsável por oferecer a denúncia contra Eduardo Pereira, o vereador “incitou a discriminação e estimulou a hostilidade” contra a população LGBTQIA+ quando manifestou publicamente a aversão ao grupo, chamando de louco o interlocutor pelo pedido de leitura do projeto.
“Praticando discriminação penalmente típica diante da externalização de ideias de inferiorização, aversão, segregação e intolerância, razão pela qual a conduta encontra subsunção no crime de racismo”, afirmou a promotora.
Segundo Joicy, o denunciado exteriorizou a redução de direitos fundamentais do grupo discriminado, indicando com a própria conduta a suposta superioridade heterossexual em relação aos demais.
Diante disso, o MP-SP denunciou, em 21 de junho de 2024, o vereador no artigo 20 e artigo 20-B, ambos da Lei n° 7.716/1989. Veja detalhes abaixo:
⚖️ Art. 20: Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.
⚖️ Art. 20-B: Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por funcionário público no exercício de suas funções, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 do Código Penal.
Em 26 de junho de 2024, o juiz Daniel Leite Seiffert Simões, do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP), aceitou a denúncia do MP-SP. O magistrado determinou que o réu fosse citado para responder à acusação, por escrito, no período de dez dias, oportunidade em que ele poderia apresentar a própria defesa, além de oferecer documentos, justificações e relacionar testemunhas.
Vereador evangélico abandonou plenário após se recusar a ler projeto de lei LGBTQIA+ em Bertioga (SP)
Reprodução
Relembre o caso
O projeto de lei 035/2023 previa a criação do programa ‘Respeito tem Nome’ para garantir o atendimento digno e facilitado a pessoas trans e travestis na obtenção de documentos necessários para a alteração do prenome [primeiro nome] e gênero em registros.
Após a aprovação do projeto em 1ª discussão, a vereadora Renata pediu para se manifestar sobre o ocorrido e afirmou que o projeto se resume ao respeito.
“Não estou falando de homem, de mulher, de via**, do que quer que seja. Estou falando de respeito, falo de cidadania, de ser humano e de humanização. A minha religião é Deus e ela me permite que eu aceite qualquer tipo de pessoa”, disse ela.
Procurado pelo g1, à época, o vereador afirmou que, como cristão, percebeu que o projeto foi passado para que ele fizesse a leitura por este motivo. “Não hostilizei ninguém, nem fiz críticas ou alguma consideração”.
Segundo Eduardo, a polêmica sobre o assunto ocorreu ‘sem necessidade’. Ele negou ter tirado sarro ou dado risada da situação, mas ressaltou: “Assim como respeito a todos, também mereço respeito na minha posição de não ter feito a leitura. Deus ama a todos e eu também”.
Quem é Eduardo Pereira?
Vereador Eduardo Pereira (PSD)
Reprodução/Redes Sociais
Eduardo é evangélico, engenheiro civil e bacharel em direito. O vereador iniciou a carreira política na campanha plebiscitária da emancipação de Bertioga.
Ele foi assessor parlamentar da Câmara Municipal da cidade, onde atuou por 10 anos. Em 2004, foi eleito para seu primeiro mandato com 1278 votos. Em 2008, foi eleito vice-prefeito de Bertioga com 12.226 votos. De 2009 a 2010 assumiu a Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos.
Desde então, foi assessor técnico na Secretaria de Estado do Emprego e Relações do Trabalho. Ele assumiu a Diretoria Regional do Trabalho e Renda da Baixada Santista, mas se afastou para concorrer às eleições de 2016, quando foi eleito para o segundo mandato parlamentar com 1.049 votos.
Em 2020 foi reeleito para o terceiro mandato parlamentar com 1.223 votos. Nas últimas eleições municipais em 2024, Eduardo foi reeleito com 1.673 votos.
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