A recente escalada da violência policial nos estados brasileiros revela a herança da estrutura da polícia da ditadura militar no país (1964-1985), analisa o tenente-coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo e pesquisador sobre letalidade policial, Adilson Paes de Souza. “A estrutura policial é a mesma da ditadura militar que assolou o Brasil”, afirma, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
Segundo ele, mesmo com a adoção de tecnologias como as câmeras corporais, não houve uma transformação no padrão de atuação da PM. Pelo contrário. O modelo atual, que permite que os próprios policiais decidam quando ligar o equipamento, criaria brechas para apagar provas. “O que nós estamos assistindo com o projeto das câmeras policiais, com o policial podendo acionar, é o Giggs contemporâneo”, diz, em referência ao personagem de A República, de Platão, que ao encontrar um anel mágico que o tornava invisível, passa a cometer crimes sem ser punido.
O pesquisador aponta que o crescimento da letalidade tem relação direta com a aplicação da doutrina de segurança nacional, usada durante a ditadura para eliminar “inimigos internos”. Hoje, ele lembra, esse inimigo tem cor e classe social: pobres, pardos e negros.
“Nós temos, no Brasil, o tipo penal do suspeito. Ele poderá ser morto com uma pseudo aplicação de justiça instantânea para dizer para a população que a polícia é atuante”, denuncia. Para ele, a PM tem cometido “um genocídio”. “Vamos chamar a coisa como deve ser chamada”, defende.
“Letalidade gera votos”
Em maio, São Paulo teve o mês mais letal dos últimos cinco anos, com aumento de 61% nas mortes por ações policiais. No caso mais recente, em Paraisópolis, o jovem Igor de Oliveira Moraes foi executado por um PM mesmo após se render com os braços para o alto. A cena foi registrada por uma câmera corporal ligada por engano. “Populismo significa matar pessoas. E tem gente ganhando voto com isso, de qualquer espectro político”, lamenta Souza.
Conforme o militar aposentado, tanto governos de direita quanto de esquerda endossam práticas violentas. “Ambas têm a mesma prática, a mesma política, o mesmo discurso. Ambas são favoráveis à letalidade policial. A Bahia, um governo estadual há muito tempo nas mãos do PT, hoje é o estado cuja polícia mais mata no Brasil”, cita.
O pesquisador critica também a atuação das instituições de controle, por serem, em muitos momentos, coniventes com a impunidade. “Infelizmente, o sistema de justiça criminal, que é para além da atuação da polícia, é um sistema que permite que a letalidade prevaleça e cresça no nosso país. Nós precisamos de um Ministério Público realmente independente e atuando no controle efetivo externo das corporações policiais. Isso nós efetivamente não temos”, declara.
Souza é cético quanto à possibilidade de reformas significativas no atual modelo policial, que tem cada vez mais poder. “Eu entendo que é impossível, dadas as condições atuais. Com o advento do desastroso governo [do ex-presidente] Jair Bolsonaro (PL), as corporações policiais adquiriram peso político e interferem na vida institucional do Brasil mais do que efetuando policiamento”, observa.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.
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