Rio sem peixe: comunidade do Tanquã sofre para se manter e pescador desiste da pesca 1 ano após desastre ambiental


Usina apontada pela Cetesb como origem de poluição que matou 235 mil peixes recorreu contra multa e o recurso segue em análise. Para retomar licença, empresa precisa realizar adequações. Tragédia Ambiental no Tanquã em Piracicaba completa um ano nesta segunda-feira
Um ano após um desastre ambiental matar 235 mil peixes em um santuário de animais no Rio Piracicaba, pescadores que nasceram no Tanquã, conhecido como minipantanal paulista, enfrentam dificuldades para seguir com a atividade que garante a subsistência da comunidade. No cenário de incerteza apontado pela falta de peixes, alguns chegaram a desistir da pesca. Leia relatos na reportagem, abaixo.
📲 Participe do canal do WhatsApp do g1 Piracicaba
Multa: A pagamento da multa de R$ 18 milhões aplicada à Usina São José (USJ), apontada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) como a origem do poluente que desencadeou a mortandade, ainda não foi realizado.
‘Penso em ir embora, mas para onde?’, diz moradora
A pescadora Mônica Evangelista Ferreira nasceu e cresceu no Tanquã e, assim como outros moradores do minipantanal paulista, depende da atividade que aprendeu com a família para sobreviver. Diante das dificuldades enfrentadas após a mortandade de peixes, ela já pensou em deixar o local.
“Em quarenta anos, nunca vi isso na minha vida. Já pensei em ir embora. Mas, para onde?”, se pergunta.
Sebastiana dos Santos Moraes é a pescadora mais antiga da comunidade de moradores do Tanquã.
“Nunca vi o Rio Piracicaba assim. Em cinco noites, peguei apenas uma tararira. É muito pouco. O que se faz com um peixe na vida”, lamentou.
Mortandade na APA do Tanquã é a maior registrada, segundo pescadores
Jefferson Souza/ EPTV
Apesar de, no inverno, a oferta de peixes ser normalmente menor durante a estação, o pescado Nilson Abraão garante que um ano após o desastre ambiental, a situação ficou muito pior.
“Anos atrás, mesmo nesta época de frio, a gente armava a rede e pegava cerca de 40 ou 50 quilos de peixes. Agora, há dias em que você levanta de madrugada, gasta combustível, vai ao rio, arma a rede e pega um peixe sequer”, contou.
Desistência
O Seu Paraná, pescador conhecido no Tanquã, desistiu da prática um ano após a mortandade.
“Parei de pescar porque não tem condição. Geralmente, quando acaba a Piracema, é sempre bom [o oferecimento] de peixe no rio. Chegávamos a pegar uma média de 70 quilos por dia. Dava para ir se mantendo. Só que neste ano, foi horrível. Hoje, se tira cinco ou seis quilos, quando tira”, disse.
Além da dificuldade de se manter na pesca, os moradores ainda relataram a ocorrência de, pelo menos, outras três mortandades após a ocorrida em julho de 2024.
Usina entra com recurso
A empresa entrou com recurso contra a multa aplicada em agosto de 2024, mas ele segue sob análise.
A companhia ambiental explicou que a empresa tem garantidas as seguintes possibilidades de defesa:
Recurso administrativo de primeira instância;
Recurso administrativo hierárquico;
Recurso no âmbito judicial.
“A Cetesb cobra administrativamente as multas após 30 dias da ocorrência do trânsito em julgado administrativo [quando não é mais possível recorrer]. Se o débito não for quitado, é inscrito no Cadin [Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal], protestado e inscrito na dívida ativa. […] Na dívida ativa, acontece a ação judicial onde pode ocorrer até a penhora de bens”, detalhou o órgão.
O g1 questionou a Cetesb sobre o motivo da análise do recurso se estender desde agosto de 2024, mas não houve resposta em relação a isso.
ARQUIVO: imagens aéreas mostram milhares de peixes mortos no Tanquã após despejo irregular, em julho de 2024
Licença segue suspensa
A companhia ambiental também informou que a licença de operação da Usina São José, localizada em Rio das Pedras (SP), permanece suspensa após a identificação de falhas estruturais e operacionais no sistema de tratamento de efluentes industriais.
“Para a regularização da atividade, a Companhia determinou a execução de um plano técnico de adequações, que prevê a reforma de tubulações e bombas, instalação de medidores em todos os pontos de lançamento, construção de um novo sistema de tratamento, entre outras intervenções. As ações estão em fase final de implantação e vêm sendo acompanhadas de forma direta pela equipe técnica da Cetesb”, acrescentou.
Imagem em relatório da Cetesb aponta que poluente partiu de usina e atingiu ribeirão
Reprodução/ Cetesb
Monitoramento na região
A Cetesb ainda afirmou que reforçou o monitoramento ambiental na região impactada.
“Ao ponto fixo já existente em Artemis, somou-se a instalação de uma nova sonda automática em Monte Alegre, ambas operando 24 horas por dia para o acompanhamento contínuo da qualidade da água. Também houve intensificação das fiscalizações conduzidas pela Agência Ambiental de Piracicaba, em articulação com a Prefeitura, o Ministério Público e o Comitê de Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ)”, detalhou.
Tanquã é considerado um santuário de animais
Edijan Del Santo/ EPTV
Usina fala em acusações ‘indevidas e injustas’
Em nota, a Usina São José (USJ) reiterou que “as acusações de responsabilidade sobre o incidente de mortandade de peixes ocorrida no dia 08/07/2024 são indevidas e injustas”.
A empresa apontou que a mortandade de peixes é um problema crônico na bacia do Rio Piracicaba, e que é decorrente da “má qualidade histórica e documentada das águas na região, agravada por diversas fontes de poluição locais até hoje existentes e completamente ignoradas”.
“O processo de investigação, ao contrário do que a boa técnica exige, não foi conduzido a partir da análise dos fatos, mas sim com uma busca precipitada por um suposto culpado, o que resultou na aplicação de uma multa desproporcional contra a USJ, a partir de uma legislação inaplicável ao caso concreto. A empresa contestou veementemente essa penalidade e apontou inconsistências jurídicas e técnicas na autuação”, acrescentou.
A USJ sustentou que todos os documentos e provas que apresentou até o momento não foram devidamente analisados pelas autoridades.
“A empresa defende o respeito ao princípio da presunção de inocência, constitucionalmente garantido, e reitera que todas as acusações devem ser provadas antes de qualquer julgamento definitivo. A USJ seguirá com sua defesa nos canais administrativos e confia que a verdade prevalecerá, respeitando o devido processo e as garantias legais. E, ciente de suas responsabilidades, reafirma seu compromisso com o meio ambiente e com as boas práticas de gestão ambiental”, concluiu.
Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba
g1
Raio x do desastre
253 mil peixes mortos: A estimativa é da Cetesb. Em peso, a agência fiscalizadora estima que são, pelo menos, 50 toneladas de peixes.
Nível zero de oxigênio: Análises da Cetesb constataram nível zero de oxigênio dissolvido na água (OD) ou próximo de zero, o que torna impossível a sobrevivência de animais aquáticos.
Forte odor, espuma e água escura: Entre as características na água, estão um forte odor característico de materiais industriais orgânicos, coloração escura da água e presença de espuma.
70 quilômetros de extensão: De acordo com relatório da Cetesb, a mortandade de peixes se estendeu por um trecho de 70 quilômetros, desde a foz do Ribeirão Tijuco Preto até a Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Piracicaba-Tanquã.
10 dias de duração: A Cetesb detalha que os efeitos da carga poluidora no Rio Piracicaba foram percebidos por cerca de dez dias.
APA atingida equivale a 14 mil campos de futebol: A área de proteção do Tanquã, onde foi registrado o maior número de peixes mortos, ocupa uma área de 14 mil hectares, equivalente a 14 mil campos de futebol, nas cidades de Anhembi, Botucatu, Dois Córregos, Piracicaba, Santa Maria da Serra e São Pedro, no interior de São Paulo.
Santuário tem ao menos 735 espécies: Segundo o professor de ecologia da Esalq/USP Flávio Bertin Gandara, a APA do Tanquã é um santuário de animais porque eles encontram nela alimento e abrigo para se reproduzir. Também há mais de 300 espécies de plantas.
50 pescadores afetados: Entre Piracicaba e São Pedro, a colônia de pescadores tem cadastrados pouco mais de 50 pescadores que dependem do rio para viver, segundo representante do grupo.
R$ 18 milhões em multa: Além de ser considerada a poluição das águas e a mortandade dos peixes, no cálculo da multa, segundo a Cetesb, também foi considerado que empresa deixou de comunicar a ocorrência e que houve danos em uma área de proteção ambiental.
9 anos para recuperação: Segundo o analista ambiental Antonio Fernando Bruni Lucas, serão necessários até nove anos para a recuperação da quantidade de peixes no Rio Piracicaba.
Pescadores relatam reflexos de mortandade de peixes na APA Tanquã, em São Pedro
VÍDEOS: tudo sobre Piracicaba e Região
Veja mais notícias sobre a região na página do g1 Piracicaba.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.