O governo federal suspendeu a formalização de um contrato de prestação de serviços de acolhimento que seria firmado com a comunidade terapêutica (CT) Tenda do Encontro, localizada em Juiz de Fora (MG). Isso porque, durante o processo, a entidade passou a constar na chamada “lista suja” de empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Responsável pelo processo de credenciamento, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) tomou a providência após notificação do deputado federal pastor Henrique Vieira (Psol-RJ) e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
A instituição havia sido selecionada no Edital de Credenciamento Público nº 8/2023, mas teve o contrato barrado depois que foi apurada a situação de irregularidade. A CT Tenda do Encontrou chegou a figurar na lista de entidades habilitadas e qualificadas nos termos do edital no dia 1º de fevereiro de 2024. O credenciamento, no entanto, ocorreu anteriormente à sua inclusão na “lista suja” do MTE, meses depois, em 7 de outubro.
Em nota à reportagem, o MDS reconhece que tomou conhecimento da situação cadastral da CT apenas após tornar pública a convocação das entidades habilitadas, em edição do Diário Oficial da União (DOU) de 25 de junho deste ano. Tão logo, a pasta adotou as medidas cabíveis para a não celebração de contrato com a comunidade terapêutica. “Destaca-se que, no momento do credenciamento, a entidade não constava na referida lista”, diz o texto.
“Diante desse contexto, assim que tomou conhecimento da situação, o MDS elaborou Nota Técnica descredenciando a instituição da posição 282, conforme estabelecido no Aviso nº 02/2024, decorrente do Edital de Credenciamento nº 08/2023. Ressalta-se, por fim, que não houve repasse de recursos públicos à referida Comunidade Terapêutica”, pontua a pasta.
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A reportagem tentou contato com a CT Tenda do Encontro por meio do e-mail vinculado ao CNPJ da instituição, mas não obteve retorno. Nas redes sociais, a entidade se denomina “organização religiosa” e se apresenta como “lugar de prevenção e tratamento para todo tipo de drogadição”.
Na inspeção, agentes do MTE e da polícia concluíram que houve submissão de oito trabalhadores à condição análoga à escravidão. As vítimas, segundo o documento, trabalhavam na construção de uma obra na CT Tenda do Encontro. Acesse o relatório completo neste link.
Violação de direitos humanos
Para o deputado federal Henrique Vieira (Psol-RJ), a medida ocorre em meio a um crescente debate sobre as práticas das chamadas comunidades terapêuticas. No Brasil, a atuação dessas entidades é marcada pela violação de direitos humanos, como cárcere privado, trabalho forçado, além de ausência de equipe multidisciplinar e imposição religiosa.
Ao Brasil de Fato, o parlamentar que é presidente da Frente Parlamentar Mista Antimanicomial na Câmara reafirmou sua oposição ao modelo e criticou a destinação de recursos públicos a essas comunidades.
“Não podemos continuar financiando instituições que violam direitos em nome do cuidado. Muitas comunidades terapêuticas funcionam à margem da lei, com práticas abusivas e sem qualquer base na política pública de saúde. É preciso investir em redes de atenção psicossocial, no SUS, na liberdade e no cuidado real, não em isolamento e repressão travestidos de acolhimento”, afirmou Vieira.
As comunidades terapêuticas são instituições privadas que recebem financiamento público para realizar o acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso abusivo de drogas. Essas entidades, em sua maioria, têm ligação com igrejas evangélicas, estão situadas em locais afastados dos centros urbanos e pregam a abstinência.
Ao programa Central do Brasil, o diretor da ONG Desinstitute, Lúcio Costa, abordou o longo histórico de violação de direitos humanos no tratamento de dependentes químicos no qual essas instituições estão envolvidas. “Essas instituições têm uma nova roupagem, com características muito semelhantes ao que acontecia nos grandes centros manicomiais do país”, afirmou o psicólogo.
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