A economia cubana atravessa uma fase especialmente complexa. Os efeitos prolongados da guerra econômica — intensificada pelo endurecimento das sanções e pelas restrições ao acesso financeiro — somados às dificuldades internas, criaram um cenário desafiador para o setor produtivo do país.
Nos últimos cinco anos, a atividade econômica registrou uma queda de 11%, segundo informou o ministro da Economia e Planejamento, Joaquín Alonso Vázquez, à Comissão de Assuntos Econômicos da Assembleia Nacional do Poder Popular.
Diante desse cenário, o presidente Miguel Díaz-Canel tem enfatizado que os desafios da Revolução Cubana “não são apenas resistir, mas também criar”. Com esse espírito, durante o quinto período de sessões ordinárias da Assembleia Nacional, foram debatidos os principais desafios econômicos do país.
Crescimento com justiça social
O principal desafio de Cuba é recuperar sua capacidade de crescimento econômico. É o que afirma o economista Carlos Enrique González, em entrevista ao Brasil de Fato. Ele alerta que, embora o crescimento seja imprescindível para sair da crise, ele por si só não basta para sustentar o projeto socialista.
“Em Cuba, sempre dissemos que o crescimento do Produto Interno Bruto não é suficiente. Não basta que a economia cresça. Para que um país se desenvolva e as pessoas vivam melhor, esse crescimento deve vir acompanhado de políticas que direcionem os novos recursos em benefício da população e do desenvolvimento nacional”, afirma González.
Embora reconheça avanços, o pesquisador aponta que houve dificuldades para implementar as transformações necessárias. Um passo importante foi a apresentação do plano de estabilização no final de 2023, que conseguiu reduzir o déficit fiscal e controlar a emissão monetária, contribuindo para desacelerar a inflação.
“Apesar de não ter sido possível deter completamente a inflação, conseguiu-se freá-la. Também houve uma valorização da taxa de câmbio informal. Isso representa um esforço para preservar o valor da moeda nacional.”
Mesmo com esses avanços, a diferença entre a taxa de câmbio oficial e a do mercado paralelo continua alta. Nesse contexto, González destaca o impulso a um mercado cambial oficial que apoie o setor produtivo.
“A criação de um mercado cambial ao qual algumas empresas estatais possam ter acesso vai ajudar muito a produção. Mas um dos principais obstáculos para recuperar a capacidade produtiva são os preços. Muitas empresas estatais vendem seus produtos com preços fortemente subsidiados, o que tem uma boa intenção: torná-los acessíveis para a população. Porém, seus custos superam as receitas, o que afeta a produtividade.”
Por isso, ele insiste que qualquer ajuste deve ser acompanhado de políticas que protejam os setores mais vulneráveis, melhorando pensões e salários para evitar exclusões. Esse enfoque, garante, já está sendo implementado em alguns setores.
Os debates sobre como sair da crise são profundamente complexos. O bloqueio dos Estados Unidos reduz drasticamente a margem de manobra da ilha. Embora nem todos os problemas derivem diretamente dele, sem dúvida todos são agravados pela sua existência. Não se trata apenas de perdas econômicas, mas também da forma como condiciona a vida nacional: grande parte dos recursos — materiais e simbólicos — precisa ser destinada a combater seus efeitos, limitando a capacidade de enfrentar os desafios internos.
González ressalta que, apesar desse cenário, os fundamentos da Revolução Cubana permanecem firmemente ancorados no compromisso social:
“Historicamente, o capitalismo resolveu suas crises com cálculos frios que priorizam a acumulação de capital em detrimento da vida humana. Cuba, por outro lado, continua priorizando o investimento social. O grande desafio é manter esse investimento de forma sustentável.”
Energia, investimento e planejamento estratégico
Um eixo central da recuperação econômica é o setor energético. Segundo González, Cuba está apostando forte nas energias renováveis, especialmente na solar fotovoltaica. Desde meados do ano passado, o país desenvolve um plano de renovação do sistema energético, que atualmente depende de antigas usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis. O bloqueio dificulta a importação de combustível, encarecendo significativamente os custos.
“Nesse aspecto, avançou-se muito. Existe um plano para instalar mais de 2.000 megawatts por meio de painéis solares. Só neste ano, já foram instalados 500 megawatts, um quarto do objetivo.”
Essa estratégia não só melhora o sistema energético, mas também permite liberar divisas para a compra de combustíveis e bens essenciais.
O investimento em energias renováveis faz parte de um conjunto de reformas que busca facilitar o investimento estrangeiro direto, sem renunciar à soberania sobre os recursos estratégicos.
“Trata-se de criar condições para que esses recursos externos cheguem ao setor produtivo. Mas, para que realmente impulsionem a economia, é fundamental melhorar a conexão entre o setor estatal e os novos atores econômicos não estatais. Há consenso de que essa relação deve ser construída de forma produtiva.”
Entre os principais temas de debate está a forma como é conduzido o planejamento econômico socialista. González considera que as decisões sobre investimentos são parte essencial dessa discussão.
“Nos últimos anos, o sistema de investimentos não contribuiu para o crescimento. Priorizou-se o turismo, com a construção de hotéis, num contexto em que o número de visitantes vem diminuindo.”
A política de “máxima pressão” dos Estados Unidos, com medidas como a negação de vistos a quem tenha visitado Cuba, afetou especialmente o turismo europeu, reduzindo o fluxo de visitantes para a ilha.
“Enquanto se investia no turismo, não se asseguraram insumos essenciais para setores produtivos como a agricultura. Essa é uma das principais mudanças que o país deve assumir.”
Por fim, González alerta sobre o impacto do processo de dolarização parcial, implementado numa tentativa de captar mais divisas num contexto de pressão internacional.
“Essa estratégia aumentou a demanda por divisas dentro da economia e provocou o surgimento de um mercado cambial paralelo com uma taxa de câmbio elevada. Esse ambiente impediu que as divisas chegassem ao Estado, e a ausência de um mercado cambial oficial acabou afetando gravemente o setor produtivo.”
Longe de ceder diante da adversidade, González aponta que o desafio é lutar por soluções próprias: recuperar o crescimento econômico com justiça social, diversificar a base produtiva preservando a soberania, sem abandonar o compromisso com o bem-estar coletivo. Ou seja, Cuba não escolheu as condições em que sua luta se desenvolve, mas lutar pela dignidade, equidade e construção de um futuro mais justo, apesar das adversidades.
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